Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

terça-feira, 29 de abril de 2014

Carta a um fantasma



Hoje completa sete anos da sua morte. Cheguei em casa naquele dia, ainda encantado com o nascimento do Pedro, e o Takahashi me deu a notícia. Foi um golpe duro. Liguei para o Miguel em Madri e chorei com ele. A tia da Lilian veio me consolar com o depoimento dos muitos companheiros que perdeu nos anos 1970 e foi com o contraste de horrores maiores que me resignei. Passados esses anos, ainda tento entender o que aconteceu com você — e tento entender também o que se passou com nós que sobrevivemos a você.

Uns dias antes da tarde fatal, você enviou um email que ainda estala na minha cabeça: “I’m not ready for this”. Lembro de você, um ano antes, chegando do nada, abrindo minha geladeira sem pedir licença e perguntando como podia ser útil. Lembro que falei da ocupação Sonho Real e você foi para lá, sem pensar, para ajudar os companheiros de Goiânia. Quem sabe alguém em Oaxaca tenha te indicado da mesma forma despretensiosa aquela barricada mortal?

O que mais me inquieta, na lembrança da sua morte, é que não sei porque só você foi para a Oaxaca. Depois que o movimento global acabou, você não esteve sozinho ao ir para Buenos Aires, Bolívia e Equador, nas revoltas antineoliberais. Eu e muitos outros te acompanhamos. Mas Oaxaca foi diferente. Não era só uma revolta — era uma revolução. E você disse, “eu não estou preparado para isso”. E era uma revolução como a gente dizia gostar, dizia esperar, com o povo armado e conselhos de base! Nosso amigo Pablo S. esteve na Alemanha e companheiros de lá lembraram que, na revolução da Nicarágua, 10 mil alemães se alistaram nas brigadas internacionais. Por que não fomos para Oaxaca da mesma maneira? Por que só você foi — e se sentiu sozinho e despreparado? Perdemos a coragem? Ou perdemos a esperança na revolução, essa catástrofe benfazeja, como a chamava Simone Weil? Será, que a despeito dos nossos discursos, não esperávamos mais que uma guerra fratricida pudesse por fim a todas as guerras e a todos os conflitos, como acreditavam os camaradas de outrora?

Quando olho para trás, não sei exatamente o que sinto: se te condeno pela ingenuidade de levar às ultimas consequências os nossos panfletos ou se te condeno pela coragem de viver nossa política até o fim. Nós, que sobrevivemos, carregamos as esperanças e os projetos parados no tempo de vocês, os mortos. Quando fechamos os olhos, no silêncio da noite, é sob a imagem e a lembrança do compromisso que assumimos com vocês que refletimos. Vocês, nossos companheiros, com quem dividimos em ruas e barricadas o risco da morte. E tentamos honrar esses compromissos e equilibrá-los com as novidades que o tempo traz. E quando essas novidades nos tiram do caminho, a lembrança persistente dos mortos e dos seus projetos passados vem nos assombrar.

Sete anos, camarada, e ainda passo as noites com o seu fantasma.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

DEBULHANDO MILHO



Água

Líquido: meu corpo:
Clara, boia.


Terra

Pipoca uma palavra: pipocam palavras:
A ema cisca o milho: e põe o pó ema.


Fogo

Sol ardendo: meus olhos:
Olhares aflitos.


Ar

Riso preso: represa.
Riso solto: abraço.


Milho

Beijo de língua: abraço d(e)amante.
Fome de vida: milho assado.


Homem

Sede e fome: o corpo.
Banzo e chamego: a essência.


Poema

Teus olhos azuis brilham na noite:
O gato, de botas? A gata, Christie?


Fome

Debulhando a vida: a fome.
Debulhando o milho: a comida.


quarta-feira, 16 de abril de 2014

NÃO SEI SE É VÍRUS

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Não sei se é vírus,
Bactéria,
Ou outra forma de vida
Ou de não vida.

Só sei que a depressão
Está comendo meu fígado.

Existe apenas um único remédio,
Um único antídoto:
A solidariedade!

Mas, na sociedade capitalista
Em que sobrevivo e cumpro pena,
A solidariedade é caçada,
Qual uma barata imunda,
Por ditadores, banqueiros, financistas,
Pela imprensa livre,
Por reizinhos, como aquele fascista espanhol,
E pela violenta e religiosa classe média.

Sei apenas que a depressão
Está comendo o meu fígado.

