Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Meu sofrimento dobrado..., poema de Julio Cortázar



Benditos sejam os meus olhos 
                                                                           por terem olhado tão alto.

E também não estar triste,
não crescer com as fontes, não se dobrar nos salgueiros.
Larga é a luz para dois olhos, e a dor dança
nos peitos que aceitam sem fraqueza seus frios escarpins.
E não chamar-te de distante nem perdida
para não dar razão ao mar que te retém.
E elogiar-te na mais perfeita solidão
na hora em que teu nome é o primeiro lume em minha janela.

Julio Cortázar
                                                      

Sedução, poema de Adélia Prado



A poesia me pega com sua roda dentada,
me força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.
Me abraça detrás do muro, levanta
a saia pra eu ver, amorosa e doida.
Acontece a má coisa, eu lhe digo,
também sou filho de Deus,
me deixa desesperar.
Ela responde passando
a língua quente em meu pescoço,
fala pau pra me acalmar,
fala pedra, geometria,
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.
Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.
Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.
É de ferro a roda dentada dela.

A arte Uwe Ommer - "Asian Ladies"








Via Uwe Ommer

Oliveira de Panelas - "Amor Cósmico"

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Cuba socialista

Para refletir (61)

Antonio Candido 

"...Mas o fato é que... o regime cubano conseguiu o que nenhum outro tinha conseguido na América Latina: tirar o povo da sujeição torpe e dar-lhe o sentimento da própria dignidade, graças à aquisição dos requisitos indispensáveis – saúde, alimentação, relativa equivalência de oportunidades, afastamento mínimo possível entre os salários mais altos e os mais baixos.” (in Recortes, Companhia das Letras, 1993)

(Antonio Candido, sociólogoliterato e professor universitário brasileiro)

Pensamentos noturnos, poema de Li T'ai Po


Diante da cama
Brilha o luar
Que mais parece
Gelo no chão.

Se levanto a cabeça
Contemplo a Lua.
Ao baixá-la
Sonho com a terra natal.

Li T'ai Po

Os Rubaiyat, poema de Omar Khayyam


Que pobre o coração que não sabe amar
e não conhece o delírio da paixão.
Se não amas, que sol pode te aquecer,
ou que lua te consolar?
 
Hoje os meus anos reflorescem.
Quero o vinho que me dá calor.
Dizes que é amargo? Vinho!
Que seja amargo, como a vida.

É inútil a tua aflição;
nada podes sobre o teu destino.
Se és prudente, toma o que tens à mão.
Amanhã... que sabes do amanhã?

Além da Terra, pelo Infinito,
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Céu e Inferno estão em ti.

(trecho)


Omar Khayyam

Tradução de Alfredo Braga

Para ler o poema completo: Os Rubaiyat, de Omar Khayyam 

Meu processo é confuso, incoerente, agitado, esperançoso e frustrante"

Depois de 16 anos, o escritor de ficção científica China Miéville lança 'Estação Perdido' no Brasil e comenta sobre seu trabalho



Há 16 anos, o premiado escritor inglês de ficção científica China Miéville surpreendia o gênero com Estação Perdido, obra distópica sobre um universo habitado por seres fantásticos, mas sujeitos às menores trivialidades de nossa realidade. O livro chega agora às livrarias brasileiras pela Editora Boitempo, e Miéville conversou com GALILEU para falar sobre o seu trabalho, os conflitos entre ficção e realidade, processo criativo, produção de ideias e perspectivas da literatura fantástica.
O leitor de literatura fantástica/ficcional é mais difícil de se conquistar?

Eu acredito que há uma certa globalização da cultura geek. Certamente nesses mais de 16 anos que tenho trabalhado fora, vi uma recente explosão na visibilidade da audiência por ficção especulativa (classificação que abrange principalmente terror, fantasia e sci-fi) em todas suas formas, internacionalmente.  Eu sinto que há um aumento na audiência mundial por tal ficção e arte. Assim como a recuperação de formas anteriores pouco respeitadas.

