Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

UM BELO 2014 - Por Carlito Lima


DEW
Ano passado enviei aos amigos uma mensagem de ano novo com textos bem humorados de autor anônimo, complementei a mensagem com alguns textos meus. Recebi muitas respostas, gostaram. Esse ano repito a mensagem adicionada de um complemento especial cheio de humor e malícia escrito por uma figura amada pelo Brasil, segue a mensagem:
Amigo, em 2014:
Se existir guerra, que seja de travesseiro.
Se for pra prender, que seja o cabelo.
Se existir fome, que seja de amor.
Se for pra atirar, que seja o pau no gato-t-ó-tó
Se for para esquentar, que seja o sol.
Se for para atacar, que seja pela pontas.
Se for para enganar, que seja o estômago.
Se for para armar, que arme um circo.
Se for para chorar, que seja de alegria.
Se for para assaltar, que seja a geladeira.
Se for para mentir, que seja a idade.
Se for para algemar, que se algeme na cama.
Se for para roubar, que seja um beijo.
Se for para afogar, afogue o ganso.
Se for para perder, que seja o medo.
Se for para brigar, que briguem as aranhas.
Se for para doer, que doa a saudade.
Se for para cair, que caia na gandaia.
Se for para morrer, que morra de amores.
Se for para violar, que viole um pinho.
Se for para tomar, que tome um vinho.
Se for para queimar, que queime um fumo.
Se for para garfar, que garfe um macarrone.
Se for para enforcar, que enforque a aula
Se for para ser feliz, que seja o tempo todo.
Recebi vários agradecimentos, entre eles um especial do meu querido Ignácio Loyola Brandão:
“Carlito, meu amigo,
Mandei para dezenas de pessoas seu texto de bom ano. Um sucesso sem precedentes. Maria Medeiros, atriz portuguesa que mora na França e é uma pessoa incrível, maravilhou-se. Mas a melhor resposta foi a do Chico Buarque. Ele agradeceu e complementou com um lado malicioso.
Se for pra cheirar que seja a flor.
Se for pra fumar que seja a cobra.
Se for pra picar que seja a mula.
Abraços. Ignácio”.
Pronto, agora sou parceiro de Chico Buarque em mensagem de ano novo. Em 2014 não esqueçam esse recado para adocicar a vida. Um excelente ano novo, é o desejo de Carlito Lima……e Chico.
* * *
Na sexta-feira (dia 3 de janeiro) terá início o projeto SEXTAS CLÁSSICAS EM MARECHAL, toda sexta-feira às 19 horas durante janeiro e fevereiro, música clássica defronte ao Convento de Santa Maria Madalena, Centro Histórico de Marechal Deodoro. Concerto para o povo, ele merece.

Via Besta Fubana

MEU PAÍS


"O céu é o meu tecto, a terra minha pátria e a liberdade a minha religião." (ditado cigano)

 


Da janela do meu apartamento

vejo meu país.


Mês de setembro, a chuva cai forte,

frente fria vinda de São Paulo,

segundo andar.


Escuto vozes:

Simone, Gal, Elis.

Mas também as vozes dos operários

que pedem salários melhores,

mães que choram por leite para seus filhos,

vozes fracas que pedem justiça e pão.


E, nas tardes imensas como desertos,

em que a certeza do tédio

é pior do que a da morte,

o tempo muda

parecendo mais lento

como o calor ou a tortura.


Exilo-me

nas cavernas de minhas cáries,

no salário de funcionário público federal,

a alma mofando entre velhos arquivos

de papéis e desejos

e a vida lá fora a correr sob o sol.


(Itárcio Ferreira)

FRÁGIL DEMOCRACIA - Collor, Itamar, FHC e os Militares (1990-1998)

Publicado originalmente em 6 de junho de 2009, no Claudicando.


Em Frágil Democracia – Collor, Itamar, FHC e os Militares (1990-1998), temos uma visão diferente de como anda a democracia brasileira. Destoando do comumente dito acerca da consolidação do nosso atual regime político, Jorge Zaverucha, seu autor, após uma profunda análise do cotidiano das relações políticas entre civis e militares, constata que é frágil a nossa democracia.


O livro inicialmente nos dá uma noção dos requisitos para se classificar um regime político de democrático. Citando Dahl, são elencados os pré-requisitos necessários a existência de uma poliarquia (democracia política), mas, acrescenta o autor que o Brasil de hoje, mesmo preenchendo “os critérios de Dahl, é uma poliarquia, tal como os Estados Unidos, mas, ao contrário destes, não possui um regime democrático”.



