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Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

terça-feira, 25 de março de 2014

Uma trama policial sobre os Jogos de 1992

Futbol

Rafael Fortes, via História(s) do Sport

Conheci os romances policiais de Manuel Vázquez Montalbán através de uma coleção com capa preta que a Companhia das Letras publicava anos atrás, e que incluía Luiz Alfredo Garcia-RozaTony Bellotto e Joaquim Nogueira – só para citar os brasileiros cujos livros li e recomendo pra quem gosta desse tipo de literatura.

Para quem não o conhece, Montalbán foi um jornalista, ficcionista e ativista catalão, admirado por muitos leitores mundo afora. Por exemplo, Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago, é dedicado a ele (e a Pilar, claro). Torcedor do Barcelona, teve algumas de suas crônicas e textos jornalísticos sobre o clube reunidas em Fútbol: una religión en busca de un Dios (deste, confesso, não gostei, embora adore crônicas de futebol). Uma seleção de seus escritos jornalísticos foi publicada em três volumes entre 2010-2012.


*  *  *

Meses atrás, entrei numa livraria de Barcelona. Perguntei ao vendedor o que tinha de Montalbán. Enquanto caminhávamos até a estante, ele tentou me convencer a ler em catalão:

- Muito mais parecido com o português que o castelhano! Olha só!

Disse, enquanto abria um livro no idioma para comprovar o que dizia. Respondi:

- É uma língua interessante, mas vou ficar com o castelhano mesmo, que eu já consigo entender.

Enquanto o vendedor chutava – e acertava – os títulos que eu lera, mostrou-me onde estavam. Escolhi Sabotaje Olímpico, curioso por tomar conhecimento de uma história do detetive Pepe Carvalho relativa à Olimpíada de 92.


*  *  *

Lançado em 1993, o livro tem enredo e narrativa bem estranhos. A maior parte da trama se desenvolve durante os jogos de 1992. Uma série de acontecimentos  sugerem um movimento de sabotagem do megaevento esportivo, o que leva as autoridades – há uma profusão delas, estabelecendo entre si relações às vezes bizarras e inusitadas – à convocação de Carvalho para auxiliar as investigações. 

Entre as ocorrências, um sequestro do então presidente do Comitê Olímpico Internacional, o catalão Juan Antonio Samaranch.

Sabotaje
O leitor se depara com trecho como este: “Durante dezessete dias a cidade estaria ocupada por uma ampla minoria de desportistas praticantes e por uma imensa maioria de esportistas por palavra, pensamento e omissão.”

Rapidamente aparecem muitos suspeitos para a sabotagem: empresas que não conseguiram comprar os direitos exclusivos para patrocinar os jogos; um político italiano desacreditado; setores das cidades de Madri e Sevilha, com grandes rivalidades em relação a Barcelona (Sevilha sediou um megaevento no mesmo ano: a Expo 92); setores da sociedade espanhola antipáticos às intenções independentistas catalãs, canais de televisão dos Estados Unidos, a Ku Klux Klan e a princesa Caroline de Mônaco, entre outros.

Mesmo as ironias mordazes e os absurdos se relacionam a elementos econômicos, políticos e culturais do contexto em que a obra foi escrita – que coincide com aquele em que se passa a trama. Sitiando Barcelona estão “submarinos errantes” cujos tripulantes se negam a aceitar o fim da União Soviética; a gastronomia catalã aparece em vários momentos como elemento identitário da região.

A obra pode ser lida como um contraponto ao senso comum que até hoje apresenta a Olimpíada de Barcelona como uma espécie de exemplo para o mundo de como uma competição esportiva de grande envergadura pode mudar positivamente uma cidade. Não é difícil encontrar este ponto de vista edulcorado sobre aqueles jogos na imprensa esportiva brasileira.

Assim como outras fontes de arte mencionadas neste blogue (por exemplo, do cinema, da pintura e da literatura), pode ser analisada historicamente, o que significaria ter em conta tanto o conteúdo quanto a forma. No caso desta, destaco a reflexividade, que se manifesta, por exemplo, nas menções a outras obras – como Os Mares do Sul – e na descrição de Carvalho em dado momento como um importante personagem literário do pós-franquismo.

O desfecho do sequestro? Não vou contar, claro.

Referência bibliográfica
MONTALBÁN, Manuel Vázquez. Sabotaje olímpico. Barcelona: Planeta, 2011.

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Postagem programada - blogueiro de férias - 06/03 a 04/04/14.

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