Depois de 16 anos, o escritor de ficção científica China Miéville lança
'Estação Perdido' no Brasil e comenta sobre seu trabalho
Via Revista
Galileu
Há 16 anos, o premiado escritor inglês de ficção
científica China Miéville surpreendia o gênero com Estação Perdido, obra
distópica sobre um universo habitado por seres fantásticos, mas sujeitos às
menores trivialidades de nossa realidade. O livro chega agora às livrarias
brasileiras pela Editora Boitempo, e
Miéville conversou com GALILEU para falar sobre o seu trabalho, os conflitos
entre ficção e realidade, processo criativo, produção de ideias e perspectivas
da literatura fantástica.
O leitor de literatura fantástica/ficcional é
mais difícil de se conquistar?
Eu acredito que há uma certa globalização da
cultura geek. Certamente nesses mais de 16 anos que tenho trabalhado fora, vi
uma recente explosão na visibilidade da audiência por ficção especulativa
(classificação que abrange principalmente terror, fantasia e sci-fi) em todas
suas formas, internacionalmente. Eu sinto que há um aumento na audiência
mundial por tal ficção e arte. Assim como a recuperação de formas anteriores
pouco respeitadas.
Em Estação Perdido encontramos seres de
diferentes espécies vivendo sob uma rígida hierarquia social e um forte sistema
autoritário e corrupto. E naturalmente, muitos podem relacionar esse universo
com o mundo real. Assim, você acha que a literatura ficcional perde o seu
significado com essas constantes comparações?
Há uma grande angústia em alguns leitores para
entender o que o livro realmente significa – decifrar uma interpretação
específica e exclusiva sobre o nosso mundo. E não está nada errado. Para o
benefício de todos, a literatura tem ressonâncias metafóricas com a nossa
realidade. Mas o problema com este tipo de leitura é que ela simplifica
sua compreensão da metáfora e é inadequada no sentido do literalismo da ficção.
Isso não quer dizer que um livro não possa ser lido como algo sobre determinada
linha política. Mas ele não é uma alegoria e o seu significado sempre irá
escapar de qualquer tentativa de simplifica-lo em uma leitura individual – ou
pelo menos deveria. E um dragão em um romance fantástico pode ser uma metáfora
para todo tipo de coisa. Mas ele também é – pelo menos nos melhores livros – um
lagarto flamejante gigante.
A imprensa internacional já o comparou a Franz
Kafka, George Orwell e Philip K. Dick. Porém, como você entende e descreve o
seu processo criativo e de escrita?
Fico absurdamente lisonjeado com essas
comparações. Eu diria que o meu processo de escrita é confuso, incoerente,
agitado, esperançoso e frustrante. Eu ainda procuro estrutura. E não sei se vou
melhorar nesse processo, mas ainda sonho com isso. Já minha relação com a
literatura é de fascinação, intenso amor e comprometimento com as leituras que
faço.
Você também é um respeitado professor de escrita
criativa. Assim, em um cenário no qual todas as ideias já parecem ter sido
usadas, como escrever algo novo?
Lutar por “novidade” e “singularidade” pode
entristecê-lo. E não existe “sem novas ideias”. Talvez a melhor coisa seja
refazer, recombinar e misturar as ideias em novas combinações. Para ser
honesto, creio que muitos de nós têm ideias melhores do que realmente achamos
ter. Acho que um dos grandes problemas que encaramos é que as pessoas são
treinadas a escutar que suas ideias são ridículas, desanimando rapidamente.
Acho que o maior problema que as pessoas enfrentam não é a falta de ideia, mas
sim o desencorajamento em seguir firme com elas.
Como você compreende a literatura fantástica
atual?
Eu espero por melhorias tanto no escopo de
representação e representantes, quanto na qualidade. No geral, acredito
em uma melhoria lenta no futuro. Acho que seria muito legal ter mais gente
esforçada – para ficar claro, não apenas no fantástico. Eu quero que a fantasia
aprenda a ‘roubar’ o melhor da literatura. Não quero parodiar. Particularmente,
espero por mais experimentalismo.
Você escreveu romances, histórias curtas, séries
em quadrinhos e até livro de RPG. Quais caminhos a literatura ainda pode dar a
você?
Eu diria que tenho interesse em trabalhar com
videogames, num mundo de criação mais geral. E gostaria de colaborar mais com
os artistas, até mesmo com artistas da música. Também gostaria de escrever mais
obras não ficcionais. Mas acho que meu coração ficará sempre na ficção.
Estação Perdido é o primeiro volume de uma
trilogia. É difícil construir esse tipo de narrativa, onde cada livro deve
manter sua individualidade ao mesmo tempo em que integra uma estrutura maior?
Para mim, isto nunca foi um grande problema. Em
parte, porque Estação Perdido não é o começo de uma trilogia ou série,
estritamente falando. Os três livros são localizados no mesmo mundo, próximos
na época, com personagens compartilhados e referências a situações de outras
obras. Mas os três livros foram cuidadosamente planejados como obras
independentes. É muito importante para mim que cada volume trabalhe sob seus
próprios termos, e que você não precise ler nenhum outro para fazer sentido
nesses (mas se o fizer, é capaz de perceber certas referências).