Ao caminhar do texto compreendemos que “regime é, portanto, um conceito mais amplo que governo”, podendo o governo ser democrático, mas o regime não, como no nosso caso.



Buscando demonstrar a sua tese, de que sem um controle civil democrático sobre os militares não há a possibilidade da existência de um regime democrático ‘consolidado’ e que a democracia brasileira, frágil e tutelada não detém tal controle, o autor afirma, ainda, que se falar em uma democracia consolidada apresenta uma série de dificuldades, pois “o termo consolidação é, em certo sentido, enganador. (...), a democracia é algo que está sempre em construção”.



Voltando ao âmago da questão do livro, isto é, demonstrar que o regime político brasileiro é frágil e tutelado em virtude da ausência de um controle civil democrático sobre os militares, o autor assevera que “os militares brasileiros continuam a exercer influência política e deter prerrogativas incompatíveis com um regime democrático” e alerta para o fato de que a intimidação “não pode servir como moeda política”.



Os militares brasileiros, a partir da transição do regime autoritário para o governo democrático, mantiverem alguns privilégios antidemocráticos, enclaves autoritários nas palavras do autor – no capítulo 2 do livro o autor faz uma análise detalhada destas prerrogativas ou enclaves, - que seriam naturais, inicialmente, para poder se estabelecer a transição, mas que os governos democráticos posteriores procurariam minimiza-las até o ponto de estabelecer o controle efetivo civil democrático sobre os militares.



No episódio brasileiro isto não aconteceu, diferentemente o caso “espanhol, o português, o grego e, com generosidade o uruguaio” em que os militares não utilizam o seu poder para intimidar o poder civil; esta transição não ocorreu no Brasil, e Frágil Democracia bem ilustra tal situação através de grande quantidade de exemplos, principalmente nos capítulos 3, 4 e 5, onde são relacionados diversos acontecimentos nos governos de Collor, Itamar e no primeiro governo FHC, respectivamente, do jogo de poder entre os governos civis e os militares, onde é demonstrada a existência de um ‘acordo’ em que “os militares não procuram dar um golpe de Estado, nem os civis trabalham por um regime democrático”, ou seja, esta tudo bem para as partes envolvidas.



Comprovando a sua tese, o autor demonstra que a própria Constituição pós-regime autoritário manteve diversos dispositivos que não se coadunam com um regime democrático, entre outros exemplos podemos destacar a manutenção do papel das forças armadas como guardiãs da democracia, art. 142 da constituição, tal como constava da Carta autoritária de 67/69, e não os poderes clássicos democráticos e políticos, como é de praxe nos países em que o regime democrático pleno é uma realidade. E mais surpreendente, a revisão constitucional de 93/94 conservou intactos todos esses enclaves autoritários.



Da leitura do livro não sairemos mais como o iniciamos, um mundo novo é descortinado através de exaustivos exemplos dessa relação civil-militar em que percebemos a fragilidade e a tutela da nossa democracia política, o que nos impede de caminharmos para o desenvolvimento de uma democracia verdadeiramente efetiva e não apenas formal. Mesmo esta democracia formal está aqui a ser contestada.



Vemos o poder militar, qual um espectro, se instituir como um quarto poder, tal qual o superdimensionado poder moderador da época de Dom Pedro I, o que leva o Jorge Zaverucha a concluir que “custa-nos aceitar uma verdade: a de que os militares são submissos ao poder civil quando as coisas, em especial, ocorrem do modo como eles querem”. Assertiva com a qual concordamos plenamente. Caso fôssemos discordar, a partir de uma contra-argumentação científica, a vasta observação dos fatos narrados no livro nos desmentiriam.



Haverá uma saída? A debilidade social, econômica, financeira, política e moral do país é um grande entrave a uma saída democrática, mas o próprio autor insinua que é “preciso que os militares ajudem os civis a implementarem as decisões políticas do governo, em vez de intimidá-los com ameaça de nova intervenção política quando seus interesses são contrariados”, ou seja, cada um cumprindo o seu papel dentro de um regime político democrático. É difícil tal cooperação quando as relações mundiais são hobbesianas, e tais relações refletem-se em nossa sociedade em qualquer universo considerado. Portanto a necessidade de instituições civis fortes a minimizar tais conflitos.



