A internet é
como aqueles antigos álbuns de fotografia, nos faz reviver o passado. Às vezes
as lembranças são boas, outras, pesadelos.
Dia desses
encontrei no YouTube a música "O homem de Nazaré", interpretada por
Antônio Marcos.
A música me
lembrou o tempo, terrível, em que estudei no Colégio Imaculado Coração de
Maria, em Olinda, dos 12 aos 14 anos.
Terrível porque
naquela época, 1974/1976, eu era o cara mais tímido do mundo, de uma timidez
doentia: eu era depressivo e não sabia. Só vim descobrir minha depressão aos 23
anos.
Imaginem uma
pessoa, em sua essencial, alegre, brincalhão, criativo, aprisionado no corpo de
um pré-adolescente, ainda por cima deficiente físico, que mal conseguia dar bom
aos amigos, quando na verdade tinha vontade de abraça-los, sorri, brincar,
beijar.
Não cometi
suicídio por sorte, pois que nunca sofri bullying, ao contrário, apesar de super retraído e calado, haviam pessoas que gostavam de mim.
No Imaculado
lembro de André, um garoto um ano mais novo do que eu, cabelos loiros, que no
recreio sempre ficava em minha companhia. Para o meu azar, seu pai foi
transferido, a trabalho, para o Rio de Janeiro, e eu fiquei sem amigos. Obrigado, André.
Havia também uma
menina, Ana Paula Giffoni, linda, que gostava muito de mim e eu dela. Sempre conversávamos, e a
companhia dela me fez atravessar aquele inferno com um pouco mais de alegria. Obrigado, Ana.
Havia, ainda, uma outra
menina, Ana Virgínia, por quem sempre fui apaixonado, mas, claro, ela nunca
soube de minha paixão, nem que eu a achava a menina mais linda do mundo.
Ah Antônio
Marcos, era boa a lembrança da tua voz na canção "O homem de Nazaré",
sempre tocada nas aulas de religião. Obrigado.
Aqueles tempos
foram tão terríveis quantos os anos que passei trabalhando na Caixa Econômica
Federal, na agência Marcos Freire, também em Olinda, entre novembro de 1989 a
março de 1995.
Dali, ao
contrário do Imaculado - André, Ana Paula, Ana Virgínia, Antônio Marcos - não
consigo ter nenhuma lembrança agradável.
Contratado para
trabalhar seis horas diária, trabalhávamos dez, sem direito a horas extras ou
folgas.
Trabalhávamos
por pressão, - hoje assédio moral - tudo tinha um horário limite: passar por
telefone as aplicações do overnight; consertar os erros do sistema, na conta
acerto, antes da agência abrir; etc.
Tudo sob pena de
arcar financeiramente com os erros ou a demora em realizar procedimentos, o
que, claro, pois sou humano e não máquina, vez por outra acontecia, e o
desconto era feito no mesmo dia na minha conta corrente.
Óbvio que diante
de tanto abuso a minha depressão voltou com força total. Vivia, e trabalhava,
com a ajuda de medicamentos e uma grande dose de álcool.
Quem leu
"Cartas na rua", de Charles Bukowski, sabe do que estou falando. E lá, na Caixa, não havia
a voz de Antônio Marcos para me acalmar. Triste.
Itárcio Ferreira