Via Ángel Boligan
"Não tem porque interpretar um poema. O poema já é uma interpretação." (Mário Quintana)
Aos Mestres, com carinho!
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
sábado, 27 de fevereiro de 2016
DEZ COISAS E MAIS UMA SOBRE A CARTA
Por Fernando Fiorese, em seu blog
1.
A carta é uma máquina perfeita. Nós é que, às vezes, emperramos a sua
mecânica alada com palavras de açúcar ou veneno, de urgência ou etiqueta.
2.
Escrever uma carta é sem pausa. E continua sem nós por dias e semanas de
distância, a letra lenta a procurar um par para a dança.
3.
Por estas mal traçadas linhas é um lugar-comum que deveria
vir grafado no cabeçalho de toda carta digna deste nome. Como um preito ao
escrever só e desarmado.
4.
Esperar uma carta é como estar doente do outro. Daí o ambiente infantil
e hospitalar que domina e faz a casa arfar a horas contadas.
5.
Toda carta de amor, desde as dobras do envelope até as volutas da caligrafia,
deve ter um estudado desleixo, como fosse o acaso comum de uma flor furtada ao
jardim vizinho.
6.
Para quem sabe, receber uma carta muda o luto em secreta alegria. Mas
abrir e ler exige atravessar outras muitas distâncias.
7.
Na sua elegante gramática, os verbos da carta são todos bitransitivos.
Alguns fogem à regra: rasgar, unhar, amassar, extraviar, queimar, esconder,
rasurar.
8.
No princípio é o envelope e tudo o que ele antecipa. Convém, no entanto,
considerar que nódoas, rasuras e rasgos são, não raro, apenas nódoas, rasuras e
rasgos. Também o perfume.
9.
Para ler uma carta, suspenda as trombetas do ordinário, guarde-se nas suas
sete solidões, esteja inteiro nesta perigosa operação de armar e desarmar o
horizonte. Para ler uma carta é preciso ter olhos, mãos, fígado, pulmões, sexo,
rins, unhas – enfim, um corpo cabal.
10.
Na verdadeira carta – sempre manuscrita –, desvelam-se dor e alegria,
gesto e afeto, vida e vigor. Trata-se de uma presença. Quando impressa, muda em
correspondência – deselegância e vazio.
Mais uma
Somos os rituais que perdemos, como cartas à deriva na velocidade de um
tempo que não sabe a espera nem a delicadeza de se dar num envelope.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
PURIFICAÇÃO, poema de Itárcio Ferreira
Por que a desenfreada busca
Da poesia?
Por que a espreito de meu esconderijo?
Caço-a como bicho raro ?
Faço-lhe graças, acenos, caprichos
e desejos como um escravo,
se há prazeres mais fáceis,
mais intensos?
Por que não o vício do ópio ,
o sexo, a política
ou qualquer outro desejo
imediato?
Visitem o blog do poeta: Itárcio Ferreira, poemas
Por que a desenfreada busca
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
FÁBULA DE UM ARQUITETO, poema de João Cabral de Melo Neto
A arquitetura como
construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e teto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
Até que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até refechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e teto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
Até que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até refechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
ESTIGMA, poema de Aldo Lins
"A
minha alma é um grito.
E toda a minha obra é um comentário
sobre
esse grito."
(Nikos Kazantzakis)
Acordei
chorando
Jorrava de dentro de mim
Toda uma denúncia de tudo
aquilo que sou.
Vagabundo, maluco, mendigo,
moribundo,
anarquista, amante, poeta e sonhador.
Não me
conheço,
Aliás, só por fotografia
Não sou lavoura nem
edifício.
Sou um homem que passou fome
Escarrou sangue
E
foi preso como anarquista.
Também não sei mais sorrir
A
minha pele hoje
É uma tatuagem cheia de escamas.
Até o
meu canário fugiu da garganta
Deixando minha alma de
vidro
Perdida pelos escombros
Útero da solidão.
Meus
trinta anos
O que direi a eles
Quando reinar o eclipse da
despedida
Haverei de doar meus olhos
Para alguém poder te
ver.
Pois quem sabe um dia
Eu, hóspede da utopia
Assustado
com a sombra
Dos meus próprios sonhos
Seja encontrado sem
vida
Sentado num cabaré vazio.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
São os rios, poema de Jorge Luis Borges
Somos o tempo. Somos a famosa
parábola de Heráclito o Obscuro.
Somos a água, não o diamante duro,
a que se perde, não a que repousa.
Somos o rio e somos aquele grego
que se olha no rio. Seu semblante
muda na água do espelho mutante,
no cristal que muda como o fogo.
Somos o vão rio prefixado,
rumo a seu mar. Pela sombra cercado.
Tudo nos disse adeus, tudo nos deixa.
A memória não cunha sua moeda.
E no entanto há algo que se queda
e no entanto há algo que se queixa.
Jorge Luis Borges
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
Ode ao burguês, poema de Mário de Andrade
Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
O burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva!, o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro,italiano
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Jões, os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os ” Printemps” com as unhas!
Eu insulto o burguês funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará sol? Choverá? Arlequinal!
Mas á chuva dos rosais
o extâse fará sempre o sol
Morte á gordura!
Morte ás adiposidades cerebrais
Morte ao burguês mensal,
ao burguês-cinema! ao burguês-tíburi!
Padaria suíssa! Morte viva ao Adriano!
“- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
– Um colar… – Conto e quinhentos!!!
mas nós morremos de fome ! “
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! Cabelos nas ventas ! Oh! Carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte á infâmia!
Ódio á soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico
Ódio fundamento, sem perdão!
O burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva!, o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro,italiano
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! Os condes Jões, os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangue de alguns mil réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os ” Printemps” com as unhas!
Eu insulto o burguês funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará sol? Choverá? Arlequinal!
Mas á chuva dos rosais
o extâse fará sempre o sol
Morte á gordura!
Morte ás adiposidades cerebrais
Morte ao burguês mensal,
ao burguês-cinema! ao burguês-tíburi!
Padaria suíssa! Morte viva ao Adriano!
“- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
– Um colar… – Conto e quinhentos!!!
mas nós morremos de fome ! “
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! Cabelos nas ventas ! Oh! Carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte á infâmia!
Ódio á soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!…
sábado, 20 de fevereiro de 2016
SONS, poema de Itárcio Ferreira
Se me tocas os seios
e me arrepio,
se me tocas o ventre
com tuas mãos macias,
qual explorador do desconhecido;
se me tocas, amante,
qual músico a seu instrumento,
esperas do meu corpo
o retorno de tuas carícias.
Se me tocas,
esperas o retorno
de tua arte,
esperas meus suspiros,
meus gemidos, os sons
pelos quais se expressam
o prazer.
Por isso, quando amamos,
canto,
comporto-me como música.
Se me tocas os seios
e me arrepio,
se me tocas o ventre
com tuas mãos macias,
qual explorador do desconhecido;
se me tocas, amante,
qual músico a seu instrumento,
esperas do meu corpo
o retorno de tuas carícias.
Se me tocas,
esperas o retorno
de tua arte,
esperas meus suspiros,
meus gemidos, os sons
pelos quais se expressam
o prazer.
Por isso, quando amamos,
canto,
comporto-me como música.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
Solidão absoluta, poema de Paulo Jonas de Lima Piva
Quando eu ficar sozinho
da solidão mais absoluta
sem pai, mãe
sem cachorro nem lembranças
sem o amor que nunca conheci
só me sobrarão letras
e a certeza da morte
em qualquer rua ou asilo
é quando vou precisar de Drummond
é quando vou fugir com Kerouac
é quando terei de entupir minha cabeça com discursos e versos
já que não terei amigos
nem filhas dedicadas
não saberei mais conversar nem dar risada
pois a solidão será absoluta
daquelas de penumbra
mofadas, silenciosas
de remédios e copos d'água sobre o criado-mudo
daquelas que só permitem
livros.
da solidão mais absoluta
sem pai, mãe
sem cachorro nem lembranças
sem o amor que nunca conheci
só me sobrarão letras
e a certeza da morte
em qualquer rua ou asilo
é quando vou precisar de Drummond
é quando vou fugir com Kerouac
é quando terei de entupir minha cabeça com discursos e versos
já que não terei amigos
nem filhas dedicadas
não saberei mais conversar nem dar risada
pois a solidão será absoluta
daquelas de penumbra
mofadas, silenciosas
de remédios e copos d'água sobre o criado-mudo
daquelas que só permitem
livros.
Visitem o site do poeta: O Pensador da Aldeia
O Martelo de Nietzsche
Não, não é montagem a foto acima, para quem não conhece são fotos raras
e pouco conhecidas: o triangulo amoroso formado por Nietzsche, (a direita) com
Paul Rée e Lou Andreas-Salomé, peladões em 1882.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
Conheça 05 poemas do livro "Poema pássaro", de Juliana Meira
todas as
palavras
com suas mutações
contagiam meu corpo
por isso sofro
desde a sombra
até o osso
com suas mutações
contagiam meu corpo
por isso sofro
desde a sombra
até o osso
***
por ser palavra
pugna a página
por ser palavra
perpassa o achaque
assume o sumo
invade
pugna a página
por ser palavra
perpassa o achaque
assume o sumo
invade
***
quem se atreve nestas
águas
é por instinto
jamais duvida o perigo
ora sempre em sigilo
pra não despertar
o destino
é por instinto
jamais duvida o perigo
ora sempre em sigilo
pra não despertar
o destino
***
tento pintar
a memória
revisito traços
jogo tanta tinta fora
sustento ideias que
estão só na minha
fundo cor de gelo
faço cor de pérola
talvez mais
carvão
vou tingir de chão
toda atmosfera
a memória
revisito traços
jogo tanta tinta fora
sustento ideias que
estão só na minha
fundo cor de gelo
faço cor de pérola
talvez mais
carvão
vou tingir de chão
toda atmosfera
***
há no olho do gato
algo que não se vê
em nenhum outro
alguma coisa observa atenta
por vezes apenas contempla
noutras fera espreita
pondera
olhar feito lanterna
espectro de luz fulge
revelando traço lúgubre vertical
no abre e fecha da retina
cristal
algo que não se vê
em nenhum outro
alguma coisa observa atenta
por vezes apenas contempla
noutras fera espreita
pondera
olhar feito lanterna
espectro de luz fulge
revelando traço lúgubre vertical
no abre e fecha da retina
cristal
Visitem o blog da poetisa: TEMPOEMA
terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
Não sei quantas almas tenho, poema de Fernando Pessoa
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por
isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
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