Que a situação da democracia brasileira era delicada já sabíamos, mas a leitura de Frágil Democracia demonstra que a mesma é mais frágil que imaginávamos e ainda por cima tutelada. Acordamos para um pesadelo ou tomamos consciência do mesmo a fim de enfrentá-lo?



(Itárcio Ferreira)



(Resenha escrita em 2002, para a cadeira de Introdução à Ciência Política, do curso de Mestrado em Gestão Pública, da UFPE. O texto estava salvo em um disquete perdido em meu guarda-roupa). 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

POEMA DA QUASE PERFEIÇÃO




Se não mijássemos,

Se não cagássemos,

Se não peidássemos,

Se não fedêssemos,

Se não apodrecêssemos,

Se não guerreássemos,

Se não mentíssemos,

Se não traíssemos,

Se não mutilássemos

Se não roubássemos,

Se não fingíssemos,

Se não fenecêssemos...

Que serezinhos arrogantes seríamos.

(Itárcio Ferreira)

domingo, 29 de dezembro de 2013

Os castrati no canto lírico

Ouvir: moreschi.mp3


Amanhã coloco o texto 'risos' (um Merlot e um Cabernet Sauvignon 'risos', cadê meus cigarros? 'risos' Minha prima Melissa pegou...)

em algum lugar que eu nunca visitei



somewhere I have never travelled, gladly beyond
any experience,your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near
your slightest look will easily unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully,mysteriously) her first rose
or if your wish be to close me, i and
my life will shut very beautifully ,suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;
nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility:whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing
(i do not know what it is about you that closes
and opens;only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody,not even the rain,has such small hands
-----------------------
EN ALGUN LLOC QUE MAI HE VISITAT
(Versió d'Isabel Robles i Jaume Pérez Montaner)
en algun lloc que mai he visitat, alegrement més enllà
de tota experiència, els teus ulls tenen el teu silenci;
en el teu gest més fràgil hi ha coses que m'encerclen
o que no puc tocar perquè estan massa pròximes
el teu més lleu esguard fàcilment m'obrirà
encara que com dits m'haja tancat,
m'obris sempre pètal a pètal com obri la Primavera
(hàbilment tocant i misteriosa) la seua primera rosa
o si el teu desig és tancar-me, jo i
la meua vida ens tancarem molt bellament, de sobte,
com quan el cor d'aquesta flor imagina
la neu que amb cura cau pertot arreu;
res que pugam copsar en aquest món iguala
el poder de la teua immensa fragilitat: el teixit de la qual
em sotmet amb el color dels seus païssos,
rendint la mort i per sempre amb cada batec
(no sé qui hi ha en tu que tanca
i obri; només alguna cosa en mi comprén
que la veu dels teus ulls és més profunda que totes les roses)
ningú, ni tan sols la pluja, té unes mans tan petites.

ninguém, nem mesmo a chuva,tem mãos tão pequenas


nalgum lugar em que eu nunca estive,alegremente além
de qualquer experiência,teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos,nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente,misteriosamente)a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado,eu e
minha vida nos fecharemos belamente,de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade:cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre;só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva,tem mãos tão pequenas

( tradução:  Augusto de Campos )


A Doce Vida




"Não ter o humor de um Groucho Marx ou de um JJ
Não ter a inteligência nem o conhecimento de Nietzsche ou de Chico Pena Branca
Não ter trabalhado em Hair ou em A Doce Vida
Não ter escrito Dom Casmurro nem Cem Anos de Solidão."
(Itárcio Ferreira)

Foto daqui via daqui

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Sunscreen



À Amiga Adriana O. N.

FASCÍNIO, poema de Affonso Romano de Sant’Anna



Casado, continuo a achar as mulheres irresistíveis.
Não deveria, dizem.
Me esforço. Aliás,
já nem me esforço.
Abertamente me ponho a admirá-las.
Não estou traindo ninguém, advirto.
Como pode o amor trair o amor?
Amar o amor num outro amor
é um ritual que, amante, me permito.


Affonso Romano de Sant’Anna

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Feliz Natal!



A festa capitalista da alienação, individualismo e consumismo.

Perguntas a Papai Noel


papai-noel-consumista


Um poema de Arthur Nery Marinho

Quando em criança o sapato
que tinha pus à janela
lhe esperando. Noutro dia
nem sapato e nem chinela.
Quando em rapaz lhe pedi
para me dar meu amor.
Aqui estou sozinho e triste
fazendo versos de dor.


