Por Bruno Vaiano
O guia de escrita do psicólogo e linguista mais famoso do mundo acaba de
chegar ao Brasil
Psicólogo rockstar”. É
assim que a Forbes define Steven Pinker, professor do departamento de
psicologia da Universidade Harvard, gênio das ciências cognitivas e da linguística, dono de um simpático
cabelo cacheado, agora grisalho, e autor de livros de divulgação científica
impecáveis – que deixam pulgas atrás da orelha em vez de dúvidas.
Pinker é um cara tão
legal, diga-se de passagem, que quando o mundo parou para decidir de qual cor
era o agora célebre vestido azul e preto – ou será branco e dourado? –, ele se
prontificou e deu a explicação. Mas isso é assunto para
outro post.
O fato é que ele é um
cara muito bom em uma coisa que interessa a muita gente: colocar informação no papel. E em 2014 decidiu
compartilhar sua cartola de truques com o livro Sense of Style – que agora
chega ao Brasil como "Guia de Escrita" (Editora Contexto, R$
49,90). A GALILEU separou algumas dicas valiosas – e o livro está cheio de
muitas outras.
1. Esqueça essa
história de que antigamente as pessoas escreviam melhor.
Se uma pessoa está na
face da Terra há muito tempo, é natural que se incomode com mudanças culturais.
Mas você não pode deixar suas tradições e opiniões transformarem seu texto em
um autêntico José de Alencar. A verdade é que a língua muda rápido, e
desde que o mundo é mundo professores e acadêmicos estão reclamando da
decadência moral e linguística. Pinker faz até uma coletânea de exemplos de
várias épocas. Em 1478 o tipógrafo William Caxton afirmou que "nossa
língua tal como é usada hoje difere de longe daquela que era usada e falada
quando eu nasci". Já um anônimo de 1917 foi categórico: "Nossos
calouros não sabem soletrar, não sabem pontuar. Todos os colégios
estão desesperados, porque os alunos desconhecem os rudimentos básicos".
2. Fuja do jargão de
sua área do conhecimento. Rápido.
Já tentou ler um texto jurídico? Ou o manual de
instruções para a instalação de um roteador em casa? Ou mesmo um dos
artigos científicos que a GALILEU lê todos os dias para te atualizar? Pois é, a
redação é indecifrável em grande parte dos casos. Pinker afirma que é difícil
para uma pessoa saber como é para outra pessoa não saber o que ela sabe. Em
outras palavras, quando você entende tudo de um assunto, tem a impressão de que
todo entende pelo menos um pouquinho. A consequência é o que ele denomina
"maldição de conhecimento". Em resumo: evita
abstrações demais, e use palavras que todo mundo conhece. Não vai doer nada, e
vai te ajudar a enviar sua mensagem ao maior número possível de pessoas.
3. Evite transformar
verbos em substantivos.
O fechamento brusco
da peça pode ocasionar a quebra de suas dobradiças. Não é difícil topar
com um aviso como esse na caixa de um produto qualquer. Soa péssimo, e o pecado
está em não assumir as ações. Por que usar "ocasionar a quebra" se
"quebrar" é tão mais simples? Pinker chama esse tipo de substantivo de
"zumbi", e dá uma boa sugestão:
trazer todos de volta à vida verbal: Fechar a peça bruscamente pode quebrar
suas dobradiças.
4. Diminua a
distância entre palavras relacionadas entre si.
Ouviram do Ipiranga
as margens plácidas... De um povo heróico o brado retumbante.
Que tal colocar na
ordem? As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado
retumbante de um povo heróico. Ufa! Vamos do hino nacional
a Os Lusíadas, de Camões.
As armas e os barões
assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
O sujeito são "as
armas e os barões assinalados". O verbo, "cantando".
Você não viu o verbo na estrofe
acima? Pois é. A não ser que você seja Camões, separar os dois dessa maneira
não é uma boa maneira de escrever um e-mail para seu chefe. À proposito, ele
está destacado na estrofe abaixo, 14 versos
depois.
E também as memórias
gloriosas
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
5. Use as vozes
passiva e ativa para dirigir o olhar do leitor para o que interessa.
A voz passiva é considerada
por alguns gramáticos e revisores uma grande inimiga de uma boa redação. Não seja tão
radical. Como você pode perceber pela frase anterior — que está em voz
passiva — começar uma frase por seu objeto é um ótimo jeito de chamar a
atenção do leitor para o que realmente interessa. O contrário pode até dar
certo: Alguns gramáticos e revisores consideram a voz passiva
uma grande ... Mas tiraria o foco do assunto da frase.
Pinker também lembra
que ela pode tirar do caminho sujeitos que não interessam para quem lerá a
frase. Em helicópteros foram levados ao local do incêndio, o ouvinte não
precisa saber quem são os pilotos. Políticos e jornalistas sabem muito bem
disso, e podem usar a passiva para omitir o sujeito quando, na verdade, ele é
de interesse público, como em R$ 25 milhões foram desviados de uma
empresa estatal em vez de João da Silva desviou R$ 25 milhões de empresa
estatal.
6. Use
sinônimos para não repetir palavras, mas não exagere na dose.
Não é uma boa ideia
repetir uma palavra vezes demais. João é legal. João
foi à escola. Lá, João falou com seus amigos. É por isso que no
gênero jornalístico uma instrução comum é não repetir palavras essenciais para
a matéria na mesma página. Buscar sinônimos, porém, pode te levar
a construções desconfortáveis.
Isso acontece, em
primeiro lugar, porque não há tantos sinônimos assim: gato pode ser trocado
por bichano ou felino, mas seu nome
científico, Felis catus, já seria um exagero fora de um
texto especializado. Outro é que é preciso tomar cuidado para usar palavras na
sua ordem de abragência. Dá para dizer O ônibus acelerou. As pessoas caíram
dentro do veículo. Já O veículo acelerou. As pessoas caíram dentro do
ônibus não deixa claro que o veículo em questão é um ônibus. A categoria
"veículo" engloba muitas coisas, entre elas, ônibus.
7. Tome cuidado com
ambiguidades sintáticas.
A polícia cercou o
ladrão do banco na rua Santos. Afinal, o ladrão do banco da rua
Santos foi cercado em um lugar qualquer ou o ladrão de um banco qualquer foi
cercado na rua Santos? Quando conhecemos uma história, o significado de uma
frase parece óbvio. Tão óbvio que não temos o costume de revisar para ver se
alguém poderia entender algo completamente
diferente.
* Com supervisão de
André Jorge de Oliveira.
Fonte: Revista Galileu