Entre nós e as
palavras há metal fundente
entre nós e as
palavras há hélices que andam
e podem dar-nos
morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o
mais útil segredo
entre nós e as
palavras há perfis ardentes
espaços cheios de
gente de costas
altas flores
venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros
e crianças sentadas
à espera do seu tempo
e do seu precipício
Ao longo da muralha
que habitamos
há palavras de vida há
palavras de morte
há palavras imensas,
que esperam por nós
e outras, frágeis, que
deixaram de esperar
há palavras acesas
como barcos
e há palavras homens,
palavras que guardam
o seu segredo e a sua
posição
Entre nós e as
palavras, surdamente,
as mãos e as paredes
de Elsenor
E há palavras
nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem
ilegíveis à boca
palavras diamantes
palavras nunca escritas
palavras impossíveis
de escrever
por não termos
connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do
mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos
amantes escrevem muito alto
muito além do azul
onde oxidados morrem
palavras maternais só
sombra só soluço
só espasmo só amor só
solidão desfeita
Entre nós e as
palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso
dever falar
Mário Cesariny