Que lhe fiz, que não me olha?
que lhe fiz, que não me escuta?
Responda, Papai Noel!
Papai Noel filho da puta!

(Do livro “Sermão de Mágoas”, 1993 – Jornalista, poeta e músico, Arthur Nery Marinho nasceu em 27/09/1923 em Chaves-PA. Veio para o Amapá em 1946 e aqui faleceu em 24/03/2003)

Via Blog da Alcinéa Cavalcante

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Um conto do Poeta Carlos Maia

(Av. Agamenon Magalhães)


Uma voz lhe dizia:
Escreva, escreva...

Os olhos não se cansavam de ter o pasmo
de contemplar as coisas como da primeira vez.

Passava horas admirando os ipês da Agamenon
Magalhães. Uma vez quase era atropelado.

Gostava de ficar tomando café durante a noite,
pois era quando produzia mais, adorava o silêncio
noturno que só era quebrado pelas suas músicas
prediletas que escutava com o fone de ouvido.

Estava de saco cheio com as reuniões de
Narcóticos Anônimos. Achar um cérebro
pensante estava cada vez mais difícil nessa cidade. 

Na igreja também não se enquadrava. Tinha parado de
beber e de usar drogas, mas tinha ficado um vazio do
tamanho de um bonde. 100% dos seus amigos ou eram
alcóolatras ou drogonautas. Agora tinha de evitá-los.

E não tinha contra partida. Tinha que dar dentada em
granito. Mas tava conseguindo. Recentemente passou
por uma depressão braba. Vinte e oito dias sem sair de casa.

Conseguiu ficar bom sem remédios. Gostava de ouvir o canto dos pássaros na sua casa. Não tinha mais saco de andar na Jaqueira.

Perdeu as esperanças de fazer um novo círculo de amizade. Se contentava em falar com os velhos amigos por telefone, quando
geralmente os encontrava bêbados, mas ele entrava no clima, 
não precisava de mais nada para fazer a cabeça, era doido por
natureza. 

O filho mais velho o invejava ao vê-lo altamente eufórico
só com uma latinha de coca-cola. A única coisa que se arrependia
era de não ter experimentado LSD e mescalina. 

Abria seu coração como quem abre a porta do guarda roupa. Jesus era seu ídolo, mas achava que o evangelho estava muito deturpado nas igrejas. Não se sentia à vontade em nenhuma delas. 

Gostava também de Buda, do Taoísmo e do Hare Krishna. Adorava meditar. Uma vez ficou meditando durante três horas seguidas. Saiu andando em estado de graça, rindo pra todo mundo. Às vezes ele não se suporta, mas passa.

Carlos Maia, em Memória das Pedras

Uma definição de amor


Elis: "Uma dor (risos) que não cabe no mundo (risos)"



Rápido, rápido, rápido:
Uma definição de amor...

Elis cantando Atrás da Porta, de Chico...

(Itárcio Ferreira)

O maravilhoso prazer de encharcar os miolos



"E então, um dia, já velha,

descobri o maravilhoso prazer de encharcar os miolos, e,

para isso, nada como ter alguma coisa como pretexto,

nem que seja o seu tosco nascimento."


domingo, 22 de dezembro de 2013

A tradição russa dos contos de fadas




A paixão dos russos pelos contos de fadas é muito antiga. Começou bem antes das pessoas saberem ler ou escrever. Naquela época, todos - ricos e pobres, crianças, adultos e velhos - se deliciavam contando histórias em grupos.

Os camponeses costumavam ouvir as histórias ao redor de fogueiras e, assim, de história em história, iam levando  suas vidas, trabalhando muito, plantando, colhendo e torcendo para uma vida melhor. Conversavam, bebiam vodca, faziam brincadeiras e criavam histórias. Mas o amor pelos contos de fadas entre os russos vai além dos camponeses, é geral e não está só nas histórias contadas ou escritas nos livros: está, também, no balé.

Na dança, tudo começou no final do século 19, por volta de 1890, quando os imperadores da época em que os tzares entravam em crise de poder e a distribuição de rendas no império estava ficando cada vez mais concentrada: os mais pobres chegavam a morrer de fome. Os mais ricos viviam numa opulência contrastantemente radical, o que levaria à vitória da Revolução Bolchevique pouco mais de vinte anos depois e mudaria o rumo das coisas.

