Aos Mestres, com carinho!

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Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Toda Poesia, Paulo Leminski (se quiser baixar é só chegar)


Mestre


Para download de Toda Poesia, clique aqui



Bem no fundo


No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas



Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?


Amar você é
coisa de minutos…


Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui



Adminimistério

Quando o mistério chegar,
já vai me encontrar dormindo,
metade dando pro sábado,
outra metade, domingo.
Não haja som nem silêncio,
quando o mistério aumentar.
Silêncio é coisa sem senso,
não cesso de observar.
Mistério, algo que, penso,
mais tempo, menos lugar.
Quando o mistério voltar,
meu sono esteja tão solto,
nem haja susto no mundo
que possa me sustentar.
Meia-noite, livro aberto.
Mariposas e mosquitos
pousam no texto incerto.
Seria o branco da folha,
luz que parece objeto?
Quem sabe o cheiro do preto,
que cai ali como um resto?
Ou seria que os insetos
descobriram parentesco
com as letras do alfabeto?



A lua no cinema

A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!


a lei do quão

Deve ocorrer em breve
uma brisa que leve
um jeito de chuva
à última branca de neve.
Até lá, observe-se
a mais estrita disciplina.
A sombra máxima
pode vir da luz mínima.


minifesto

ave a raiva desta noite
a baita lasca fúria abrupta
louca besta vaca solta
ruiva luz que contra o dia
tanto e tarde madrugastes
morra a calma desta tarde
morra em ouro
enfim, mais seda
a morte, essa fraude,
quando próspera
viva e morra sobretudo
este dia, metal vil,
surdo, cego e mudo,
nele tudo foi e, se ser foi tudo,
já nem tudo nem sei
se vai saber a primavera
ou se um dia saberei
que nem eu saber nem ser nem era
Vim pelo caminho difícil,
a linha que nunca termina,
a linha bate na pedra,
a palavra quebra uma esquina,
mínima linha vazia,
a linha, uma vida inteira,


o que quer dizer

(para Haroldo de Campos,
translator maximus)

O que quer dizer, diz.

Não fica fazendo
o que, um dia, eu sempre fiz.
Não fica só querendo, querendo,
coisa que eu nunca quis.
O que quer dizer, diz.
Só se dizendo num outro
o que, um dia, se disse,
um dia, vai ser feliz.


sem budismo


Poema que é bom

acaba zero a zero.
Acaba com.
Não como eu quero.
Começa sem.
Com, digamos, certo verso,
veneno de letra,
bolero. Ou menos.
Tira daqui, bota dali,
um lugar, não caminho.
Prossegue de si.
Seguro morreu de velho,
e sozinho.
o amor, esse sufoco,
agora há pouco era muito,
agora, apenas um sopro
ah, troço de louco,
corações trocando rosas,
e socos


narájow

Uma mosca pouse no mapa

e me pouse em Narájow,
a aldeia donde veio
o pai do meu pai,
o que veio fazer a América,
o que vai fazer o contrário,
a Polônia na memória,
o Atlântico na frente,
o Vístula na veia.
Que sabe a mosca da ferida
que a distância faz na carne viva,
quando um navio sai do porto
jogando a última partida?
Onde andou esse mapa
que só agora estende a palma
para receber essa mosca,
que nele cai, matemática?

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