REFLEXO I
A primeira vez que um
espelho mágico
Chamou a minha atenção,
Iam-se lá cinco ou seis
anos de vida.
Foi na casa de minha tia
Nete,
Um espelho grande,
Quase do tamanho de uma
porta,
Um gigante!
Fiquei fascinado.
Olhava-o por vários minutos
Esperando que meu reflexo
Errasse algum movimento da
coreografia
Dos meus braços e caretas.
Imaginava se haveria um
mundo dentro
Da masmorra onde se
aprisionara o meu reflexo,
Com certeza influência de Alice.
Era bom o mundo,
Eram bons os sonhos,
Criança,
Não imaginava o terror da
existência.
REFLEXO II
Usava barbas na
adolescência,
Para parecer mais velho
para as meninas.
Diante do espelho
Aparava o excesso de pelos
E desenhava algumas
linhas.
Apesar da poliomielite,
Via, na minha imagem
refletida,
Um jovem forte e bonito,
Alegre e disposto a lutar
por um mundo melhor.
Vez ou outra,
Quando alguma lágrima
nascia,
Em virtude de algum
percalço,
Ou das pequenas e grandes derrotas
Que se iam acumulando
Não meu lixão da vida,
O espelho, de alguma
forma,
Avisava-me, você é apenas
um,
Existem bilhões no
planeta.
O fracasso na música,
- Contrabaixo, violão,
piano, -
Um poeta que ninguém lia,
Um casamento aos dezoito anos,
A necessidade de trabalhar
para sustentar meu rebento,
O corre-corre da faculdade,
As paixões fora do
casamento,
Fizeram-me esquecer da
magia do espelho
Que vivi aos cinco ou seis
anos.
REFLEXO III
Acabo de completar
cinquenta e um anos,
Olho no espelho e não me
reconheço.
Os sonhos de mudar o mundo
através do socialismo
Ainda persistem mais
fortes do que nunca,
Mas sei que já não será no
meu tempo,
Talvez no tempo dos meus
filhos
Ou no tempo dos meus
netos.
No espelho do meu
banheiro,
Vejo um homem com nuvens
brancas nos cabelos,
Os sulcos no meu rosto
lembram as rotas abertas nas selvas,
A facão, a foice e a
martelo.
O sorriso meio sem graça,
Os dentes amarelados,
- Efeito dos cigarros, do
bom álcool, e do invisível tempo -
Indicam que a vida passou,
E passa, enquanto escrevo
este poema,
No dia do meu aniversário.
Junto aos amigos,
Em companhia do velho álcool,
Remédio para as dores
reumáticas,
E para grandes derrotas e
perdas da vida,
Lembramos, emocionados:
A queda do muro de Berlim,
A capitulação da URSS,
O neoliberalismo,
Que quase me levou a
loucura,
Por minha impotência,
Por nada poder fazer,
Pela revolução que não
vinha.
A vitória de Lula e a
esperança de uma sociedade socialista,
A decepção.
O medo do retrocesso via
judiciário...
Evito conversar com minha
imagem refletida
Naquele artefato mágico da
infância.
As lutas viraram rotinas,
e não são mais tão épicas,
- Até conseguir cortar as
unhas dos pés,
Já é uma grande vitória -
Os remédios que me salvam,
- Também da depressão -
São as amizades,
As conversas na mesa de
bar,
E continuar sonhando,
sempre,
Um Sancho Pança, orgulhoso,
Cevado a antidepressivos e
ansiolíticos.
É
recorrente lembrar,
-
E me faz rir -
A
minha descoberta
Aos
cinco ou seis anos,
Na
casa da minha Tia Nete:
O
espelho mágico.
E como
na cantiga de minha infância:
Esperar,
esperar, esperar,
Até
a morte chegar!
Quem
sabe, como um presente,
No
dia do meu próximo aniversário.
(Itárcio Ferreira)
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