Em Estação Perdido encontramos seres de diferentes espécies vivendo sob uma rígida hierarquia social e um forte sistema autoritário e corrupto. E naturalmente, muitos podem relacionar esse universo com o mundo real. Assim, você acha que a literatura ficcional perde o seu significado com essas constantes comparações?

Há uma grande angústia em alguns leitores para entender o que o livro realmente significa – decifrar uma interpretação específica e exclusiva sobre o nosso mundo. E não está nada errado. Para o benefício de todos, a literatura tem ressonâncias metafóricas com a nossa realidade.  Mas o problema com este tipo de leitura é que ela simplifica sua compreensão da metáfora e é inadequada no sentido do literalismo da ficção. Isso não quer dizer que um livro não possa ser lido como algo sobre determinada linha política. Mas ele não é uma alegoria e o seu significado sempre irá escapar de qualquer tentativa de simplifica-lo em uma leitura individual – ou pelo menos deveria. E um dragão em um romance fantástico pode ser uma metáfora para todo tipo de coisa. Mas ele também é – pelo menos nos melhores livros – um lagarto flamejante gigante. 

A imprensa internacional já o comparou a Franz Kafka, George Orwell e Philip K. Dick. Porém, como você entende e descreve o seu processo criativo e de escrita?

Fico absurdamente lisonjeado com essas comparações. Eu diria que o meu processo de escrita é confuso, incoerente, agitado, esperançoso e frustrante. Eu ainda procuro estrutura. E não sei se vou melhorar nesse processo, mas ainda sonho com isso. Já minha relação com a literatura é de fascinação, intenso amor e comprometimento com as leituras que faço.

Você também é um respeitado professor de escrita criativa. Assim, em um cenário no qual todas as ideias já parecem ter sido usadas, como escrever algo novo?

Lutar por “novidade” e “singularidade” pode entristecê-lo. E não existe “sem novas ideias”. Talvez a melhor coisa seja refazer, recombinar e misturar as ideias em novas combinações.  Para ser honesto, creio que muitos de nós têm ideias melhores do que realmente achamos ter.  Acho que um dos grandes problemas que encaramos é que as pessoas são treinadas a escutar que suas ideias são ridículas, desanimando rapidamente. Acho que o maior problema que as pessoas enfrentam não é a falta de ideia, mas sim o desencorajamento em seguir firme com elas. 

Como você compreende a literatura fantástica atual?

Eu espero por melhorias tanto no escopo de representação e representantes, quanto na qualidade.  No geral, acredito em uma melhoria lenta no futuro. Acho que seria muito legal ter mais gente esforçada – para ficar claro, não apenas no fantástico. Eu quero que a fantasia aprenda a ‘roubar’ o melhor da literatura. Não quero parodiar. Particularmente, espero por mais experimentalismo.

Você escreveu romances, histórias curtas, séries em quadrinhos e até livro de RPG. Quais caminhos a literatura ainda pode dar a você?

Eu diria que tenho interesse em trabalhar com videogames, num mundo de criação mais geral. E gostaria de colaborar mais com os artistas, até mesmo com artistas da música. Também gostaria de escrever mais obras não ficcionais. Mas acho que meu coração ficará sempre na ficção.

Estação Perdido é o primeiro volume de uma trilogia. É difícil construir esse tipo de narrativa, onde cada livro deve manter sua individualidade ao mesmo tempo em que integra uma estrutura maior?

Para mim, isto nunca foi um grande problema. Em parte, porque Estação Perdido não é o começo de uma trilogia ou série, estritamente falando. Os três livros são localizados no mesmo mundo, próximos na época, com personagens compartilhados e referências a situações de outras obras. Mas os três livros foram cuidadosamente planejados como obras independentes. É muito importante para mim que cada volume trabalhe sob seus próprios termos, e que você não precise ler nenhum outro para fazer sentido nesses (mas se o fizer, é capaz de perceber certas referências).

