Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Não sou poeta, poema de João Francisco Lima Santos

Não sou poeta
fichado
emoldurado
com carteira de identificação.

Não tenho assento em academias
onde legendas literárias
discutem
a poesia local, universal
e a nova teoria do verso hermético.

Que sabe eu do ABC de Pound?
Que sabe eu do anjo terrível de Rilke?
Que sabe eu da estação no inferno de Rimbaud?
Que sabe eu da flauta atravessada no pulmão de Maiakovski?
Que sabe eu do cheiro das flores do mal de Baudelaire?
Que sabe eu do rio invisível de Neruda?
Que sabe eu dos filhos de barro de Otávio Paz?
Que sabe eu de quantas pessoas há em Pessoa?
Que sabe eu do verde que te quero verde de Lorca?

Confesso que nada
Vivi!
Nadinha mesmo!
Eu não sou nada,
a não ser sonho!

Não fui alfabetizado na arte de versejar
nem velejar por esse mar...

A poesia não sentou praça
nos velhos bancos escolares
onde torrei neurônios com fórmulas...
onde torrei neurônios com regras gramaticais...

Tudo tão estúpido
quanto o eu de Betinho...
Tudo tão sexo dos anjos
sem o Augusto delírio...
Tudo tão sem Clara
na escuridão escolar...
Tudo tão Ateneu
como Roma incendiada...

Já que a injustiça nunca se resolve,
resolvi
diante das intempéries da vida
desenhar palavras na perspectiva do verso
sem consciência
métrica...
homérica...
dantesca...
longe
longe da educação pela pedra...
Desembarquei
no lugar comum
sem inovações
concretas
pirâmide de palavras...
Meu verso é lugar comum
no comum dos dias
e lida apenas com o comum
Sei que meu verso
aqui descrito
não baterá na porta
da crítica
sofisticada
higienizada
via mensageiros de Apolo...

Meu verso tem pés no chão
redigo:
do lugar
comum onde se nutre
e sabe por osmose
que há fome no seio do povo
que há presos em cadeias imundas
que há negros ofendidos
que há mulheres espancadas
que há crianças em escola sem futuro
que há fronteiras e seus tristes muros
que há guerras fraticidas
que há canalhas tomando o poder de assalto
que há muita coisa debaixo do sol
e sabe
também
que as elites olímpicas
não leem
a poesia marginal
ponto final

Mas
escreverei meu verso
com ritmo
dos bêbados
dos loucos
até que um dia chegue
à mesa
dos deserdados
a palavra concreta:
justiça
e concretizada
se realize
no tempo e no espaço
de nossas vidas.

Quando o sol governará
enfim
para todos
na igualdade fraternal.