Ao centro, na pintura, Nicolau Maquiavel, cercado por figuras da nobreza do Renascimento.
Via Brasil 247
Das peças de Shakespeare aos dramas modernos da TV, o maquinador
inescrupuloso, para quem os fins sempre justificam os meios, tornou-se um tipo
de personagem familiar que amamos odiar. Durante séculos, tivemos uma única
palavra para descrever tal personagem: “maquiavélico”. Mas é possível termos
usado essa palavra de maneira errada esse tempo todo?
Italiano, nascido em Florença em 3 de maio de 1469 e falecido em 21 de
junho de 1527, Nicolau Maquiavel foi um filósofo, historiador, poeta, diplomata
e músico de origem florentina do Renascimento. É reconhecido como fundador do
pensamento e da ciência política moderna, pelo fato de ter escrito sobre o
Estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser.
Maquiavel foi um grande gênio da ciência política de todos os tempos –
sobretudo devido a sua visão da relação entre poder e política -, porém o verdadeiro
sentido dos seus ensinamentos foram sendo distorcidos ao longo dos séculos.
Embora curta, esta lição dos cientistas políticos Pazit Cahlon e Alex Gendler
constituiu uma boa introdução. Quem quiser se aprofundar no tema pode começar
com a leitura de sua obra-prima “O Príncipe”, disponível online em várias
traduções para o português.
Vídeo:
Vídeo: TED Ideas Worth Spreading
Tradução: Maurício Kakuei Tanaka
Revisão: Raissa Mendes
Revisão: Raissa Mendes
Tradução integral da
lição de Pazit Cahlon e Alex Gendler:
Das peças de Shakespeare aos dramas modernos da TV, o maquinador
inescrupuloso, para quem os fins sempre justificam os meios, tornou-se um
tipo de personagem familiar que amamos odiar. Tão familiar, de fato, que,
durante séculos, tivemos uma única palavra para descrever tal
personagem: “maquiavélico”. Mas é possível termos usado essa palavra
de maneira errada esse tempo todo?
Um estadista do início do século 16, Nicolau Maquiavel, escreveu
muitas obras de história, filosofia e drama, mas sua notoriedade
duradoura vem de um breve ensaio político conhecido como “O
Príncipe”, concebido como conselhos para os monarcas da época e futuros. Maquiavel
não foi o primeiro a fazer isso. Na verdade, havia toda uma tradição de
obras conhecidas como “espelhos para príncipes”, que têm origem na
Antiguidade. Mas, ao contrário de seus predecessores, Maquiavel não tentou
descrever um governo ideal nem estimulou seu público a governar de forma
justa e íntegra. Em vez disso, concentrou-se na questão do
poder: como adquiri-lo e como mantê-lo. Nas décadas depois que foi
publicado, “O Príncipe” adquiriu uma reputação diabólica. Durante as
guerras religiosas na Europa, católicos e protestantes culparam
Maquiavel por atos inspiradores de violência e tirania cometidos por seus
oponentes. No final do século, Shakespeare usava “Maquiavel” para
denotar um oportunista amoral, levando diretamente ao nosso uso popular de
“maquiavélico” como sinônimo de vilania manipuladora.
À primeira vista, a reputação de “O Príncipe” como um manual para a
tirania parece bem-merecida. Todo o tempo, Maquiavel parece totalmente
despreocupado com a moralidade, exceto na medida em que é útil ou
prejudicial à manutenção do poder. Por exemplo, os príncipes são
instruídos a considerar todas as atrocidades necessárias para tomar o
poder e cometê-las de uma só vez para garantir a estabilidade
futura. Atacar territórios vizinhos e oprimir as minorias
religiosas são mencionados como formas eficazes de ocupar o
público. Com relação ao comportamento pessoal de um
príncipe, Maquiavel aconselha manter a aparência de virtudes como
honestidade ou generosidade, mas estar pronto para abandoná-las assim
que os interesses de alguém forem ameaçados. Mais notoriamente, ele
observa que, para um governante, “é muito mais seguro ser temido do que
amado”. O panfleto termina até mesmo com um apelo a Lourenço de
Médici, o governante recém-instalado de Florença, incitando-o a unir
as cidades-estados fragmentadas da Itália sob seu domínio.
Muitos justificaram Maquiavel como motivado pelo realismo não
sentimental e pelo desejo de paz em uma Itália dilacerada por conflitos
internos e externos. De acordo com essa visão, Maquiavel foi o
primeiro a entender uma verdade difícil: o bem maior da estabilidade
política vale quaisquer táticas repugnantes necessárias para
alcançá-la. O filósofo Isaiah Berlin sugeriu que, em vez de ser
amoral, “O Príncipe” tem origem na antiga moralidade grega, colocando
a glória do Estado acima do ideal cristão de salvação individual.
Mas o que sabemos sobre Maquiavel pode não se encaixar nessa
imagem. O autor servira em sua terra natal, Florença, durante 14 anos,
como diplomata, defendendo firmemente seu governo republicano
eleito contra pretensos monarcas.
Quando a família Médici tomou o poder, ele não apenas perdeu sua
posição, mas foi torturado e banido. Com isso em mente, é
possível ler o panfleto que ele escreveu do exílio não como uma defesa do
domínio principesco, mas como uma descrição contundente de seu
funcionamento. De fato, figuras iluministas como Spinoza viam isso
como um aviso para os cidadãos livres das várias maneiras pelas quais
podem ser subjugados por aspirantes ao governo.
De fato, ambas as leituras podem ser verdadeiras. Maquiavel pode
ter escrito um manual para governantes tiranos, mas, ao compartilhá-lo,
também revelou as cartas para os que seriam governados. Ao fazer
isso, revolucionou a filosofia política, lançando as bases para que
Hobbes e futuros pensadores estudassem os assuntos humanos com base em
suas realidades concretas em vez de ideais preconcebidos. Por meio de
sua honestidade brutal e chocante, Maquiavel procurou destruir as ilusões
populares sobre o que o poder realmente implica. E, como escreveu
para um amigo pouco antes de sua morte, ele esperava que as
pessoas “aprendessem o caminho para o inferno a fim de fugir dele”.