Encontrei no excelente Informação Incorrecta
- Bom dia Capuchinho Vermelho - disse o lobo enquanto apoiado
a uma árvore fumava uma Luky Strike. - É um dia bonito, não é?
Capuchinho
desviou o olhar das flores do campo e olhou para o lobo: - Minha Nossa Senhora
Santíssima da Saúde, um lobo! Um autêntico lobo mau! Socorroooo!!!
-
Calma, calma Capuchinho, fica descansada. Estou aqui, na máxima descontracção,
e só me apetecem dois dedos de conversa. E podes esquecer o "mau":
sou lobo, sim, mas sou bom, muito bom.
Capuchinho
olhou para o lobo: de facto estava parado, na boa. Tinha os olhos pérfidos,
quase fechados tanto eram subtis, mas o ar geral parecia...descontraído, como
ele tinha dito.
- Por
exemplo: onde é que vais com o saco do supermercado? Se não estou a ser
indiscreto, óbvio. - disse o lobo olhando os anéis de fumo que flutuavam para o
céu.
-
Vou...vou levar comida para a minha avó. - respondeu Capuchinho com voz trémula.
- Ah,
sim, a velha, pois... - disse pensativo o lobo: - E posso saber qual a razão?
"Que pergunta estúpida" pensou Capuchinho,
"Este não deve ser um lobo tão inteligente". E respondeu: - A avó
vive sozinha, não consegue fazer tudo, então alguém tem que levar-lhe a comida.
- Sim,
isso percebi eu - confirmou distraidamente o lobo - mas o que quero dizer é:
que direito tem a velha de receber comida, deixando que uma rapariga tão jovem
e tão bonita atravesse um lugar tão sinistro como um bosque?
-
É...é que a avó trabalhou a vida inteira, então agora tem o direito de ser
assistida. É um direito adquirido.
-
"Direito", - sorriu o lobo - "direito" e
"adquirido" dizes...minha querida Capuchinho, os direitos são coisas
bem esquisitas e os direitos adquiridos depois...sabes, a verdade é que os
direitos adquiridos nem existem.
- Como
assim? - perguntou curiosa Capuchinho.
O lobo
sentou-se com as costas apoiadas ao tronco, apagou o cigarro e juntou as mãos:
- Capuchinho, o que é um direito?
-
Direito do trabalho, ou direito laboral, é o conjunto de normas jurídicas que
regem as relações entre empregados e empregadores, são os direitos resultantes
da condição jurídica dos trabalhadores.- respondeu Capuchinho que tinha
internet em casa e costumava consultar Wikipédia.
- Eh?
Ó Capuchinho, mas como raio falas?
- Tá
bom...então o direito é algo que podemos justamente reivindicar perante a
comunidade. Por exemplo: a avó trabalhou a vida toda e agora tem o direito de
ser assistida.
- Ahe?
- observou o lobo - Então deixa que te explique uma coisa: os direitos são algo
que é preciso conquistar e depois defender. Continuamente, sem parar. Vou
fazer-te um exemplo.
Capuchinho
apoiou o saco no chão e sentou-se para ouvir melhor.
- Eu
sou lobo, justo?
-
Justo. E feio também.- observou Capuchinho.
- Isso
agora não interessa, o que conta é que sou lobo. Isso significa que sou forte,
sou rápido: sou o ser mais forte do bosque. Mas isso chega para proporcionar-me
uma boa vida, feita de ócio? Poderia dizer "Olhem, sou o maior aqui, tragam-me
um cordeiro com batatas fritas". Mas não, não chega. A cada dia tenho que
acordar, procurar comida, caçar, lutar contra os outros lobos até.
Capuchinho
ficou pensativa. De facto a vida do lobo era assim. Continuou o lobo: - Ser o
maior não é suficiente, é preciso lutar dia após dia para lembrar a todos que
sou o maior. Agora, pensa na tua avó: ela lutou pelos direitos dela?
- Ela
trabalhou, a vida toda. - respondeu prontamente Capuchinho.
- Sim,
isso já disseste. Mas trabalhou como? Lutou pelos direitos dela? Que fez? -
Capuchinho
tentou lembrar: - ...bom, a avó trabalhou a vida toda...depois foi votar,
sempre, nunca saltou uma votação! - exclamou radiante.
-
Grande coisa! - riu o lobo, - Votou? Isso impediu que no bosque ande um lobo
ma...ehm...bom mas teoricamente perigoso como eu?
- Não,
em verdade não... - admitiu Capuchinho.
- Vês?
Então votou em quem? E para quê?
-
Votou...votou como forma de participação cívica na sociedade. - respondeu
Capuchinho.
- Sim,
votou, já percebemos. Mas não achas pouco? Que dizer, trabalhas, votas e é
assim que conquistas os teus direitos?
-
Sim...acho que sim...a sociedade funciona desta forma.
-
Sério? - perguntou o lobo com uma gargalhada - Uma sociedade magnífica, sem
dúvida: 8 horas de trabalho por dia, às urnas uma vez a cada quatro ou cinco
anos e pronto, eis conquistado o direito. Ah, querida Capuchinho a tua
inocência faz ternura...sabes, há alguns anos fui até à cidade. De noite, para
não ser visto. Deslizei ao longo das paredes, escondi-me atrás dos caixotes do
lixo, até que encontrei um lugar estranho: o nome dele era "zoo".