Hermes Aquino - "Desencontro De Primavera"

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O dilema da direita


Em Cuba tudo é modesto, poema de Adalberto Monteiro


Em Cuba tudo é modesto:
A casa que abriga, a roupa que veste,
A caneta que escreve,
O hospital que acolhe e cura,
O prato que alimenta,
A escola que pesquisa e ensina,
O livro que ilumina;
Mas os filhos dos trabalhadores são doutores.

Em Cuba tudo é modesto,
Mas não se tropeça em seres humanos
Caídos, corroídos pela fome e pelo abandono,
No cimento das calçadas.
Tudo é modesto inclusive o vinho,
Mas o rum é maravilhoso.

Em Cuba tudo é modesto
Menos a beleza das mulheres,
Menos a sedução de Varadero.

Em Cuba tudo é modesto,
Menos a solidariedade que a fez, pela causa da liberdade,
Combater em Angola;
Que a faz enviar médicos e professores
Em missões humanitárias aos quatros cantos do mundo.

Em Cuba tudo é modesto,
Menos a música contagiante, a dança envolvente,
O cinema belo e inquietante

Em Cuba tudo é modesto,
Menos a heroica jornada para conquistar
Uma pátria soberana
E construir uma nação de homens e mulheres livres.

Adalberto Monteiro

Pablo Milanés - "Palabras fundamentales"

FIDEL CASTRO


Heidegger Human

Sons de Porto Rico - Calle 13 (1)


Via Cidadão do Mundo

Por Athena *

Em Portugal, pouco ou nada, sabemos de Porto Rico. Para a maioria das portugueses, trata-se de um território norte-americano e, como tal, as lutas pela independência passa-lhes completamente ao lado. Obviamente, que para isso contribui o silêncio dos órgãos noticiosos.

Provavelmente, os únicos nomes que instantaneamente associamos a Puerto Rico são Jennifer Lopez e Ricky Martin. Como não gosto do trabalho de nenhum dos dois, foi uma agradável surpresa quando descobri Calle 13. Ao principio, por ser uma sonoridade diferente, achei estranho, mas depois de ouvir com mais calma, acabei por me render ao som deles.

René Pérez, conhecido por Residente e Eduardo Cabra, conhecido por Visitante são os dois elementos que compõem esta banda de reggaeton / Hip-Hop. O nome Calle 13 provém do nome da rua do sector onde cresceram, em Trujillo Alto. Na edição de 2009 dos Grammys latinos ganharam cinco prêmios.

O vídeo acima é um belíssimo dueto com a inesquecível Mercedes Sosa.

*Saudades, amiga.

domingo, 27 de novembro de 2016

Multimilionários misteriosos financiam pesquisas para escapar da Matrix


A ideia de que vivemos em uma realidade virtual não é uma teoria considerada somente uma ficção para dois multimilionários do setor tecnológico.

No Vale do Silício, na Califórnia, onde estão os maiores cérebros do mundo informático, há quem acredite que a humanidade vive uma espécie de Matrix, como a que é apresentada no famoso filme e, de acordo com eles, a realidade percebida pelas pessoas foi totalmente criada por computadores.

Essa ideia já se estabeleceu de tal maneira na cabeça de algumas pessoas que agora surgiu uma nova versão que afirma que dois multimilionários do setor tecnológico, cujos nomes ainda não se sabe, financiaram cientistas para que estes encontrassem um modo de se libertar dessa suposta simulação.

Algumas publicações afirmam que esses homens seriam Peter Thiel, cofundador do PayPal, e Elon Musk, criador da SpaceX e Tesla Motors. Além disso, Sam Altman, presidente do fundo de investimentos Y Combinator, afirmou que “precisamos melhorar o nível do ser humano”, o que poderia ser interpretado como a necessidade de combinar a inteligência humana com a artificial, além de “elevar” o cérebro humano às nuvens.