O fígado tem a função de destilar
Alegria,
Foi o órgão criado com mais
Carinho por Baco, quando, embriagado,
Resolveu moldar, homem e mulher, do vinho.

Não sei se meu fígado resistirá,
- pois a depressão o está devorando –
Se voltarei a beber e rir com os amigos,
Sonhar com uma sociedade mais justa:
Socialista, comunista, anárquica.

Quando isto acontecer,
Homens e mulheres aprenderão
A cultivar a solidariedade,
Que nos ensinar a amar
- mas de um amor que ainda não conhecemos -
Ao próximo como a nós mesmos.

E neste dia,
Que festa, que júbilo, que alegria!
Sei que não estarei vivo quando isto acontecer,
Pois, a depressão está comendo o meu fígado,
E sei que não resistirei.

Onde o remédio?
Onde o antídoto?
Onde a solidariedade?
Onde o amor pleno, que ainda não conhecemos?

(Itárcio Ferreira)

terça-feira, 8 de abril de 2014

5 dicas de como curar depressão

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Por Gabriela Mateos
Curar depressão pode não ser a tarefa mais fácil do mundo, mas também está bem longe de ser impossível. Com a dose certa de motivação e força de vontade, o caminho que parece longo e totalmente fora de alcance começa a se construir aos poucos na sua frente. É como dizem: comece fazendo o necessário, depois o que é possível e, quando você menos esperar, estará fazendo o que antes considerava impraticável.
E o primeiro passo é saber que você não está sozinho.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 350 milhões de pessoas do mundo todo sofrem, em algum grau, de depressão. O transtorno mental, que é mais comum do que podemos imaginar, é caracterizado por tristeza, perda de interesse em toda e qualquer atividade, ausência de prazer, oscilações entre sentimentos de culpa e baixa autoestima. Distúrbios do sono e no apetite também são bastante comuns. Ou seja: todas as áreas da vida são afetadas.
O pior de tudo isso é que parentes, amigos e outras pessoas próximas não compreendem totalmente a gravidade e profundidade dessa situação, e acabam sendo negligentes nos cuidados e atenção – o que pode até contribuir para piorar o quadro de depressão.
O vídeo abaixo vai ajudar a entender melhor qual é a realidade de uma pessoa com depressão:

Também segundo a OMS, a depressão pode ser longa duração ou recorrente. Mas qualquer que seja o caso, iniciar um tratamento é absolutamente necessário. E quanto mais cedo começar, melhores serão os resultados.
O interessante desse caso é ressaltar que o paciente é protagonista no processo de recuperação. Porque, para se curar, é preciso – acima de tudo – querer. Você tem todos os sintomas de que já falamos e se sente sem forças para lutar contra todos eles? A depressão também tem isso: ela faz com que você se sinta impotente. Mas você não é.
Há algumas (muitas) coisas que uma pessoa pode fazer por si mesma e dar passos largos na grande caminhada que é a cura de uma depressão. Por exemplo:

1. Estabeleça uma rotina

Se você está deprimido, precisa de uma rotina. É o que diz Ian Cook, psiquiatra e diretor do Programa de Pesquisa e Clínica de Depressão da UCLA (Universidade da Califórnia – EUA). A depressão pode fazer a estrutura da sua vida desmoronar, fazendo um dia se fundir com o outro e deixando você totalmente sem rumo. Definir uma agenda diária, com horários e atividades, pode ajudar a colocar as coisas de volta nos trilhos.

2. Pratique exercícios físicos regularmente

Nós já falamos aqui sobre várias situações em que um mínimo de exercícios físicos pode fazer uma grande diferença. Desde ter resultados mais satisfatórios em uma determinada prova à dormir melhor e entrar em forma. E esse é mais um contexto onde esse hábito só tem a colaborar com você.
A prática regular de exercícios aumenta a quantidade de endorfinas no corpo, que são responsáveis por uma sensação de bem-estar reconfortante. Também segundo Ian Cook, a longo prazo, a prática de exercícios físicos regulares parece encorajar o cérebro a se religar de maneira positiva. E não é preciso correr maratonas inteiras para se beneficiar com tudo isso. Caminhadas algumas vezes por semana já são suficientes!

3. Tenha uma alimentação saudável

Não há uma dieta milagrosa para curar depressão, mas ficar de olho no que você come pode ser uma boa ideia. Se a depressão tende a fazer você comer demais, ficar no controle da sua alimentação vai fazer você se sentir melhor e mais confiante automaticamente. Segundo o psiquiátrica americano Cook, há evidências de que alimentos com ômega-3, ácidos graxos – como salmão e atum – e ácido fólico – como espinafre e abacate – podem ajudar a aliviar a depressão.

