Aos Mestres, com carinho!

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Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Boitempo indica leituras de fim de ano!

Recomendações de leitura 2014
Dois mil e crazy, dois mil e catarse, 2014… que ano! A Boitempo preparou uma série de indicações de livros para ler ou presentear os queridos.
Confira abaixo sugestões de nossos funcionários, colaboradores e autores:
A Atualidade da Atualidade da Depressão
Para esta época natalina, repleta de balanços, balancetes e demasiados ajustes de contas com o destino e o mundo, recomendo o livro de Maria Rita Kehl, O tempo e o cão – a atualidade das depressões, que ganhou o prêmio Jabuti de 2010. Para este tempo de distanciamento da pressão e de espera do recomeço, às vezes maníaco do ano-novo, nada melhor que este tempo reencontrado das depressões produtivas e improdutivas. O trabalho da Maria Rita, recém-egressa do brilhante trabalho junto à Comissão Nacional da Verdade, reúne os três movimentos para pensarmos uma psicopatologia crítica, ou seja, uma forte incursão pelas modalidades históricas que construíram nossa atual experiência depressiva do mundo desde sua separação da melancolia, um diálogo transversal com os saberes que universalizam a depressão para a além de sua dimensão patológica, desde a filosofia até a literatura e as artes, terminando pelo retorno ao relato clínico e sua hipótese concernente à experiência do tempo, na fantasia e na posição subjetiva do deprimido.
Discutindo com Alain Ehrenberg, que mostrou porque a depressão é a forma prevalente de mal-estar no enquadramento social do neoliberalismo, e continuando a tradição de crítica da subjetividade inaugurada por Adorno e Benjamin, Maria Rita confirma que há uma psicanálise que consegue dizer mais além de seus próprios muros. Esta analítica do tempo consegue mostrar em ato que a clínica psicanalítica nada mais é do que crítica social feita por outros meios:
“Para este tempo achado, que o sujeito toma para si como momento oportuno (Kairós), o analisando só se torna disponível depois de desprender da posição fantasmática que fazia de seu tempo um movimento de eterno retorno às formas de servidão infantil.”
Boa leitura, para apreciar com moderação, para sorver com cuidado, longe das urgências universitárias.
Christian Dunker, autor
Como vou ministrar um curso de introdução à sociologia clássica no próximo semestre, sinto a necessidade de me atualizar e nada mais recomendável do que o novo livro de Michael Löwy, A jaula de aço: Max Weber e o marxismo weberiano. Como tive a oportunidade de receber Michael na USP no ano de 2012, ocasião em que ele ministrou aulas sobre os temas deste livro, estou familiarizado com o resgate empreendido pelo autor das surpreendentes “afinidades eletivas” anti-capitalistas existentes entre Weber e Marx. Trata-se de uma perspectiva inovadora, principalmente, em relação a Weber, e bastante audaciosa em se tratando de teoria sociológica. Além disso, o livro permite avançar sobre autores, tais como G. Lukács e W. Benjamin, por exemplo, que foram muito influenciados por Weber e cuja contribuição para a reconstrução do marxismo no século XX é verdadeiramente inestimável.
Ruy Braga, autor
Marxismo e Direito: um estudo sobre Pachukanis, de Márcio Bilharinho Naves, desde seu lançamento em 2000 foi um divisor de águas na teoria marxista sobre o direito. Antes de tal obra, muitos ainda trilhavam a ilusão de que reformas jurídicas fossem o meio de, quantitativamente, se chegar ao socialismo. Mas Naves vai às minúcias do pensamento pachukaniano para demonstrar a especificidade do direito no capitalismo. A forma jurídica é espelho da forma mercadoria. O direito, mais ou menos ou diferente, é sempre capitalismo. Já Engels e Kautsky, no primoroso O socialismo jurídico, assim também apontavam no século XIX. Tais reflexões são balizas que fundamentam minhas próprias reflexões, como em Estado e forma política.
Alysson Mascaro, autor
 
Minha indicação não será de um lançamento (embora tenhamos excelentes este ano!), mas de um livro que julgo fundamental, não apenas pelo tema tratado (uma educação revolucionária), mas por ser uma obra acessível, introdutória ao pensamento – por vezes complexo – do grande filósofo húngaro István Mészáros: A educação para além do capital. Nesse pequeno livro, Mészáros afirma que a educação não é um negócio, é criação. Que educação não deve qualificar para o mercado, mas para a vida. O autor ensina que pensar a sociedade tendo como parâmetro o ser humano exige a superação da lógica desumanizadora do capital, que tem no individualismo, no lucro e na competição seus fundamentos. Que educar é – citando Gramsci – colocar fim à separação entre Homo faber e Homo sapiens; é resgatar o sentido estruturante da educação e de sua relação com o trabalho, as suas possibilidades criativas e emancipatórias. E recorda que transformar essas ideias e princípios em práticas concretas é uma tarefa a exigir ações que vão muito além dos espaços das salas de aula, dos gabinetes e dos fóruns acadêmicos. Que a educação não pode ser encerrada no terreno estrito da pedagogia, mas tem de sair às ruas, para os espaços públicos, e se abrir para o mundo. Reflete sobre algumas questões de primeira ordem, tais como: Qual o papel da educação na construção de um outro mundo possível? Como construir uma educação cuja principal referência seja o ser humano? Como se constitui uma educação que realize as transformações políticas, econômicas, culturais e sociais necessárias?
Pequeno em tamanho, é um livro imenso em esperança e determinação. Nele, o pensador marxista condena as mentalidades fatalistas que se conformam com a ideia de que não existe alternativa à globalização capitalista. Em Mészáros, educar não é a mera transferência de conhecimentos, mas sim conscientização e testemunho de vida. É construir, libertar o ser humano das cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo que a história é um campo aberto de possibilidades. Esse é o sentido: educar para além do capital implica pensar uma sociedade para além do capital.