Continua em inglês no The New Yorker

sábado, 26 de novembro de 2016

ANO NOVO, poema de Aimé Césaire


Os homens entalharam em seus tormentos uma flor
que eles empoleiraram no mais alto planalto de suas faces
a fome fez para eles um dossel
uma imagem se dissolve em sua derradeira lágrima
eles beberam até o horror feroz
os monstros ritmados pelas espumas
Naquele tempo
havia uma
inesquecível
metamorfose
os cavalos cultivavam alguns sonhos em seus cascos
pesadas nuvens ardentes se espalhavam como um cogumelo
sobre todos os locais públicos
aquilo foi uma peste maravilhosa
sobre as calçadas os menores lampiões giravam suas cabeças de farol
quanto ao futuro mosquito vapor tórrido assobiava pelos jardins
Naquele tempo
a palavra chuvarada
e a palavra chão móvel
a palavra alvorecer
e a palavra limalhas
conspiraram pela primeira vez

Aimé Césaire

Tradução de André Caramuru Aubert

Pátria Minha, poema de Vinicius de Moraes



A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos…
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu…
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda…
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
“Liberta que serás também”
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão…
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
“Pátria minha, saudades de quem te ama…
Vinicius de Moraes."

Conselhos para novos escritores: Chuck Palahniuk (II)


