Via Blog
da Boitempo
Por Luiz Bernardo Pericás
É provável que
você, caro leitor, nunca tenha ouvido falar de Octobriana, a sensual e
iconoclasta heroína soviética que nadava em lava incandescente e lutava contra
uma morsa gigante. Quem lerThe
Living Sphinx of the Kamchatka Radioactive Volcano 1934 poderá
acompanhar esta aventura. Mas há outras, muitas outras, escritas por distintos
autores ao longo de vários lustros.
A história
desta personagem dos quadrinhos da “Cortina de ferro”, de fato, é pouco
conhecida. E nebulosa. O Ocidente só viria a conhecer a loira de cabelos longos
(que carregava um revólver na cintura, calçava botas de caubói, tinha uma
serpente enrolada no pulso e uma estrela vermelha na testa) depois da
publicação do livro Octobriana
and the Russian Underground, do tcheco Petr Sadecký, lançado
em 1971.
Sadecký
costumava contar que estivera na URSS na segunda metade da década de sessenta,
quando teria sido convidado a participar de uma reunião do PPP (Pornografia
Política Progressista), um suposto grupo clandestino que se encontrava regularmente
para fazer orgias num porão repleto de pôsteres de Lenin nas paredes e pilhas
de revistas eróticas jogadas por todos os cantos do recinto. No quarto escuro
que visitou, o jovem notou, através de uma espessa cortina de fumaça de
cigarro, dezenas de garrafas de bebidas alcoólicas e gibis da Octobriana
espalhados pelo chão. Os líderes desta confraria alternativa (teoricamente
fundada em 1957, no ano seguinte ao XX Congresso do PCUS e às denúncias de
Kruschev contra Stálin) pediram a Sadecký para levar os exemplares para a
Europa Ocidental. Ele aceitou a missão e no começo da década seguinte, então,
publicaria na Inglaterra o conhecido volume já citado, pelas mãos do editor
britânico Tom Stanley.
Mas a
narrativa parecia fantasiosa demais para ser verdade. Algo cheirava a lorota.
E, ao que tudo indica, era mesmo. Afinal, acredita-se que tudo não passou de
uma invencionice de um rapaz ambicioso em busca de atenção, fama e dinheiro.
Aparentemente
Sadecký encomendou os desenhos a dois amigos, os também tchecos Bohumil Konecný
e Zdenek Burian, que produziram, juntos, as tiras sobre uma guerreira amazona.
Mas o tema não causaria, aparentemente, maior interesse ou impacto em outros
países. Assim, Sadecký decidiu roubar a arte dos colegas, mudou algumas características
da heroína (incluindo, principalmente, uma estrela escarlate na fronte) e lhe
deu um nome que remetia à revolução de Outubro. Pronto! Só faltava alterar os
textos dos balões. Os diálogos foram prontamente modificados e politizados.
Agora, ele tinha um produto que poderia seduzir os editores ocidentais. Era só
criar uma mentira sobre as origens daquele comic
book e ele poderia ganhar uma boa grana com sua publicação. Só
que o rapaz não pediu autorização aos cartunistas de Praga que, indignados com
o ocorrido, desmascararam Sadecký e o processaram numa Corte da República
Federal da Alemanha.
O émigré escroque
conhecia os famosos ilustradores desde garoto. Começou como admirador, e depois
se tornou íntimo da dupla. Ludibriou a ambos, convencendo-os a ceder vários
desenhos inéditos, os quais tentaria negociar com editoras em outras partes do
mundo. Simplesmente afanou o material, reelaborou seu conteúdo e o
comercializou de forma indevida. Afinal, Octobriana acabou se tornando uma
crítica ao sistema soviético. E isso poderia trazer sérios problemas para os
quadrinistas em sua terra natal.
De fato, os
dois foram escorraçados publicamente, sofrendo um total repúdio das autoridades
de seu país. Sem contar que não ganharam um tostão com a obra. Ainda assim, historietas
como Octobriana
and the Atomic Suns of Chairman Mao certamente interessaram os
fãs dos quadrinhos alternativos do “mundo capitalista”.
Ao longo dos
anos, outros ilustradores iriam interpretar à sua maneira esta personagem (que
acabou em domínio público). Entre 1979 e 1987, Bryan Talbot desenharia a
Octobriana, seguido por Larry Weltz, que produziria, em 1992, Cherry’s
Jubilee, uma trama com forte carga erótica. Os finlandeses
Reima Makinen, Petri Tolppanen e Timo Niemi, por sua vez, criaram Octobriana
and the Tenth Circle of Hell. Cartunistas como Stuart Taylor e
Karel Jerie, manteriam esta tendência.
Como se vê, a
guerreira seria retratada por muitos artistas estrangeiros. É só lembrar da
interessante (e surrealista) The Commie Zombie Dictator
From Hell!, com roteiro de John A. Short e desenho de Andy
Nixon e Shaun Bryan, na qual Lenin se levanta de seu túmulo de vidro, no
mausoléu em Moscou, e manda os guardas locais matarem a heroína (para variar,
vestida em trajes sensuais).
“Eu darei um
jeito no camarada Lenin!”, exclama a jovem contestadora, atirando várias vezes
no líder bolchevique. Mas de nada adiantam os disparos. Afinal, ele era um
zumbi! Nem uma cruz apontada para ele fazia efeito…
O antigo
dirigente comunista apenas dá uma gargalhada, zombando de todas as tentativas
de destruí-lo, e ordena:
“Kill Octobriana!”
A resposta da
jovem vem em seguida:
“And you used to be such a
great public speaker!” Afinal, para
ela, “it’s
always disappointing when you meet your heroes!”
O zumbi de
Lenin está acabando com tudo à sua volta quando, de repente, solta um grito
desesperado. Seus olhos embranquecem, a voz some e sua cabeça começa a pegar
fogo. Isso tudo porque ele se dá conta de que… está em frente a um McDonald’s!
E aquela lanchonete, símbolo do imperialismo ianque, era pior do que alho,
estaca de madeira e crucifixo para um vampiro! Que história!
O cantor
britânico David Bowie cogitou fazer um filme sobre a personagem, mas o projeto
nunca foi adiante. Ainda assim, foi lançada anos atrás Octobriana
and the finger of Lenin (2003), uma fita sem maior
destaque.
De qualquer
forma, o leitor agora já conhece a provocadora heroína soviética com uma
estrela vermelha na testa. É a rebelde Octobriana, pronta para novas aventuras.
E sempre disposta a contestar!