Contrastando ainda mais com as misérias de grande parte da população, o tzar patrocinava na Rússia lindos e luxuosos espetáculos de balé, proporcionando a todos a possibilidade de sonhar e se distrair com cenários magníficos e um bailado de primeira qualidade. Era o já famoso "pão e circo" de luxo.

O tzar importou da França um mestre neste tipo de arte: Marius Petipa, hoje considerado um mestre franco russo e um dos maiores neste tipo de arte. Petipa deve ter se naturalizado russo (não consegui ainda checar a informação), já que adotava o patronímico "Ivanovitch" (seu pai se chamava Jean que, traduzindo para o russo vira Ivan, justificando o patronímico). Certo é que se casou com uma russa e, na época, a igreja exigia o batismo do noivo ou noiva estrangeiro que, na ocasião, adotava nome russo. Isto deve ter ocorrido com  Petipa, que  viveu na Rússia, em São Petersburgo, dos 29 anos até sua morte, em 1910, aos 92 anos.




Marius Ivanovitch Petipa era coreógrafo, professor e bailarino, considerado por muitos como o pai do balé clássico. Sob sua direção, o balé de São Petersburgo se tornou o melhor do mundo: foi de sua escola que saiu Anna Pavlova e Michel Fokine. Foi Petipa o responsável pela criação de um gênero de balé que é, até hoje, dançado nas compainhas russas: o famoso "Balé  dos Skazkás" ou, literalmente, Balé dos Contos de Fadas: neste tipo de balé, a bailarina é magrinha, branca, veste roupa com sainha rodada de tule. Parece, mesmo, uma fada. Realizando saltos, os bailarinos parecem voar, visitando países longínquos dos contos de fadas. Há muitos personagens no palco, formando, com seus corpos ágeis, verdadeiros desenhos geométricos no ar, tipo no vídeo abaixo:





O vídeo acima é da representação de "O Reino das Sombras", com música do austríaco Ludwig Minkus, austríaco também russificado, a exemplo de Marius.

Existe uma enorme variedade de Balé dos Skazkás, como, por exemplo,CinderelaA Bela Adormecida e o famoso "O Quebra Nozes", com música de Tchaykovsky e estreia em 1892, no Teatro Mariinsky, de São Petersburgo, baseado numa versão de Alexandre Dumas de um conto infantil do mesmo nome, escrito por E. T. A. Hoffmann.Não vou transcrever no espaço deste post o enredo de "O quebra Nozes", mas direciono o leitor interessado para ler sobre ele aqui ou para assisti-lo a seguir:




Os contos de fadas eram tão importantes na Rússia imperial, que influenciava não só o balé, mas a vida do país em sua totalidade. Contos repletos de delicadezas mas existem, também, contos de fadas violentos, que revelam a vida com suas lutas e conquistas. Exemplo deste tipo de contos é a história de"Alyosha Popovitch", muito conhecida na Rússia e resumida abaixo:


Alyosha Popovitch era um menino, filho do pastor de uma cidade do interior, que nasceu muito robusto. Tão robusto que ao brincar com os meninos de seu bairro, acabava, sem querer, arrancando seus braços e pernas, só de encostar neles! 
Um dia, o menino resolveu virar soldado do príncipe Vladímir, filho do tzar..
- "Pode ir, meu filho -, disse o pastor; - Leve o fiel servo Maryshko com você e lembre-se que encontrará gigantes terríveis com quem lutar".

Eis que, ao chegar ao palácio do príncipe, Alyosha avistou o gigante, filho do dragão. Ele era tão terrível e guloso que, durante o jantar, enfiou duas baguetes enormes de pão de uma só vez na boca e, no meio, colocou um cisne inteiro.

Alyosha sentiu o perigo...

Pois chegou o tempo em que os dois se encontraram no campo da batalha. Só se ouviu um estrondo...

Maryshko sentiu medo. Ouviu o trotar de um cavalo e espreitando pela fresta da janela viu apenas a cabeça do gigante. O servo acreditou que o gigante era, então, o vencedor. Mas, qual não foi sua surpresa, quando viu Alyosha, este sim, o verdadeiro vitorioso, cavalgando e segurando a cabeça do gigante que ele havia matado. E decapitado."
 Eram tantas as variedades de contos - contos de paz, contos de guerra, contos de todos os tipos - que foi preciso que um estudioso russo, Vladímir Propp, o da foto abaixo, um peterburguense, catalogasse tudo, todos os tipos de contos existentes.



