Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

segunda-feira, 30 de julho de 2018

O SOM, poema de Tomas Tranströmer


O melro soprou o seu canto nos ossos dos mortos.
De pé, debaixo de uma árvore, sentíamos o tempo descer e descer.
O  pátio da escola e o pátio  da igreja encontraram-se e espraiaram-se
um no outro como duas tempestades no mar.

O som dos sinos da igreja elevou-se , levado pela alavanca suave
do planador.
Deixaram para trás um silêncio poderoso na terra
e os passos calmos de uma árvore, os passos calmos de uma árvore.

Tomas Tranströmer

segunda-feira, 23 de julho de 2018

PREVISÃO DO TEMPO, poema de Aldo Ferreira Lins

Poeta Aldo Lins (Mercado da Boa Vista - Recife - 2017)


O que esperar dos dias de amanhã
Tempestades, revoluções, armadilhas...
Morar numa bela casa de campo
E faltar pernas para correr ou jogar.

O que pensar dos dias de amanhã
Que algum inimigo me estenda a mão
Quando já alta e fria a madrugada
A rua ferida eu não consigo atravessar.

O que dizer dos dias de amanhã
Que não me falte a poesia, se o tempo mudar
Com o olhar atroz dos meus algozes
Que ao meu exílio tentaram dissimular.

O que fazer dos dias de amanhã
Semear saborosos versos no pomar,
Toda colheita e o clamor negro
Quando a turbulência e a enfermidade chegar.

Vida curta, depressa! Curta.
De repente, vinte anos sem vida.
Ninguém é mais o mesmo
Que o espelho não consiga decifrar.

Aldo Ferreira Lins

quinta-feira, 19 de julho de 2018

MPB4 - "Pesadelo"


PESADELO

Quando o muro separa uma ponte une
Se a vingança encara o remorso pune
Você vem me agarra, alguém vem me solta
Você vai na marra, ela um dia volta
E se a força é tua ela um dia é nossa
Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando
Que medo você tem de nós, olha aí

Você corta um verso, eu escrevo outro
Você me prende vivo, eu escapo morto
De repente olha eu de novo
Perturbando a paz, exigindo troco
Vamos por aí eu e meu cachorro
Olha um verso, olha o outro
Olha o velho, olha o moço chegando
Que medo você tem de nós, olha aí

O muro caiu, olha a ponte
Da liberdade guardiã
O braço do Cristo, horizonte
Abraça o dia de amanhã, olha aí

(Maurício Tapajós / Paulo César Pinheiro)

Pós-golpe


terça-feira, 17 de julho de 2018

O fim e o início, poema de Wislawa Szymborska



Depois de toda guerra
alguém tem que fazer a faxina.
As coisas não vão
se ajeitar sozinhas.
Alguém tem que tirar
o entulho das ruas
para que as carroças possam passar
com os corpos.
Alguém tem que abrir caminho
pelo lamaçal e as cinzas,
as molas dos sofás,
os cacos de vidro,
os trapos ensanguentados.
Alguém tem que arrastar o poste
para levantar a parede,
alguém tem que envidraçar a janela,
pôr as portas no lugar.
Não é fotogênico
e leva anos.
Todas as câmeras já foram
para outra guerra.
Precisamos das pontes
e das estações de trem de volta.
Mangas de camisas ficarão gastas
de tanto serem arregaçadas.
Alguém de vassoura na mão
ainda lembra como foi.
Alguém escuta e concorda
assentindo com a cabeça ilesa.
Mas haverá outros por perto
que acharão tudo isso
um pouco chato.
De vez em quando alguém ainda
tem que desenterrar evidências enferrujadas
debaixo de um arbusto
e arrastá-las até o lixo.
Aqueles que sabiam
o que foi tudo isso,
têm que ceder lugar àqueles
que sabem pouco.
E menos que pouco.
E finalmente aos que não sabem nada.
Alguém tem que deitar ali
na grama que cobriu
as causas e consequências,
com um matinho entre os dentes
e o olhar perdido nas nuvens.


Wislawa Szymborska