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Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Meu processo é confuso, incoerente, agitado, esperançoso e frustrante"

Depois de 16 anos, o escritor de ficção científica China Miéville lança 'Estação Perdido' no Brasil e comenta sobre seu trabalho



Há 16 anos, o premiado escritor inglês de ficção científica China Miéville surpreendia o gênero com Estação Perdido, obra distópica sobre um universo habitado por seres fantásticos, mas sujeitos às menores trivialidades de nossa realidade. O livro chega agora às livrarias brasileiras pela Editora Boitempo, e Miéville conversou com GALILEU para falar sobre o seu trabalho, os conflitos entre ficção e realidade, processo criativo, produção de ideias e perspectivas da literatura fantástica.
O leitor de literatura fantástica/ficcional é mais difícil de se conquistar?

Eu acredito que há uma certa globalização da cultura geek. Certamente nesses mais de 16 anos que tenho trabalhado fora, vi uma recente explosão na visibilidade da audiência por ficção especulativa (classificação que abrange principalmente terror, fantasia e sci-fi) em todas suas formas, internacionalmente.  Eu sinto que há um aumento na audiência mundial por tal ficção e arte. Assim como a recuperação de formas anteriores pouco respeitadas.

Em Estação Perdido encontramos seres de diferentes espécies vivendo sob uma rígida hierarquia social e um forte sistema autoritário e corrupto. E naturalmente, muitos podem relacionar esse universo com o mundo real. Assim, você acha que a literatura ficcional perde o seu significado com essas constantes comparações?

Há uma grande angústia em alguns leitores para entender o que o livro realmente significa – decifrar uma interpretação específica e exclusiva sobre o nosso mundo. E não está nada errado. Para o benefício de todos, a literatura tem ressonâncias metafóricas com a nossa realidade.  Mas o problema com este tipo de leitura é que ela simplifica sua compreensão da metáfora e é inadequada no sentido do literalismo da ficção. Isso não quer dizer que um livro não possa ser lido como algo sobre determinada linha política. Mas ele não é uma alegoria e o seu significado sempre irá escapar de qualquer tentativa de simplifica-lo em uma leitura individual – ou pelo menos deveria. E um dragão em um romance fantástico pode ser uma metáfora para todo tipo de coisa. Mas ele também é – pelo menos nos melhores livros – um lagarto flamejante gigante. 

A imprensa internacional já o comparou a Franz Kafka, George Orwell e Philip K. Dick. Porém, como você entende e descreve o seu processo criativo e de escrita?

Fico absurdamente lisonjeado com essas comparações. Eu diria que o meu processo de escrita é confuso, incoerente, agitado, esperançoso e frustrante. Eu ainda procuro estrutura. E não sei se vou melhorar nesse processo, mas ainda sonho com isso. Já minha relação com a literatura é de fascinação, intenso amor e comprometimento com as leituras que faço.

Você também é um respeitado professor de escrita criativa. Assim, em um cenário no qual todas as ideias já parecem ter sido usadas, como escrever algo novo?

Lutar por “novidade” e “singularidade” pode entristecê-lo. E não existe “sem novas ideias”. Talvez a melhor coisa seja refazer, recombinar e misturar as ideias em novas combinações.  Para ser honesto, creio que muitos de nós têm ideias melhores do que realmente achamos ter.  Acho que um dos grandes problemas que encaramos é que as pessoas são treinadas a escutar que suas ideias são ridículas, desanimando rapidamente. Acho que o maior problema que as pessoas enfrentam não é a falta de ideia, mas sim o desencorajamento em seguir firme com elas. 

Como você compreende a literatura fantástica atual?

Eu espero por melhorias tanto no escopo de representação e representantes, quanto na qualidade.  No geral, acredito em uma melhoria lenta no futuro. Acho que seria muito legal ter mais gente esforçada – para ficar claro, não apenas no fantástico. Eu quero que a fantasia aprenda a ‘roubar’ o melhor da literatura. Não quero parodiar. Particularmente, espero por mais experimentalismo.

Você escreveu romances, histórias curtas, séries em quadrinhos e até livro de RPG. Quais caminhos a literatura ainda pode dar a você?

Eu diria que tenho interesse em trabalhar com videogames, num mundo de criação mais geral. E gostaria de colaborar mais com os artistas, até mesmo com artistas da música. Também gostaria de escrever mais obras não ficcionais. Mas acho que meu coração ficará sempre na ficção.

Estação Perdido é o primeiro volume de uma trilogia. É difícil construir esse tipo de narrativa, onde cada livro deve manter sua individualidade ao mesmo tempo em que integra uma estrutura maior?

Para mim, isto nunca foi um grande problema. Em parte, porque Estação Perdido não é o começo de uma trilogia ou série, estritamente falando. Os três livros são localizados no mesmo mundo, próximos na época, com personagens compartilhados e referências a situações de outras obras. Mas os três livros foram cuidadosamente planejados como obras independentes. É muito importante para mim que cada volume trabalhe sob seus próprios termos, e que você não precise ler nenhum outro para fazer sentido nesses (mas se o fizer, é capaz de perceber certas referências).