Propp  reuniu cerca de 450 contos e analisou os componentes básicos de seus  enredos, visando identificar os seus elementos narrativos mais simples e indivisíveis e conseguiu demonstrar que
"os contos populares se constituem sempre em torno de um núcleo simples. O herói sofre um dano ou tem uma carência, e as tentativas de recuperação do dano ou de superação da carência constituem o corpo da narrativa".
Com base no exposto acima, encontrou 31 funções dos contos que podem ser agrupadas em 7 esferas de ação, agrupadas por personagens:
  1.  O agressor (o que faz mal)
  2.  O doador - o que dá o objeto mágico ao herói
  3.  O auxiliar - que ajuda o herói no seu percurso
  4. A Princesa e o Pai (não tem de ser obrigatoriamente o Rei)
  5.  O Mandador - aquele que manda
  6.  O Herói
  7.  O falso herói
 As 31 funções encontradas pelo estudioso explicam a repetição de certas ideias que são comuns em histórias diferentes, de países diferentes, ou seja: histórias contadas na Rússia, na França ou no Brasil podem ser parecidas, mesmo se contadas de forma diferente. Veja só um exemplo a seguir, que faz lembrar a história da Cinderela, mas é uma história do folclore russo: nele estão presentes as funções acima da princesa e do pai, do herói, do agressor, do doador, da mesma forma que em Cinderela, só que contadas dentro da realidade russa da época: a menina não sonhava em ir ao baile, mas à missa, onde estava o filho do rei (não se pode esquecer a religiosidade do povo russo, principalmente no período anterior à Revolução de Outubro); o trabalho que a garota teria que realizar era moer o trigo - elemento essencial na culinária russa  - e fazer a farinha, ao contrário da Cinderela que esfregava o chão. A Cinderela, princesa francesa,era rodeada de invensões franceses, tipo o saptinho de cristal, o baile, a fada. O camponês russo, cercado de detalhes de seu mundo: peixinho, missa, trigo.

Esta história é muito antiga e era contada por camponeses que desconheciam a obra de Perrault, descartando-se , assim, a opção de plágio.


O Sapato de Ouro


Duas irmãs ganham, cada qual, um peixinho de seu pai. A mais velha, prática e ajuizada, frita e come o seu, já que estava com fome. Mas a segunda, Nikita, muito criativa, resolve perguntar a seu próprio peixinho o que ele quer que ela faça com ele. 
Qual não foi sua surpresa quando o peixe  respondeu: "Não me coma, por favor. Me jogue no rio e você não se arrependerá. Eu irei sempre te ajudar".
Nikita assim o fez, mas sua mãe achou aquilo um absurdo e começou a maltratar a pequena. Levava a mais velha para a missa, toda bem vestida e deixava a mais nova trabalhando. Ordenava:
- Moa o trigo, faça farinha.

A caçula, então, triste, resolveu pedir ajuda ao peixinho.
- "Eu queria tanto ir a missa..."

- "Pois não se preocupe: ponha uma bela roupa e vá. Quando você chegar o trigo estará moído."
 E Nikita foi, tão bela e bem vestida que nem a mãe, nem a irmã a reconheceram. O padre nem conseguiu ler o sermão e ficou encantado com a figura da menina, olhando para ela o tempo todo. O filho do rei, que estava lá também, não desgrudava o olhar.


Assim, a história se repetiu por mais três missas e, na terceira, o príncipe resolveu descobrir quem era, afinal, aquela linda garota, colocando em prática o seguinte plano:jogou cola no chão, próximo ao sapatinho dourado da menina. Quando ela foi embora, um dos sapatos ficou grudado. O príncipe guardou-o e anunciou que se casaria com a menina em quem o calçado servisse. Como era de se esperar, depois de prová-lo em muitas donzelas do reino, o sapato serviu como uma luva no pezinho de Nikita que, então, tornou-se princesa.


Obs:
 para o pessoal que estuda a língua russa, fica, aqui, o endereço do site com este conto no seu idioma de origem.

Fontes de consulta:

- Livro "Balé dos Skazkás", de Catia Canton (Difusão Cultural do Livro)
http://slovari.yandex.ru
http://video.yandex.ru/
http://images.yandex.ru/