(Av. Agamenon Magalhães)
Uma voz lhe dizia:
Escreva, escreva...
Os olhos não se cansavam de ter o pasmo
de contemplar as coisas como da primeira vez.
Passava horas admirando os ipês da Agamenon
Magalhães. Uma vez quase era atropelado.
Gostava de ficar tomando café durante a noite,
pois era quando produzia mais, adorava o silêncio
noturno que só era quebrado pelas suas músicas
prediletas que escutava com o fone de ouvido.
Estava de saco cheio com as reuniões de
Narcóticos Anônimos. Achar um cérebro
pensante estava cada vez mais difícil nessa
cidade.
Na igreja também não se enquadrava. Tinha parado de
beber e de usar drogas, mas tinha ficado um vazio do
tamanho de um bonde. 100% dos seus amigos ou eram
alcóolatras ou drogonautas. Agora tinha de
evitá-los.
E não tinha contra partida. Tinha que dar dentada em
granito. Mas tava conseguindo. Recentemente passou
por uma depressão braba. Vinte e oito dias sem sair
de casa.
Conseguiu ficar bom sem remédios. Gostava de
ouvir o canto dos pássaros na sua casa. Não tinha mais saco de andar na
Jaqueira.
Perdeu as esperanças de fazer um novo círculo de
amizade. Se contentava em falar com os velhos amigos por telefone, quando
geralmente os encontrava bêbados, mas ele entrava no
clima,
não precisava de mais nada para fazer a cabeça, era
doido por
natureza.
O filho mais velho o invejava ao vê-lo
altamente eufórico
só com uma latinha de coca-cola. A única coisa que
se arrependia
era de não ter experimentado LSD e mescalina.
Abria
seu coração como quem abre a porta do guarda roupa. Jesus era
seu ídolo, mas achava que o evangelho estava muito deturpado nas
igrejas. Não se sentia à vontade em nenhuma delas.
Gostava também de Buda, do Taoísmo e do Hare Krishna. Adorava meditar. Uma vez
ficou meditando durante três horas seguidas. Saiu andando em estado
de graça, rindo pra todo mundo. Às vezes ele não se suporta, mas
passa.
Carlos Maia, em Memória das Pedras
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