4. Assuma responsabilidades

Quando você está deprimido, a única coisa que você sente vontade de fazer é se afastar da sua própria vida e abandonar todas as suas responsabilidades – tanto em casa quanto no trabalho. Se esforce para que isso não aconteça. Ficar envolvido com algum projeto e ter responsabilidades diárias ajudam, e muito, pois contribuem para um sentimento insubstituível de autorrealização. Se você não consegue trabalhar o dia inteiro, pense em meio período. Se essa ideia também parece intolerável, considere um trabalho voluntário.

5. Desafie pensamentos negativos

O trabalho mental é uma parte significativa e fundamental na luta contra a depressão. Por isso é preciso mudar o jeito que você pensa. Porque quando se está deprimido, seus pensamentos sempre são os piores possíveis, em relação a tudo. E isso é como um bola de neve. Você começa a se sentir péssimo em relação a você mesmo e a tudo que está a sua volta. Por isso, uma boa ideia é usar a lógica como tratamento natural para curar depressão. Você pode se sentir como se ninguém gostasse de você, mas existe alguma evidência real para achar isso? É preciso prática para pensar assim, mas com o tempo se torna algo natural, e você começa a domar pensamentos negativos antes que eles saiam de controle.
Todas essas dicas parecem ser exatamente aquele tipo de coisa que é fácil de falar, mas na prática são impossíveis de realizar, não? Se você sente isso, eu tenho uma dica extra para você: inspire-se nos outros. Nas pessoas que sofreram, ou sofrem, de depressão e mesmo assim conseguiram unir forças para sair desse buraco negro para o qual foram sugadas.
Esse pode ser o melhor começo. [Web MDExame]

segunda-feira, 7 de abril de 2014

A Camões

*Imagem daqui


Quando n'alma pesar de tua raça
a névoa da apagada e vil tristeza,
busque ela sempre a glória que não passa,
em teu poema de heroísmo e de beleza.

Gênio purificado na desgraça,
tu resumiste em ti toda a grandeza:
poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
o amor da grande pátria portuguesa.

E enquanto o fero canto ecoar na mente
da estirpe que em perigos sublimados
plantou a cruz em cada continente,

não morrerá sem poetas nem soldados
a língua em que cantaste rudemente
as armas e os barões assinalados.

(Manuel Bandeira)

domingo, 6 de abril de 2014

O GUARDA ABILOLADO

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Mestre Chico Pedroso *Imagem daqui


  Doutor, eu tenho razão,
De ser meio abilolado,
Venho do tempo marcado
Por seca e revolução.
Quando eu tinha ano e meio,
Escapei de um tiroteio,
De meu pai com a bolandeira.
Se meu pai ganhou, eu não sei
E também nunca perguntei,
Nem, sequer, por brincadeira.

Vim conhecer a cidade,
Quando votei pra prefeito
E, por sinal, ele foi eleito,
E, para minha felicidade,
Ele me deu um emprego:
Me entregou uma farda,
Um capote, um coturno,
Um capacete envernizado,
Um apito enferrujado,
Eu fui ser guarda noturno.

Passeava as noites inteiras,
Apitando na cidade,
Escola, igreja, cinema,
Mercado e maternidade.
Nas noites frias do inverno,
Eu usava um velho terno,
Umas meias de crochê,
Bebia quatro cachaças,
Dava três voltas na praça
E corria pro cabaré.

Lá existia de tudo:
Discussão, briga, lorota,
Um contava aventura,
Outro pagava uma meiota;
Quando um bêbado se zangava,
Eu ia lá e ajeitava.
O bêbado ficava manso,
Pagava pra mim uma bebida
Eu dava um apito e saía,
Na velha ginga de ganso.

Até que um dia o prefeito,
Fez uma reunião
E nela perguntou aos guardas:
-Querem aumento ou promoção?
Antes de fechar a boca,
Eu gritei com voz rouca:
-Quero promoção seu Zé!
Disse ele tá garantido,
Aprovado e promovido,
No maior posto que houver.

Me deu uma farda nova, florada,
Quem nem chita enfeitada,
De galão, estrela, medalha e fita,
Broche, botão e alfinete;
Trocou meu velho cassetete
Por um novo profissional,
E me disse: de hoje em diante,
Você é comandante,
Da Guarda Municipal.