Ivana Jinkings, editora
Recomendar livros da Boitempo é fácil! Fazer isso em poucos caracteres é que torna a missão quase impossível! Pra economizar letrinhas, vou me focar nos três lançamentos de estreia do selo Barricada, de HQs, que veio para mostrar que a literatura se renova sempre, em formato e conteúdo. Cânone gráfico, a maravilhosa série, organizada por Russ Kick, da qual acabamos de publicar o primeiro volume, que transporta para a linguagem dos quadrinhos e das ilustrações algumas das mais incríveis histórias escritas desde o começo dos séculos, como o Mahabharata, As mil e uma noites, peças de Eurípides e Aristófanes, romances de cavalaria, sonetos shakesperianos, textos de Benjamin Franklin e muito mais, culminando, neste volume, em As ligações perigosas (só pra dar água na boca, o volume seguinte vai de Kublai Khan a O retrato de Dorian Gray), tudo isso transformado em quadrinhos por gente como Will Eisner, Robert Crumb, Peter Kuper e outros artistas extremamente talentosos. Pra quem gosta de quadrinhos e literatura, mas sabendo que se trata de uma obra em si mesma, não de nenhuma releitura caça-níqueis chatinha. Da alemã Franziska Becker, o álbum Último aviso, com charges selecionadas dessa feminista sagaz e brilhante, capaz de rir de si mesma, do mundo e, pior, de nós leitores, que fechamos o livro com uma imprecisa sensação de que em algum momento já fizemos alguma daquelas coisas ridiculamente humanas. E, por fim, nosso brasileiro, Claun: a saga dos bate-bolas, quadrinho que conta a história dos grupos de foliões mascarados que tomam as ruas do Rio de Janeiro durante o carnaval desde o início do século XX, colorindo a periferia da cidade e fazendo barulho, provocando tumulto e agitando o imaginário dos cariocas – afinal, o carnaval do Rio não se resume às caríssimas celebridades cuidadosamente embrulhadas em anúncios de marcas de cerveja, ele também é contestação, é a época em que, fantasiados, todos podem ser heróis por três dias. A criação e o roteiro são do cineasta Felipe Bragança, a arte é de Daniel Sake, Diego Sanchez e Gustavo Bragança. Divirtam-se!
Bibiana Leme, editora-adjunta
Depois de um ano tão denso do ponto de vista político, social e humano, nada melhor do que recuperar o fôlego tirando uns dias para refletir sobre tudo o que se deu e sobre tudo o que está aí. Bons livros costumam ser os melhores companheiros nessa jornada. E como o tempo é artigo raro mesmo nas férias, recomendo duas leituras breves, pequenos frascos que contêm grandes perfumes, e outra, um pouco mais ampla, de peso histórico.
O ódio à democracia, do filósofo francês Jacques Rancière, numa cuidadosa tradução de Mariana Echalar, pode nos ajudar a entender de onde vem, por exemplo, a absurda grita, em pleno 2014, pela volta do regime militar no Brasil. Em pouco mais de 100 páginas, o autor recua até a Antiguidade clássica e dialoga com pensadores de diferentes épocas para colocar em perspectiva o mal-estar que a palavra democracia vem causando ao longo dos séculos. “Ela não se fundamenta em nenhuma natureza das coisas e não é garantida por nenhuma forma institucional. Não é trazida por nenhuma necessidade histórica e não traz nenhuma. Está entregue apenas à constância de seus próprios atos. A coisa tem por que suscitar medo e, portanto, ódio, entre os que estão acostumados a exercer o magistério do pensamento. Mas, entre os que sabem partilhar com qualquer um o poder igual da inteligência, pode suscitar, ao contrário, coragem e, portanto, felicidade.”
Dando continuidade a essa reflexão, mas num registro um pouco diferente, o economista Marcio Pochmann limpa todo o ranço do senso comum, à direita e também à (pseudo) esquerda, no debate sobre a questão da inclusão social no Brasil do século XXI. Nas quase 150 páginas de O mito da grande classe média, ele nos faz enxergar quanta balela e quanto preconceito há no discurso que quer, a todo custo, enquadrar numa nova classe média a ascensão e o fortalecimento das classes trabalhadoras. Leia com cuidado, especialmente se sua ceia de Natal e de Réveillon estiver rodeada por cozinheiras, empregadas domésticas e babás trabalhando até altas madrugadas em pleno feriado.
