Aos Mestres, com carinho!

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Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

segunda-feira, 31 de março de 2014

CHEGA DE TELEVISÃO! (UM FILME CHAMADO CAPOTE) - Carlo Buzzatti

 
Ao menos na Semana Santa. Fui ao cinema pra variar.
Fui ver um filme chamado CAPOTE. É um dos poucos que assisti depois de UM HOMEM CHAMADO CAVALO. 

É a história de uma escritora feia, mas bota feia nisso! Baixinha, vesga, tão sardenta que parece enferrujada, não que eu não goste de baixinhas, vesgas, ou sardentas, mas é que o conjunto não combinou no caso dela, e ainda tem o pior: parece homem. Para completar se veste como homem e tem até um nome meio macho: Trumam Capote. Pra vocês terem uma idéia de como é feia a lambisgóia, todo mundo a chama de senhor e ela nem reclama. Mas é inteligente e rica, o que fez com que até arrumasse namorado, um escritor também - só podia, esses tipos são uma pá de esquisitice - e isso que escritor tem fama de arrumar mulher bonita. Devem ser eles mesmos que inventam essas lorotas. Olhe, nem lhes conto!

Pois a dita encasqueta de ir fazer uma reportagem sobre uma malvadeza que parece que aconteceu mesmo lá nos Estados Unidos, onde não faltam dessas coisas. Uma bandidagem invade um rancho e mata todo mundo - pai, mãe e o casal de crianças. Nem cachorro, gato e cavalo escapam. Sei que isto hoje parece bobagem, mas na época os gringo ruim não tinham invadido o Vietname, nem a Nicarágua, nem El Salvador, nem o Chile, nem o Afeganistão, nem o Iraque e todo mundo achava que eles eram bonzinhos, até eles mesmos achavam que eram gente fina, então aquela judiaria meio que deixou o país todo em estado de nojo. Um pouco depois é que pegaram gosto por carneação e não pararam mais.

Mas deixa eu voltar à história do tribufu.

Apesar do susto inicial que a assombração causa, consegue fazer amizade com algumas das mulheres influentes da vila onde aconteceu o sucedido: uma - por causa da sua fama de escritora de cidade grande e outra - por causa de que as moças do interior ficaram com compaixão de ver tamanho despropósito da natureza reunido numa só vivente. De pena vão lhe contando o que ela quer saber e aí no redesenrolar das evoluções ela se dá conta de que com tudo aquilo que fica sabendo pode escrever é mais um livro, em vez de um reles artigo de periódico. Nisto prendem os mala sina que fizeram o desvario sanguinário.

A escritora não perde tempo e vai ao encontro dos obreiros ferramentas do terrível destino. Tendo farejado naqueles cueras sujos de sangue fresco um lote de morcilha, vai se aquerenciando e enrodilhando de esperança a um deles. Como é rica, contrata para eles um bom adevogado, com o fito de retardar a pena de enforcamento (não lhes disse que aqueles gringo de lá têm o gosto pela odiada das gentes?). E com esses enleios de amizade e toda a sua feiura, fala macia e zoínhos arrebanha toda a confiança do mais mansinho deles, que vai lhe ajudando a escrever o seu livro. O diacho do maleva acha que o livro que ela escreve é para ajudá-los a sair da enrascada e vai lhe dizendo tim por timtim da sua triste vida. Nisto, conversa vai, conversa vem, a escritora que fez a parteira chorar quando nasceu começa a se apaixonar pelo rastaquera. Pra quê?! O namorado, que tem uma roça inteira de mau gosto plantada na cabeça, mas nem por isto quer uma galhada, dá-lhe um ou te mato: - "vem agora pro meu rancho ou não te esquentas mais nos meus pelego". Vai daí que ela vai, não sei se por ser feia e ter medo de ficar sozinha ou por gostar mesmo do esquisitão. E se passa um mês e se passa um ano, e ela quase esquece o amor bandido.

Mas era preciso terminar o livro e vai chegando o dia do enforcamento. O calavera, mui esperto, até então nada falara da noite da matança e ela, esfriada a paixão, agora só queria saber do causo. Volta até a prisão e dá um ou te morres pro bandido: diz a ele que se nada conte ela nem precisará de inventar coisas cabeludas dele, pois já será isso mesmo que todos vão ficar imaginando. Nada dá resultado até que ela resolve de apelar para a irmã do pré falecido (sim, porque na folhinha que tá com a que não se convida pra visita está escrito: bom para tal de tanto). A irmã não quer nem saber do coisa ruim, mas a esperta escritora diz que a mana está com saudades e que o ama - nisto se derrete o pedregoso e espinhento coração do pica fumo e ele entrega o jogo. Conta tudo! Mostra as presa, o veneno e o tamanho da boca. Pronto! A que de vez em quando mata de susto tem o livro! "Agora pode morrer, desgraçado, que além do livro eu tenho um namorado que me ama." Mas não foi bem assim que terminou a história.

Cumo era mesmo bom o adevogado que ela contratou, os maldito conseguiram apelação. Pra quê?! A estrupício se descompôs. Ao perceber que o bandido não morria na data marcada veio-lhe a lembrança e a dor de todo o amor que ela negava, mas o que mais lhe doía era que todo aquele amor que ela sentia, o maior da sua vida, era fichinha e não impedia que ela quisesse a sua morte e o mais ligeiro que fosse. Assim deixou-o sem o a no devogado e não lhe respondeu mais as cartas que ele mandava da cadeia. Foi, foi, que por fim terminou. Chegou o dia do tira a forra da sociedade e ela, arrependida, foi lá, chorando como lenha verde, vê-lo ser pendurado pelo pescoço.

Pode também que tenha sido choro de contentamento o que ela derramou nos pés de cada falso. Eu cá pra mim tenho que foi um pouco de cada um e os dois, contentamento e desconsolo, pois depois desse livro nunca mais escreveu nada que preste e deu pra encher a cara por qualquer coisinha, até que morreu das borracheira. Mas esse livro dizque fez muito sucesso e ela, com isto, nunca ficou devendo conta em buteco.

O resumo dos encurta causo é o seguinte: não é meu tipo de filme - essas historinha de amor, principalmente de mulher feia com bandido - mas as moça desaparelhada, ou as que estão sem achar graça no todo dia com seus marido são bem capaz de encontrar até algum enfeite e comichão para seus corações ressequidos nesse ramalhete de urtiga.
 


(Carlo Buzzatti)

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Postagem programada - blogueiro de férias - 06/03 a 04/04/14.

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