Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

quarta-feira, 16 de junho de 2010

REFLEXO NO ESPELHO OU ITINERÁRIO PARA UM DESCONHECIMENTO


O meu quarto são quatro paredes brancas
me refugio.

fora, os ruídos,
as inacabáveis batalhas pela vida.

Eu continuo ferido,
enquanto a morte não vem.

Lembranças da infância cada vez mais nebulosas
e distantes.

A fumaça do cigarro do homem
que está ao meu lado,
nesta gravura na parede,
incomoda-me os pulmões.

Repetem-se os sons
como a repetição da vida,
nas tempestades de ânimos em que se afundam
meus navios.

Busco-me
- como busca o sol a trepadeira,
minha língua, tua língua,
o suicídio, o aposentado –
nos meus livros empoeirados
como um mágico à fantasia de espelhos,
noites, beijos e bombas,
sons, cores e seres.


(Itárcio Ferreira)


segunda-feira, 14 de junho de 2010

NA ROTINA DAS MANHÃS





Na rotina das manhãs,
       o mesmo rosto no espelho,

       o mesmo jato de urina,

       o mesmo cheiro.



O pão, a manteiga, o café.

O mesmo poema cansado,

o mesmo livro debaixo do braço,

a mesma vontade matinal de ir ao banheiro.



No amor mal feito,

       no desejo esquecido na esquina,

       no grito – de gol? – amarrado no peito,

       na dose de estriquinina – para o amante ou o rato?



Na carne estragada na geladeira,

       no copo de cerveja quente,

       no sol que racha minha cabeça,

       no tempo perdido na máquina batendo um ofício




ao Exmo. Sr. Filho da Puta,

       no romance não lido de Loyola

       na solidão sempre lembrada e eterna

- Deus?



Caminho – inútil caminhar? – homem metafísico

       através da manhã e do poema,

       entre o ser genético e seus códigos

       e o ser divino e o horror da eternidade.


(Itárcio Ferreira)



terça-feira, 8 de junho de 2010

VINTE ANOS



Primeiros acordes desafinados da manhã.
O sol não tocará meu coração,
mas queimará a minha pele:
ficarei bonito e infeliz.

À manhã, ao sol e à vida
tudo falta:
ritmo, harmonia, melodia,
criatividade, improviso.
A vida é uma péssima música.

Nesta manhã tediosa,
nesta tarde tediosa,
meu coração não digerirá o ódio
que eu teimo em criar
contra ratos, baratas e homens.

No entanto, a esperança,
abstrata e misteriosa,
não me abandonará,
por mais fraco que meu corpo esteja,
por mais desespero de minha alma,
de meu sopro, de minha animação.


(Itárcio Ferreira)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

SE NÃO CANTO, PELO MENOS GRITO

(Edvard Munch)

Meus poemas não cantam amores utópicos.
Não são instrumentos da falsa
moral.
Não apóiam a d
e
c
a
d
e
n
t
e sociedade.

Meus poemas são tiros
nos corações,
são bombas,
bombas de esperança,
são gritos,
gritos de dor,
de ré
volta,
de fome.

Canto os desencantos,
canto o verdadeiro amor,
canto a luta,
canto a não-derrota.

Meus poemas são feitos de palavras
que traduzem
as vossas palavras.

São feitos de palavras
que, de repente,
a garganta expulsou,
num momento de honestidade,
num momento de grito.

Canto e grito:
eis o poema.

Grito mais do que canto,
canto menos do que grito,
se não canto, pelo menos grito.


(Itárcio Ferreira)