Eis que por esses dias me deparo com mais um texto de Chuck Palahniuk (citado em outro post clicando aqui), como de costume, muito útil para aqueles que querem entender o processo criativo. O melhor conselho sobre a escrita que pode-se dar a alguém é: sente-se e escreva. Porém, entre sentar-se e escrever, o autor necessita de uma grande preparação, com pesquisas de conteúdo material e literário, além de estudar crítica e estética literária. Enfim, aos 13 conselhos do autor de O Clube da Luta:
Vinte anos atrás, uma amiga e eu fomos até o centro de Portland no Natal. As grandes lojas de conveniência: Meier & Frank… Frederick & Nelson… Nordstroms… cada uma das grandes vitrines exibia uma cena simples, bonita:  um manequim vestindo roupas ou uma garrafa de perfume de pé sobre a neve falsa. Mas as janelas na loja J.J. Newberry, droga, elas eram abarrotadas com bonecas e ouropel e espátulas e kits de parafusos e travesseiros, aspiradores de pó, cabides de plástico, gerbils, flores de seda, doces – você entende o que quero dizer. Cada um das centenas de objetos diferentes era tabelado com um círculo descolorido de papelão. E, caminhando por lá, minha amiga, Laurie, deu uma longa olhada e disse, “A filosofia de decoração de janelas deles deve ser: ‘se a janela não parecer bem o bastante – coloque mais’.” 
Ela disse o comentário perfeito no momento perfeito, e eu lembro disso duas décadas depois porque isso me fez rir. Aquelas outras vitrines bonitas… Estou certo de que elas eram estilosas e de bom gosto, mas eu não tenho recordações claras de como elas eram. 
Para este ensaio, minha meta é colocar mais. Reunir um estoque de ideias ao estilo do Natal, com a esperança de que algo seja útil. Ou como se estivesse empacotando caixas de presentes para os leitores, colocando doces e um esquilo e um livro e alguns brinquedos e um colar, estou na esperança de que variedade o bastante é garantia de que algo aqui vai soar completamente estúpido, mas também de que alguma outra coisa poderá ser perfeita. 
1: Dois anos atrás, quando escrevi o primeiro desses ensaios tratava-se do meu “método do cronômetro” de escrever. Você nunca viu esse ensaio, mas eis o método: Quando você não quiser escrever, programe um cronômetro para uma hora (ou meia hora) e sente-se para escrever até que o alarme toque. Se você ainda detesta estar escrevendo, estará livre em uma hora. Mas geralmente, ao momento em que o alarme tocar, você estará tão envolvido no seu trabalho, divertindo-se tanto com ele, que vai seguir em frente. Ao invés de um cronômetro, você pode colocar algumas roupas na máquina de lavar ou de secar e usá-los para cronometrar seu trabalho. Alternar entre o trabalho cerebral de escrever com o trabalho não-pensante da máquina de lavar roupas ou pratos te dará os intervalos que você precisa para que novas ideias e epifanias ocorram. Se você não sabe o que vem a seguir na estória… limpe seu banheiro. Troque os lençóis. Pelo amor de Cristo, tire a poeira do computador. Uma ideia melhor surgirá.
2: Seu público é mais esperto do que você imagina. Não tenha medo de experimentar com formatos de narrativa e mudanças temporais. Minha teoria pessoal é de que os jovens leitores se enjoam da maioria dos livros – não porque estes leitores sejam mais estúpidos que os leitores antigos, mas porque o leitor de hoje é mais esperto. Filmes nos tornaram muito sofisticados no quesito narrativa. E seu público é muito mais difícil de chocar do que você jamais poderia imaginar.
3: Antes de sentar e escrever uma cena, pondere sobre ela em sua mente e saiba o propósito daquela cena. Para quais tramas anteriores esta cena vai ser vantajosa? O que isso criará para as cenas seguintes? Como esta cena levará seu enredo adiante? Conforme você trabalha, dirige, se exercita, tenha apenas esta questão em sua mente. Tome algumas notas conforme tiver ideias. E apenas quando você decidiu a ‘coluna vertebral’ daquela cena – então, sente e escreva-a. Não vá até aquele computador chato e empoeirado sem algo em mente. E não faça seu se esforçar ao longo de uma cena na qual pouco ou nada acontece.
4: Surpreenda-se. Se você pode levar a história – ou deixar que ela o leve – a um lugar que te maravilha, então você pode surpreender seu leitor. No momento em que você visualizar qualquer surpresa bem planejada, muito provavelmente, o seu sofisticado leitor também o fará.
5: Quando você ficar preso, volte e leia suas cenas anteriores, procurando por personagens abandonados ou detalhes que você pode ressuscitar como “armas enterradas”. Quando terminava de escrever Clube da Luta, eu não tinha a menor ideia do que fazer com o edifício do escritório. Mas, relendo a primeira cena, eu encontrei um comentário aleatório sobre misturar nitroglicerina com parafina e como era um método duvidoso de fazer explosivos plásticos. Este detalhe bobo (… parafina nunca funcionou comigo…) criou a “arma escondida” perfeita para se ressuscitar no final e salvar meu rabo contador de histórias.
