Aos Mestres, com carinho!

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Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A PROCURA DE WAGNER (*)



Wagner era seu preferido. Gostava da sua suavidade, sua calma. Seu pai preferia Mozart. Não, ele não, era Wagner. Já tinha, portanto, sua opinião formada, pensava, pelo menos em relação à música.

Era algo importante para um garoto de sua idade. Certa vez lera, num dos volumes da biblioteca do pai, que encontrara fora das estantes, e que agora duvidava que pudesse de novo achá-lo, que um lorde inglês, do século XVIII, dissera que a música dos homens, nada mais era que uma imitação da música da natureza que está no ar, em toda parte, nada tendo, pois, de criativo, de imaginoso, de genialidade, todos os compositores de todos os tempos, já que qualquer um, mesmo sem talento poderia filtrá-la, e dedicara sua vida a provar a sua teoria, ou seja, criando, ou melhor, copiando da natureza as suas melodias até a exaustão. 

Decerto que não conseguiu o seu intento, morrendo, se não louco, obcecado pelo que não conseguia atingir.  Ricardo acreditava, não na música inata à natureza, solta no ar, mas na música inata ao homem, talvez como um fenômeno biológico, um dom, bastando apenas desenvolvê-lo, como os atletas que desenvolvem seus músculos. Apesar disso, dessa quase certeza, não pretendia ser um compositor. 

Apesar dessa quase certeza, pensava – por que outros conhecimentos, aprendidos ali, diretamente do pai, na biblioteca, que o mesmo chamava de labirinto, influência de Borges certamente – traziam-lhes dúvidas.

Na biblioteca do pai, Ricardo fazia suas viagens, seus descobrimentos, sua iniciação.  Já que não participara com Marco Polo, das suas incursões pelo Oriente desconhecido, o fazia agora através dos livros; já que não participara do desenvolvimento do pensamento do homem: gregos, romanos, Bacon, Descartes, Locke, Newton, etc., agora o perseguia, etapa por etapa, tendo mais do que eles, não a genialidade, mas as informações do século XX.

De Locke, vinha-lhe a dúvida em relação à música inata ao homem, já que o mesmo discordava, não só do lorde inglês, figura sem muita importância científica, mas das ideias de Descartes sobre conhecimentos inatos. Porém, da infância vinha-lhe a dúvida em relação às ideias de Locke.

A maldade parecia sim, inata, se não ao homem, ao menos a infância: com que prazer aprisionava pequenos animais como baratas, gafanhotos, borboletas, e os torturava até a aparente morte, terminando por queimá-los, inevitavelmente; sentia prazer em realizar pequenos furtos, esconder objetos, comer o proibido. 

Havia também a indiferença ante o sofrimento dos outros, e até o riso disfarçado diante de lágrimas. Mas julgava tudo isso como algo necessário, uma fase obrigatória, uma iniciação.  Não se achava definitivamente mau.

A infância passava. Não havia muito que fazer, apenas às aulas, algumas brincadeiras com seus colegas, e o resto do tempo destinava ao conhecimento, a descobrir continentes, a viajar através do tempo, à poesia. 

De Fraçois Prevert, o seu poema preferido era “Como aprisionar um pássaro”. Talvez por que se visse aprisionado a um destino: conhecer, descobrir, imaginar. Destino, se é que era escrito para ser cumprido, também seria algo inato a existência.  Sua sede, sua fome, seu desespero diante do novo, do conhecimento, da inteligência era, pois o seu impulso, mais ainda a sua certeza de compreender. Para que? Ainda não o sabia, mas a existência era destinada a um aprendizado.
                       
Parou. Olhou os livros ao seu redor, nas estantes. Pôs um disco: Mozart.  Sentou-se. Fechou os olhos. Não sorriu.


(*) Ao som do prelúdio de Tristão e Isolda.

(Itárcio Ferreira)

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