Sua poesia é de grande
leveza, lirismo e especialmente cheia da verdade humana, feita de dores,
alegrias, buscas, encontros e muita fé. Para ele o encontro com São João da
Cruz e com Santa Tereza d’Avila no exílio conferiram-lhe uma aura nova à existência.
Por Leonardo Boff
Aos 83 anos morreu um
dos maiores poetas argentinos Juan Gelman que vivia há muitos anos no México.
Sofreu todas as tribulações de tantos sob a terrível ditadura militar
argentina. Sequestraram-lhe os filhos Nora Eva e Marcelo Ariel junto com sua nora
María Claudia que estava grávida de sete meses. O filho e a nova desapareceram.
Durante anos esteve à procura da neta Maria Macarena e no ano 2000 finalmente a
identificou no Uruguai.
Sua poesia é de grande
leveza, lirismo e especialmente cheia da verdade humana, feita de dores,
alegrias, buscas, encontros e muita fé. Para ele o encontro com São João da
Cruz e com Santa Tereza d’Avila no exílio conferiram-lhe uma aura nova à existência.
Transcrevo aqui um
poema “A oração de um desocupado” que eu coloquei no meu livro “O Pai Nosso: a
oração da libertação integral” na parte que fala do “Pai Nosso que estais no
céu”. É profunda e sentida. Como nos salmos apresenta suas lamúrias diretamente
a Deus, como que desafiando-o para que desça e venha ver o que fizeram com sua
criatura que passa fome e está absolutamente abandonada. Não entende mais nada,
mas grita: “Pai, desce se estás…desce!”
A oração de um
desocupado
“Pai,
desce dos céus,
esqueci
as orações que me
ensinou minha avó,
pobrezinha, ela agora
repousa,
não tem mais que
lavar, limpar, não tem mais que preocupar-se,
andando o dia todo
atrás de roupa,
Não tem mais que velar
de noite,
penosamente,
rezar, pedir -te
coisas, resmugando docemente
Desce dos céus, se
estás, desce então
pois morro de fome
nesta esquina,
não sei para que serve
haver nascido
olho as mãos inchadas,
não tem trabalho, não
tem,
desce um pouco,
contempla isto que sou, este sapato roto
essa angústia, este
estômago vazio,
esta cidade sem pão
para meus dentes,
a febre, cavando-me a
carne
este dormir assim,
sob a chuva, castigado
pelo frio, perseguido.
Te digo que não
entendo, Pai, desce!
Toca-me a alma,
olha-me o coração,
eu não roubei, nem
assassinei, fui criança
e em troca me golpeiam
e golpeiam,
te digo que não
entendo, Pai, desce,
se estás, pois busco
resignação em mim e
não tenho
e vou esconder-me de
raiva e afilar-me
para brigar e vou gritar
até estourar o pescoço
de sangue,
porque não posso mais,
tenho rins
eu sou um homem,
desce! Que fizeram de
tua criatura, Pai?
Um animal furioso
que mastiga a pedra da
rua?”
(Transcrição e tradução de L.Boff)
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