E para entender onde tudo isso começou, Trabalhadores, uni-vos!, organizado pelo cientista político italiano Marcello Musto e traduzido por Rubens Enderle (que em 2014 ganhou o Jabuti pela tradução de O capital, Livro I, de Marx), traz os textos originais da Associação Internacional dos Trabalhadores, a I Internacional, que acaba de completar 150 anos. É uma antologia emocionante, da mensagem inaugural – onde se encontra a famosa frase que dá título à obra  – às discussões sobre temas como o trabalho, os sindicatos, as greves, a educação, a Comuna de Paris etc. Tudo demasiadamente atual, como destaca o organizador do volume numa introdução que, além de ser um delicioso banho de história, é um chamado à cidadania. Numa edição caprichada, com uma série de imagens, é, no mínimo, um belo presente de Natal.
Com esses três companheiros de jornada, depois de refletir sobre tudo o que se deu e sobre tudo o que está aí, você certamente vai enxergar com outros olhos tudo o que ainda está por vir. Feliz 2015!
Isabella Marcatti, editora-adjunta
Eu recomendo para as férias a leitura do Cânone gráfico, v.1. Achei muito interessante a ideia de republicar clássicos em quadrinhos. Essa coletânea é ótima para conhecer um pouquinho da literatura de várias partes do mundo. Gostei bastante do que li até agora e adorei as imagens. Não costumo ler quadrinhos, por isso está sendo uma experiência diferente para mim.
Livia Campos, produção gráfica
Em 2012, numa de suas históricas conferências, David Harvey observou quão irrestrita é a criatividade do capitalismo. Não existem limitações para a imaginação deste sistema, que não precisa se preocupar com qualquer princípio ou valor além da perpétua busca pela geração de lucro. Para Harvey, uma das principais causas da dissolução da URSS foi a limitação da criatividade com a qual o socialismo disputava o imaginário social em tempos de guerra fria – a esquerda tem, portanto, o dever de elaborar em novos termos seus discursos e suas bandeiras. Este é o argumento central do artigo “Marxismo e fantasia” (publicado na Margem Esquerda 23) e também a base da militância estética de China Miéville – um dos maiores nomes da ficção científica e do pensamento marxista da atualidade, que temos o prazer de começar a publicar no Brasil este ano. A esquerda precisa abraçar o pensamento fantástico (do que mais são feitas as utopias, os ‘outros mundos possíveis’ e a própria crítica negativa?), superar os vícios culturais elitistas de nossa sociedade e exercitar o pensamento para além dos caminhos que estão dados. Confesso estar apaixonado por essas armas da crítica defendidas por Harvey e Miéville, razão pela minha recomendação não poderia ser outra: A cidade & a cidade, romance de Miéville que pratica ficcionalmente a crítica dos processos urbanos contemporâneos pela qual Harvey se tornou tamanha referência.
Kim Doria, divulgação e eventos
Li recentemente Tempos difíceis, de Charles Dickens, e me encantei. A história parece falar de tempos idos, mas é atualíssima: a exploração, a degradação do meio ambiente, os políticos que parecem viver em outro mundo, as bizarrices que se cometem em nome do status… Dickens é sempre envolvente, mas largar desse livro não é uma tarefa fácil.
Mariana Echalar, tradutora
Eu recomendo a leitura do trabalho de Ludmila Costhek Abílio em Sem maquiagem, que parte de um estudo sério e aprofundado sobre o cotidiano das revendedoras de cosméticos, leva à reflexão não apenas sobre os novos mecanismos de opressão do proletariado contemporâneo, mas também lança um olhar atento para as mulheres dentro desse novo contexto. Pesquisa sensível, é voltada ao trabalho das revendedoras de cosméticos, sem, no entanto, ser um trabalho de gênero, uma vez que fomenta a visibilidade de contextos trabalhistas que, sob a égide do progresso, são naturalizados como “formas alternativas de trabalho”, sem problematização dos mecanismos que os movem. Também amo o Profanações do Agambem. Bom, na verdade, Boitempo é amor <3 span="">
Luciana Lima, revisora
Minha recomendação para este fim de ano é Último aviso, da cartunista alemã Franziska Becker. Franziska tem uma forma muito própria de apresentar situações cotidianas, com as quais todos nós nos identificamos, sempre com humor e um olhar ácido bastante divertido e provocador. Por isso, Último aviso combina bem com esta época do ano: é uma leitura deliciosa que, ao mesmo tempo, nos convida a refletir sobre questões de gênero, consumo, política e vários outros temas. Além disso, trata-se do primeiro título do selo Barricada, ótima iniciativa da Boitempo neste 2014 que chega ao fim. E que venham mais novidades em 2015!
Mariana Tavares, revisora

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