6: Use a escrita como sua desculpa para lançar uma festa toda semana – mesmo se você chamar aquela festa de “workshop.” Sempre que você puder passar tempo em meio a outras pessoas que valorizam e apoiam a escrita, isso vai balancear aquelas horas que você passou sozinho, escrevendo. Mesmo se algum dia você vender seu trabalho, nenhuma quantia de dinheiro vai compensá-lo pelo seu tempo gasto sozinho. Então pegue seu cheque adiantado, faça da escrita uma desculpa para estar entre pessoas. Quando você alcançar o fim da sua vida – confie em mim, você não vai olhar para trás e saborear os momentos que passou sozinho.
7: Deixe-se em companhia do Não Saber. Este pequeno conselho parte de centenas de pessoas famosos, de Tom Spanbauer até mim e agora você. O quanto mais você puder permitir que uma história tome forma, melhor ficará esta forma final. Não se apresse ou force o fim de uma história ou livro. Tudo o que você tem de fazer é a cena seguinte, ou as próximas cenas. Você não precisa saber de cada momento até o final. De fato, isso será chato para caramba de se executar.
8: Se você precisa de mais liberdade ao longo da história, rascunho a rascunho, mude os nomes dos personagens. Personagens não são reais, e eles não são você. Por mudar arbitrariamente seus nomes, você consegue a distância de que precisa para realmente torturar um personagem. Ou pior, apague um personagem, se é disso que a história realmente precisa.
9: Há três tipos de discurso – eu não sei se isso é VERDADE, mas ouvi em um seminário e fez sentido. Os três tipos são: Descritivo, Instrutivo e Expressivo. Descritivo: “O sol se ergueu bem alto…” Instrutivo: “Caminhe, não corra…” Expressivo: “Ai!” A maioria dos escritores de ficção usará apenas uma – no máximo, duas – dessas formas. Então use todas as três. Misture-as. É assim que as pessoas falam.
10: Escreva os livros que você deseja ler.
11: Tenha suas fotos de autor de livro vestindo jaqueta tiradas agora, enquanto você é jovem. E obtenha os negativos e direitos de imagem dessas fotos.
12: Escreva sobre os assuntos que realmente te desagradam. Estas são as únicas coisas sobre as quais vale a pena escrever. Neste curso, chamado “Escrita Perigosa”, Tom Spanbauer enfatiza que a vida é preciosa demais para passá-la escrevendo histórias mansas e convencionais com as quais você não tem nenhuma ligação pessoal. Há tantas coisa sobre as quais Tom falou mas que eu apenas me lembro parcialmente: a arte da “manumissão”, que eu não sei de cor, mas entendo que se refira à preocupação que você tem em mover um leitor ao longo dos momentos de uma história. E “sous conversation”, que eu interpretei como a mensagem escondida, enterrada dentro da história óbvia. Por eu não me sentir confortável descrevendo tópicos que eu apenas entendo pela metade, Tom concordou em escrever um livro sobre sua oficina literária e as ideias que ele ensina. O título é “Um buraco no coração”, e ele planeja ter um rascunho lido em Junho de 2006, com data de publicação no começo de 2007.
13: Outra história sobre uma janela no Natal. Quase todas as manhãs eu tomo meu café no mesmo restaurante, e nesta manhã um homem estava pintando as janelas com ilustrações de natal. Bonecos de neve. Flocos de neve. Sinos. Papai Noel. Ele ficou do lado de fora na calçada, pintando no frio congelante, sua respiração fazendo vapor, alternando pinceladas e passadas de rolo com diferentes cores de tinta. Dentro do restaurante, os clientes e garçons observavam conforme ele passava camadas de tinta vermelha, branca e azul na parte de fora das grandes janelas. Atrás dele a chuva se transformou em neve, caindo lateralmente com o vento.
O cabelo do pintor tinha todas as diferentes cores de cinza, e seu rosto era frouxo e enrugado como o bolso vazio de seu jeans. Entre cores, ele parava para beber alguma coisa num copo de papel.
Assisti-lo de dentro, comendo ovos e torradas, alguém disse que aquilo era triste. Um cliente disse que o homem era provavelmente um artista fracassado. Era provavelmente uísque no copo. Ele provavelmente tinha um estúdio cheio de pinturas fracassadas e agora ganhava a vida decorando janelas cafonas de restaurantes e lojas de doces. Apenas triste, triste, triste.
Um garçom passou pelo local, servindo café às pessoas, e disse, “Isso é tão bacana. Eu queria poder fazer isso…”
E a despeito de nós invejarmos ou sentirmos pena desse cara no frio, ele continuou pintando. Adicionando detalhes e camadas de cor. Eu não estou certo sobre quando aconteceu, mas em algum momento ele não estava lá. As figuras sozinhas eram tão ricas, elas preencheram as janelas tão bem, as cores eram tão vibrantes, que o pintor havia sumido. Fosse ele um fracasso ou um herói. Ele desapareceu, sumiu para qualquer lugar, e tudo o que nós estávamos vendo era seu trabalho.
Como lição de casa, pergunte a sua  família e amigos como você era quando criança. Melhor ainda, pergunte a eles como eles eram quando crianças. Então, simplesmente escute.
Feliz Natal, e obrigado por ler meu trabalho.
Chuck Palahniuk