Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Vênus Anadiômene, poema de Arthur Rimbaud


Como de um verde túmulo em latão o vulto 
De uma mulher, cabelos brunos empastados, 
De uma velha banheira emerge, lento e estulto, 
Com delícias bastante mal dissimulados;

Do colo graxo e gris saltam as omoplatas 
Amplas, o dorso curto que entra e sai no ar; 
Sob a pele a gordura cai em folhas chatas, 
E o redondo dos rins como a querer voar...

O dorso é avermelhado e em tudo há um sabor 
Estranhamente horrível; notam-se, a rigor, 
Particularidades que demandam lupa...

Nos rins dois nomes só gravados: CLARA VENUS; 
- E todo o corpo move e estende a ampla garupa 
Bela horrorosamente, uma úlcera no ânus.

Arthur Rimbaud

Tradução de Augusto de Campos

domingo, 9 de setembro de 2018

Conceição Evaristo: a verdadeira imortal, por Dário Neto


Por Dário Neto
Eu entendo e me solidarizo às manas indignadas com o fato de Conceição Evaristo não ter sido eleita para a ABL. Contudo, toda vez que penso nesse museu, me lembro de Antonio Candido por dois motivos: primeiro, ele não compôs essa trupe. Enquanto Antonio Candido é presente como um grande pensador, analista e crítico do Brasil, a ABL é passado e depende exclusivamente da glória alheia - sobretudo a de Machado de Assis; segundo, em "Literatura e Subdesenvolvimento", Candido identifica esse movimento de fundar uma Academia aos moldes dos países europeus uma prática colonialista que até hoje vergonhosamente assassina a população negra e indígena no Brasil.
Com isso, Candido nos lembra que se tornar imortal nada tem que ver com esse colonialismo. Se o grande mestre Antonio Candido não coube na ABL para vergonha dela mesma, quanto mais Conceição Evaristo, muito maior que o mestre, pois tendo, semelhante a ele, a argúcia de ler o mundo, o supera por conseguir transformar esta capacidade analítica em poesia. Certamente Evaristo é muito grande para a ABL. 
Os Acadêmicos tentaram várias vezes convencer Candido a se candidatar e ele sempre rejeitou gentilmente. Quando o mestre e amigo de Candido, Fernando Azevedo faleceu, o acadêmico Chico Barbosa procurou-o durante o velório para convencê-lo a disputar a cadeira vaga pela morte de seu mestre, o crítico alegou que não tinha espírito associativo. Em 1993, a ABL homenageou Candido com o Prêmio Machado de Assis, evidenciando a intenção de seduzi-lo a compor o grupo e novamente, ele rejeitou. A grandeza que buscavam para si com a associação deste grande crítico literário, certamente alcançariam com Evaristo. E por que não foram atrás dela ao invés de esperar que ela manifestasse interesse? E por que a rejeitaram quando poderiam ter laureado a coroa enferrujada dessa Associação? Pelo simples motivo de ela ser mulher e negra. Assim como aconteceu a Conceição Evaristo, também essa gente que há séculos se acham donas da Literatura Brasileira rejeitou a primeira romancista Maria Firmina de Menezes, a primeira poeta modernista negra Gilka Machado, rejeitaram Carolina de Jesus e tantas que ainda estamos descobrindo. Isso só mostra o quanto esta Academia é pequena, muito pequena.
Dário Neto é Doutor em Literatura Brasileira pela USP com a tese "A pena do cronista: a presença das crônicas nos romances machadianos", Professor Colaborador em Teoria Literária na UNESPAR e autor do livro de contos Candelabro.

sábado, 8 de setembro de 2018

Para refletir (103)


"Os animais existem para os seus próprios propósitos. Não foram feitos para os humanos, assim como os negros não foram feitos para os brancos nem as mulheres para os homens." (Alice Walker)

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Saudades demais, poema de Rose Bittencourt


Uma pureza no cais
Relâmpago e trompetes
Viro de perna o cacete
Te cubro todo de mel
Vem perto que eu to pedindo
Faz um sinal e me flerte…

Rose Bittencourt

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

A LUTA VALE A PENA, poema de Marcelo Mário de Melo


[A Hiran Pereira, homem de teatro e dirigente comunista em Pernambuco, assassinado e desaparecido nos tempos da ditadura de 1964]

Vale a pena sim
remar contra a maré
pois muitos ainda
não têm pão
nem peixe
e estão unidos
os que atiram
as primeiras pedras.

Vale a pena sim
seguir a estrada
recuar
na trilha ameaçada
e voltar
pé ante pé
lançando
o sal e a semente.

Vale a pena sim.
Enfrentar a intolerância
lutar por liberdade
são coisas
que só fazem bem
em toda idade.
Vale a pena sim
vale a pena a nós
vale a pena a vós
vale a pena a mim.
Vale a pena sim!


Marcelo Mário de Melo