“As coisas não apareciam na televisão porque aconteciam. Elas aconteciam porque seriam mostradas na televisão.” (...) “Trabalhei na direção de programação da TV Globo em 1965 e depois de seis meses descobri que estava trabalhando contra o Brasil. Nunca mais passei na frente da loura platinada. A Globo, mais do que uma emissora virou um clube, um partido político, e a maioria dos profissionais concorda que não fazer parte da sua equipe é quase um suicídio.” (Fausto Wolff, em “Vai começar a verdadeira novela da Globo”, do seu livro “A imprensa livre de Fausto Wolff”, L&PM, 2004.)
Antes de o Fausto Wolff largar a carcaça e partir para o Além, falei pra ele que o título desse seu livro tinha duas explícitas interpretações: a imprensa que ele imaginava livre e a imprensa que se sentia livre dele. Certa ocasião eu lhe falei: “Fausto, o título desse livro vai ter um significado especial quando você bater as botas. Aí, essa cambada que faz a nossa imprensa hoje dirá: ‘Finalmente a imprensa está livre do Fausto Wolff’ ”.
O grande Fausto respondeu: “Como eles estarão livres de mim?! Deixo uma obra”.
É verdade, e, além do reconhecimento dos amigos, trata-se de um trabalho apreciado por milhões de pessoas de toda parte do mundo.
“Nas esquinas escusas, bares escuros e becos-sem-saída da existência conheci semi-aventureiros, para-aventureiros e falsos-aventureiros. Dos que conheci, Fausto Wolff é o único verdadeiro. Mistura de Bukowski, Miller, macho gaúcho, criança grande (1,92) e desespero. Viajou o mundo – da Escandinávia ao Vietnam, do Oriente Médio às Ilhas Canárias. Com dinheiro, sem dinheiro, com ou sem documentos, falando as línguas com que nasceu, alemão e português, as que aprendeu, inglês, italiano, francês e espanhol, e as que adivinhou – sueco e dinamarquês. Em toda parte procurou os de sua estirpe – escritores, cineastas, poetas e grã-finas. E com os de sua laia – bêbados, putas e brigões.”
Isso aí foi o que disse Millôr Fernandes sobre aquele que me honrou com a sua amizade. Só não sei em que categoria, segundo o Millôr, eu me enquadraria entre as amizades do Fausto. Ele não me adotou como amigo por eu ser o escritor que nunca fui nem o cineasta que nunca serei; não nos aproximamos pela poesia que não escrevi. Quando nos conhecemos, eu já bebia bem menos que em outras épocas. Puto? Não, ninguém pagaria pra transar comigo. E nada tenho de grã-fino(a). Só resta o brigão. É, talvez tenha sido isso que o Fausto identificou em mim como um dos seus pares.
Veja essa historieta que o Jaguar nos conta:
“Fausto Wolff escreve tão bem quanto Bukowski, é tão iconoclasta quanto Bukowski, mas daria a minha cara a tapa se Bukowski agüentasse tanta bebida quanto ele, sem cair. Então sou mais o Fausto. Numa viagem que fizemos juntos ao sul nos anos oitenta, ganhei dinheiro apostando nele contra os campeões locais de birita e queda-de-braço. Não perdeu uma. Num boteco em Curitiba, depois de incontáveis rodadas de cerveja e steinheger, deixou um enorme polaco desmaiado em coma alcoólico. Enquanto seus desolados torcedores o arrastavam para fora, Fausto pegou a grana das apostas. ‘Agora vamos beber socialmente’, disse."
Outro dia escrevi para o Millôr e falei que estava com saudades do Fausto Wolff. O Millôr respondeu que também estava saudoso. Quem, entre seus amigos e admiradores, não está?
Só os que fazem esse jornalismo estúpido que os conglomerados midiáticos veiculam nos dias de hoje podem desabafar: “Finalmente, temos A IMPRENSA LIVRE DE FAUSTO WOLFF”.
Estão redondamente enganados. Nós que somos seus leitores, amigos e admiradores, estamos aqui para, inspirados em sua obra, manter a busca constante, a luta incansável, por uma imprensa livre desses canalhas.
E o Bukowski?
O alemão, filho de um soldado do exército norte-americano, foi para os Estados Unidos quando ainda era criança. Tomou muita pancada do pai, um sujeito que bebia para afogar as frustrações e espancava o filho. Na escola, Bukowski foi aquele garoto escanteado, sempre o último a ser escolhido para uma pelada (tinha mais sorte que eu, que nunca era escalado; exceto quando a bola era minha).
E aí vão algumas tiradas do Bukowski:
“O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.”
“As pessoas apaixonadas, em geral, se tornam impacientes, perigosas. Perdem o senso de perspectiva. Perdem o senso de humor. Ficam nervosas, tornam-se chatas, psicóticas. Podem virar assassinas.”
“Me sinto bem em não participar de nada. Me alegra não estar apaixonado e não estar de bem com o mundo. Gosto de me sentir estranho a tudo.”
"Nunca me senti só. Gosto de estar comigo mesmo. Sou a melhor forma de entretenimento que posso encontrar.”
“Não, eu não odeio as pessoas. Só prefiro quando elas não estão por perto.”
“Se vai tentar
siga em frente.
Senão, nem começe!
Isso pode significar perder namoradas
esposas, família, trabalho...e talvez a cabeça.
Pode significar ficar sem comer por dias,
Pode significar congelar em um parque,
Pode significar cadeia,
Pode significar caçoadas, desolação...
A desolação é o presente
O resto é uma prova de sua paciência,
do quanto realmente quis fazer
E farei, apesar do menosprezo
E será melhor que qualquer coisa que possa imaginar.
Se vai tentar,
Vá em frente.
Não há outro sentimento como este
Ficará sozinho com os deuses
E as noites serão quentes
Levará a vida com um sorriso perfeito
É a única coisa que vale a pena.”
Esse Bukowski sabia das coisas!
E o Fausto Wolff?
Este sabia um pouco mais.
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Ilustração: AIPC - Atrocious International Piracy of Cartoons
PressAA
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