Pois três meses depois,
Veio a guerra mundial
E, nesse tempo, uma irmã minha
Tava morando em Natal.
Eu fui visitá-la;
Botei a farda na mala,
Passei o cargo a Raimundo
Que era quase um irmão.
Peguei o trem na estação,
E me intupigaitei pelo mundo.

Que lugar longe da gota.
Quase o trem não chegava mais;
Tinha hora que pensava
Que ele tava andando pra trás.
Entre solavancos e berros,
O velho embuá de ferro,
Viajou a noite inteira,
E de manhã cedo, chegou
Deu um apito e parou
Na estação da Ribeira.

Desembarquei e fiquei
Perdido na multidão.
Quando eu puxava uma conversa
Ninguém me dava atenção.
Quando mais bom dia dava,
Mais o povo se abusava,
Talvez me achando chato.
Era um povo diferente,
Da qualidade da gente,
Das cidadinhas do mato.

Perguntei a mais de mil,
Se eles davam notícia
De Carmelita de Sousa,
Uma cabocla mestiça,
Mulher do guarda Pompeu,
Mais morena do que eu
E de cabelo meio ruim,
Que morava na Ari Parreira,
Que fica perto da feira
No bairro do Alecrim.

Depois de tanta pergunta,
Depois de ouvir tanto não,
Me apareceu Carmelita,
No pátio da Estação,
Toda cheia de fineses,
Puxando nos Rs e Ss
Que nem mulher de doutor,
Nem parecia a matuta,
Que lavrou a terra bruta,
No Sertão do interior.

Mesmo assim me recebeu,
Na sua casa modesta,
Os primeiros cinco dias,
Para nós foram de festa.
Quando o sexto dia veio,
Resolvi dar um passeio.
Mandei engomar a farda,
Me banhei, tirei o grude,
Me preparei como pude,
Para ter um dia de glória.

Passei o resto da tarde,
Sentado num tamborete,
Pregando estrelas, galões,
Broche, alfinete, botões,
Comprei mais uns acessórios,
Enfeitei o suspensório,
Feito de sola curtida.
De manhã cedo me vesti,
Tomei café e sai,
Dando risada da vida.

Na praça Gentil Ferreira,
Onde tinha um mercado,
Eu parei para tomar fôlego,
Quando passava um soldado
E fez continência para mim.
Eu fiquei pensando assim:
Que danado ele viu neu,
Na certa tá me confundindo,
Ou me achando parecido,
Com algum colega seu.

E haja passar soldado,
Fazendo assim com a mão.
Daqui a pouco era sargento,
Coronel, capitão, cabo,
Tenente, major
E todo o estado maior,
Dos quartéis da redondeza
Cumprimentavam-me ali
Até hoje nunca vi
Tamanha delicadeza.

Desfilaram tanques de guerra,
Aviões em voo rasantes,
Sirenes tocaram mais fortes,
Canhões dispararam distantes.
Um praça do Coronel,
Puxou do bolso um papel,
Onde tinha um letreiro
Que dizia: - Nossa terra
Tem um espião de guerra,
Que chegou do estrangeiro.

Não quis falar com ninguém,
Não pergunta e nem responde,
Ninguém sabe de onde vem,
Ninguém sabe onde se esconde.
A sua farda é  cor de ameixa,
A impressão que nos deixa,
É que é um grande guerreiro,
Filho de outra nação,
Ou um perigoso espião,
Das guerras do estrangeiro.

Vamos levá-lo ao quartel,
Para uma averiguação,
Pois precisamos saber,
De onde veio esse espião.

Em seguida me levaram
Ao quartel e me entregaram
Ao Comandante Geral
Que, quando me viu fardado,
Perguntou meio assustado:

- Que tás fazendo em Natal?
Donde diabo é essa farda?
Faça o favor de informar,
E como se chama a nação
Que usa uniforme diferente?
E quem lhe deu tanta patente?
A troco não sei de que.
E porque Vossa Excelência
Não responde as continências,
Afinal, quem é você?

-Coronel, eu sou Zé Carrapeta,
Sou filho do Cariri.
Não sei fazer continência,
Pra gente que nunca vi.
Porém, nunca fui intruso
E, acredite, eu só uso
Esse quepe de biriba,
Essa farda e esse coturno,
Porque sou guarda noturno,
Em Sapé, na Paraíba.

(Chico Pedrosa)