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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

FRÁGIL DEMOCRACIA - Collor, Itamar, FHC e os Militares (1990-1998)

Publicado originalmente em 6 de junho de 2009, no Claudicando.


Em Frágil Democracia – Collor, Itamar, FHC e os Militares (1990-1998), temos uma visão diferente de como anda a democracia brasileira. Destoando do comumente dito acerca da consolidação do nosso atual regime político, Jorge Zaverucha, seu autor, após uma profunda análise do cotidiano das relações políticas entre civis e militares, constata que é frágil a nossa democracia.


O livro inicialmente nos dá uma noção dos requisitos para se classificar um regime político de democrático. Citando Dahl, são elencados os pré-requisitos necessários a existência de uma poliarquia (democracia política), mas, acrescenta o autor que o Brasil de hoje, mesmo preenchendo “os critérios de Dahl, é uma poliarquia, tal como os Estados Unidos, mas, ao contrário destes, não possui um regime democrático”.



Ao caminhar do texto compreendemos que “regime é, portanto, um conceito mais amplo que governo”, podendo o governo ser democrático, mas o regime não, como no nosso caso.



Buscando demonstrar a sua tese, de que sem um controle civil democrático sobre os militares não há a possibilidade da existência de um regime democrático ‘consolidado’ e que a democracia brasileira, frágil e tutelada não detém tal controle, o autor afirma, ainda, que se falar em uma democracia consolidada apresenta uma série de dificuldades, pois “o termo consolidação é, em certo sentido, enganador. (...), a democracia é algo que está sempre em construção”.



Voltando ao âmago da questão do livro, isto é, demonstrar que o regime político brasileiro é frágil e tutelado em virtude da ausência de um controle civil democrático sobre os militares, o autor assevera que “os militares brasileiros continuam a exercer influência política e deter prerrogativas incompatíveis com um regime democrático” e alerta para o fato de que a intimidação “não pode servir como moeda política”.



Os militares brasileiros, a partir da transição do regime autoritário para o governo democrático, mantiverem alguns privilégios antidemocráticos, enclaves autoritários nas palavras do autor – no capítulo 2 do livro o autor faz uma análise detalhada destas prerrogativas ou enclaves, - que seriam naturais, inicialmente, para poder se estabelecer a transição, mas que os governos democráticos posteriores procurariam minimiza-las até o ponto de estabelecer o controle efetivo civil democrático sobre os militares.



No episódio brasileiro isto não aconteceu, diferentemente o caso “espanhol, o português, o grego e, com generosidade o uruguaio” em que os militares não utilizam o seu poder para intimidar o poder civil; esta transição não ocorreu no Brasil, e Frágil Democracia bem ilustra tal situação através de grande quantidade de exemplos, principalmente nos capítulos 3, 4 e 5, onde são relacionados diversos acontecimentos nos governos de Collor, Itamar e no primeiro governo FHC, respectivamente, do jogo de poder entre os governos civis e os militares, onde é demonstrada a existência de um ‘acordo’ em que “os militares não procuram dar um golpe de Estado, nem os civis trabalham por um regime democrático”, ou seja, esta tudo bem para as partes envolvidas.



Comprovando a sua tese, o autor demonstra que a própria Constituição pós-regime autoritário manteve diversos dispositivos que não se coadunam com um regime democrático, entre outros exemplos podemos destacar a manutenção do papel das forças armadas como guardiãs da democracia, art. 142 da constituição, tal como constava da Carta autoritária de 67/69, e não os poderes clássicos democráticos e políticos, como é de praxe nos países em que o regime democrático pleno é uma realidade. E mais surpreendente, a revisão constitucional de 93/94 conservou intactos todos esses enclaves autoritários.



Da leitura do livro não sairemos mais como o iniciamos, um mundo novo é descortinado através de exaustivos exemplos dessa relação civil-militar em que percebemos a fragilidade e a tutela da nossa democracia política, o que nos impede de caminharmos para o desenvolvimento de uma democracia verdadeiramente efetiva e não apenas formal. Mesmo esta democracia formal está aqui a ser contestada.



Vemos o poder militar, qual um espectro, se instituir como um quarto poder, tal qual o superdimensionado poder moderador da época de Dom Pedro I, o que leva o Jorge Zaverucha a concluir que “custa-nos aceitar uma verdade: a de que os militares são submissos ao poder civil quando as coisas, em especial, ocorrem do modo como eles querem”. Assertiva com a qual concordamos plenamente. Caso fôssemos discordar, a partir de uma contra-argumentação científica, a vasta observação dos fatos narrados no livro nos desmentiriam.



Haverá uma saída? A debilidade social, econômica, financeira, política e moral do país é um grande entrave a uma saída democrática, mas o próprio autor insinua que é “preciso que os militares ajudem os civis a implementarem as decisões políticas do governo, em vez de intimidá-los com ameaça de nova intervenção política quando seus interesses são contrariados”, ou seja, cada um cumprindo o seu papel dentro de um regime político democrático. É difícil tal cooperação quando as relações mundiais são hobbesianas, e tais relações refletem-se em nossa sociedade em qualquer universo considerado. Portanto a necessidade de instituições civis fortes a minimizar tais conflitos.



Que a situação da democracia brasileira era delicada já sabíamos, mas a leitura de Frágil Democracia demonstra que a mesma é mais frágil que imaginávamos e ainda por cima tutelada. Acordamos para um pesadelo ou tomamos consciência do mesmo a fim de enfrentá-lo?



(Itárcio Ferreira)



(Resenha escrita em 2002, para a cadeira de Introdução à Ciência Política, do curso de Mestrado em Gestão Pública, da UFPE. O texto estava salvo em um disquete perdido em meu guarda-roupa). 

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