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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Juan Gelman: uma oração de comover as entranhas

 


Sua poesia é de grande leveza, lirismo e especialmente cheia da verdade humana, feita de dores, alegrias, buscas, encontros e muita fé. Para ele o encontro com São João da Cruz e com Santa Tereza d’Avila no exílio  conferiram-lhe uma aura nova à existência.

Por Leonardo Boff

Aos 83 anos morreu um dos maiores poetas argentinos Juan Gelman que vivia há muitos anos no México. Sofreu todas as tribulações de tantos  sob a terrível ditadura militar argentina. Sequestraram-lhe os filhos Nora Eva e Marcelo Ariel junto com sua nora María Claudia que estava grávida de sete meses. O filho e a nova desapareceram. Durante anos esteve à procura da neta Maria Macarena e no ano 2000 finalmente a identificou no Uruguai.

Sua poesia é de grande leveza, lirismo e especialmente cheia da verdade humana, feita de dores, alegrias, buscas, encontros e muita fé. Para ele o encontro com São João da Cruz e com Santa Tereza d’Avila no exílio  conferiram-lhe uma aura nova à existência.

Transcrevo aqui um poema “A oração de um desocupado” que eu coloquei no meu livro “O Pai Nosso: a oração da libertação integral” na parte que fala do “Pai Nosso que estais no céu”. É profunda e sentida. Como nos salmos apresenta suas lamúrias diretamente a Deus, como que desafiando-o para que desça e venha ver o que fizeram com sua criatura que passa fome e está absolutamente abandonada. Não entende mais nada, mas grita: “Pai, desce se estás…desce!”

A oração de um desocupado

“Pai,
desce dos céus, esqueci
as orações que me ensinou minha avó,
pobrezinha, ela agora repousa,
não tem mais que lavar, limpar, não tem mais que preocupar-se,
andando o dia todo atrás de roupa,
Não tem mais que velar de noite,
penosamente,
rezar, pedir -te coisas, resmugando docemente
Desce dos céus, se estás, desce então
pois morro de fome nesta esquina,
não sei para que serve haver nascido
olho as mãos inchadas,
não tem trabalho, não tem,
desce um pouco, contempla isto que sou, este sapato roto
essa angústia, este estômago vazio,
esta cidade sem pão para meus dentes,
a febre, cavando-me a carne
este dormir assim,
sob a chuva, castigado pelo frio, perseguido.
Te digo que não entendo, Pai, desce!
Toca-me a alma, olha-me o coração,
eu não roubei, nem assassinei, fui criança
e em troca me golpeiam e golpeiam,
te digo que não entendo, Pai, desce,
se estás, pois busco
resignação em mim e não tenho
e vou esconder-me de raiva e afilar-me
para brigar e vou gritar
até estourar o pescoço de sangue,
porque não posso mais, tenho rins
eu sou um homem,
desce! Que fizeram de tua criatura, Pai?
Um animal furioso
que mastiga a pedra da rua?”

(Transcrição e tradução de L.Boff)

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