- Ah,
sim, sei o que é um zoo! - disse Capuchinho - Um zoo: é um local específico
para se manter animais, selvagens e domesticados, que podem ser exibidos ao
público. Nele existem profissionais especializados, como veterinários e
zootecnistas, que cuidam da alimentação, das jaulas, da saúde mental e física
dos animais, entre muitas outras actividades.
- Isto
é Wikipedia outra vez?
-
Claro.- respondeu Capuchinho.
- Tá
bom, Capucho, deixa-me acabar. Curioso, entrei no zoo e havia muitos animais,
alguns grandes grandes, outros pequenos pequenos, até que um certo ponto
deparei com uma gaiola na qual havia um lobo. Aproximei-me e chamei. Era Fang.
- Ah,
como na canção White Mountains dos Genesis: Las letras de White Mountain
cuentan una fábula de un lobo llamado "Fang", quien busca usurpar la
autoridad del líder de la manada (un héroe invicto conocido como
"Un-Ojo") al intentar capturar la corona y el cetro que solo el lobo
rey puede tener. Wikipedia espanhola, óbvio.
-
Capucho, quer fechar a boca? Que grande melga...
-
Desculpa lobo, desculpa...
- Tudo
bem...então dizia: falámos, eu e Fang, falámos muito. Dizia estar satisfeito:
tinha comida todos os dias, duas vezes por dia, ninguém ia chateá-lo, dormia
quando tinha vontade de dormir, acordava só quando estava cansado de sonhar.
- Uma
boa vida! - notou Capuchinho.
-
"Boa vida"? Capuchinho, Fang estava e ainda está preso numa gaiola!
Achas uma boa vida aquela? Sim, tem o direito de ter comida duas vezes por dia,
não como eu que tenho que levantar-me com o sol ou com a chuva para sobreviver:
mas vive numa gaiola, percebes, uma gaiola! Fang tinha trocado a sua liberdade
por alguns "direitos": sentia-se bem, com a barriga cheia todos os
dias, mas qual o custo?
Capuchinho
ficou a pensar. E depois perguntou: - Ó lobo, percebo a história, mas não
percebo onde queres chegar. O que queres dizer-me?
O lobo
acendeu outro cigarro e olhou para Capuchinho: - Em verdade já disse. Os
direitos adquiridos não existem. Os únicos direitos que valem são aqueles para
os quais estás disposta a lutar. E digo "lutar", entendes? Não
"votar". E há muitas maneiras de lutar. Há quem pense que
"luta" signifique "violência", mas isto é verdade apenas no
caso de mentes fracas. "Lutar" significa também aprender,
informar-se, partilhar o conhecimento, confrontar as ideias... tudo isto custa,
requer empenho, tudo isto é luta também.
-
Percebo. - disse Capuchinho olhando para o seu relógio. - Olha, lobo, já é
tarde e tenho que ir até a casinha da avó. Obrigado por tudo e pela simpática
conversa.
- De
nada, Capuchinho, sempre às ordens. - respondeu o lobo preparando-se para a
siesta.
Com um
corta-mato, Capuchinho Vermelho alcançou depressa a casa da avó. Bateu na porta
e a avozinha respondeu: - Entra Capuchinho, entra, a porta está só no trinco,
tens que puxar para cima e...
- Ó
avó, já estou aqui. Olha, trouxe-te uma posta de bacalhau com acompanhamento de
bacalhau frito e um bolo de bacalhau como sobremesa - disse Capuchinho bem
sabendo das origens portuguesas da avó.
-
Linda menina! - exclamou a idosa.
Capuchinho
entregou a comida e começou a observar a avó.
-
Porque estes olhos tão grandes? - perguntou.
- Ó
minha querida, é para ver melhor a televisão.- respondeu a avó.
-
Porque essas orelhas tão grandes?
- São
para ouvir melhor a televisão.
- E
porque estas mãos tão grandes?
- É
para carregar melhor nas teclas do comando da televisão.
- E
porque esta boca tão grande?
- É
para comer melhor as pipocas enquanto vejo a televisão.
- Ó
avó, não achas que ficar sentada o dia todo a ver televisão seja um pouco
redutivo?
- Que
quefef fifer?
- Ó
avó, engole o bacalhau que assim não se percebe nada.
-
Dizia: que queres dizer?
-
Entendo: que tal levantar-te, sair para a rua e defender os teus direitos?
Sentada aí, sem nada fazer, sabe o que vai acontecer? Acontece que alguém vai
tirar-te os teus direitos, porque temos que lutar dia após dia para defende-los,
nada é adquirido. Não achas?
- Não,
trabalhei a vida toda, votei no Partido Sério e Dedicado, isso é suficiente. E
agora ligas para quem?
-
Nada, avó, não te preocupes...Estou? É o lobo? Já almoçaste? Olha, não é que na
barriga tens ainda espaço para uma avó?
Ipse
dixit.
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