Aos Mestres, com carinho!

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Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Véu de Pirilampo, poema de Lucila Nogueira

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E o vaidoso fabricante de versos perguntou, em tom superior: — E esses óculos escuros à noite, para que são? E eu lhe respondi em silêncio: — Porque a sua maldade é eterna. E porque os poetas vêem melhor na escuridão.
E eu coloquei meus óculos escuros 

contra a mediocridade dos neons 

contra a agressão das almas monstruosas 

e a crueldade oculta nas manhãs 

na penumbra amnésica anteparo 

o cotidiano fogo dos dragões.



E eu ajustei meus óculos escuros 

mas vi gente comendo carne humana 

crianças assaltando à mão armada 

cheirando cola ou sendo trucidadas 

enquanto os vaidosos declamavam 

a sua dor tão dicionarizada.



E eu saio à rua de óculos escuros 

porque me cega a cena da injustiça 

porque a lei só legítima a força 

descobriu a plateia o fundo falso 

do palco onde encerrou-se o último ato 

e se esqueceram de fechar o pano.



E eu uso sempre os óculos escuros 

porque o mundo é uma faca nas pupilas 

trapézio inteiro de arame farpado

sobre a rede de areia movediça 

a pele triturada e sem aplausos 

prossigo encantadora de serpentes 

E eu saio à noite de óculos escuros 

porque meu corpo acende nessa hora 

meus óculos são véu de pirilampo 

me resguardam de dentro para fora 

escondem o meu sol subcutâneo 

— são a nave em que chego até os homens.
Lucila Nogueira