"Não tem porque interpretar um poema. O poema já é uma interpretação." (Mário Quintana)
Aos Mestres, com carinho!

Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos
quinta-feira, 24 de dezembro de 2015
quarta-feira, 23 de dezembro de 2015
Bronca com apê de Chico Buarque em Paris expõe intolerância e ressentimento

Pra quem odeia, o que dói mais é o sorriso – Foto Luciana Whitaker/Folhapress
Por Mario Magalhães, em seu blog
Pingos nos is: na essência, o que houve no Leblon na noite da segunda-feira não foi bate-boca.
E sim intimidação e provocação de um grupo de jovens adultos contra Chico Buarque, 71, e amigos com quem o artista passeava, depois de jantar.
Chico estava na dele.
O ato hostil decorre do que na cachola de intolerantes constitui delito de opinião.
A, B ou C? É o de menos. Poderia ser qualquer uma. O crime é ter e expressar opinião diversa.
“Você gravou um vídeo apoiando a Dilma'', disse em tom acusatório um dos participantes do cerco.
Diante da agressividade, Chico tentou esgrimir ideias. Pode-se concordar ou divergir dele. O inaceitável é levar uma dura por acreditar nisso ou naquilo.
O compositor que criou uma canção falando “no tempo da delicadeza'' escreveu sobre um porvir que parece cada vez mais alucinação utópica.
“Você é um merda'', berrou um sujeito para ele.
A desqualificação do interlocutor é característica autoritária. O mal não é apenas o que o outro pensa, mas o outro. No fundo, trai a indigência de argumentos.
“Vai correr daqui já?'', urrou um valentão de ópera-bufa.
Como Chico é Chico, enquanto rostos vincados pelo ódio o miravam, ele reagia com sorrisos. Para quem odeia, o que dói mais é o sorriso.
Retrato do Brasil, os insultos no Leblon são herança de nossas raízes.
Não somos a terra de gente cordial, mas onde a escravidão foi mais longeva, onde a desigualdade obscena campeia, onde depois de vencidos adversários são decapitados (de Canudos ao Araguaia, passando pelo cangaço).
Os intolerantes de anteontem aparentemente não querem cortar a cabeça de ninguém.
Talvez somente arrancar as cordas vocais. Pensar até pode. Falar seria prerrogativa de quem pensa igual.
O surto na noite do Rio têm outras ascendências. Na Alemanha da década de 1930, os nazistas perseguiam também quem ousava dizer não.
Os intolerantes da segunda-feira formam no que um protagonista do Brasil republicano ironizava como “a turma do Jockey''. Núcleos de grã-finos que pretendem impor a qualquer preço ideias e interesses.
Outro traço distintivo é a vulgaridade de certa elite, como contemplado no vídeo que nasceu como documento histórico e antropológico (para assisti-lo, é só clicar aqui).
Já de início a abordagem a Chico Buarque foi vulgar, tomando árvores pela floresta: “Todo mundo era seu fã, Chico''.
Um dos intolerantes, Alvaro Garnero Filho, é rebento do empresário Alvaro Garnero. O pai “confirmou a presença do filho no episódio'' e “disse que teve de explicar a Alvarinho quem era Chico Buarque“.
Quer vulgaridade e ignorância maiores que um marmanjo com acesso à educação e à cultura precisar de explicação, no século 21, sobre quem é Chico Buarque?
O milionário Alvaro Garnero é um dos herdeiros do grupo Monteiro Aranha.
A nau da intolerância guarda lugar para os ressentidos.
O mesmo indivíduo que chamou Chico Buarque de “merda'' falou: “Para quem mora em Paris, é fácil''.
Vacilou: “Você mora em Paris, não mora?''
Chico mora ali pertinho, no Leblon.
Logo outro provocador emendou “Tem um apartamento lá em Paris. É gostoso Paris, né?''
A bronca com o apê de Chico em Paris é o vômito dos ressentidos.
No Marais ou na Île Saint-Louis, o autor de “Vai trabalhar, vagabundo'' o comprou com dinheiro ganho honestamente.
Ao contrário de alguns brasileiros donos de imóveis na Europa, não recebeu de herança seu apartamento. E se tivesse?
Adquiriu-o com a grana suada do seu trabalho.
Qual o problema? Os fascistoides agora viraram partidários da propriedade coletiva?
De uma parte deles, Chico é alvo do ressentimento comum a determinada classe média que abomina pobre e inveja rico.
Nesse caso, merda é a inveja.
Para os ricos-ricos, Chico é um traidor. Traidor de classe.
Como pode um cidadão que vive no Leblon e tem apê na França não votar como a esmagadora maioria dos endinheirados?
Soa como exigência de fidelidade de classe. A diferença equivale a traição.
O silêncio sobre o comportamento primitivo e intolerante é conivente.
Vale o clichê: quem cala consente.
Não está em jogo, enfatizo, o mérito das opiniões de Chico Buarque, mas o direito democrático de manifestação dele e de todos os brasileiros.
Muita gente ralou para que opinar não resultasse mais em cana e castigo.
Só o que faltava era um bando furioso de intolerantes e ressentidos levar a melhor em sua cruzada obscurantista, rancorosa e vulgar.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2015
O ANIVERSÁRIO DO MEU FILHO, um conto de réis de Itárcio Ferreira

Meu
único filho nasceu quando eu tinha uns 20 anos. Um menino lindo e
gorduchinho, por quem eu me apaixonara ainda na barriga da mãe.
Casei
jovem, a conselho dos meus médicos, pois, na idade de três anos foi
acometido pela poliomielite. Caso eu quisesse ter filhos, deveria ser
rápido, antes dos trinta anos, pois uma das sequelas da pólio seria
a da de disfunção sexual.
Conheci
uma garota que tinha cara ser uma boa dona de casa, uma boa mãe,
inteligente, estudiosa, futura grande profissional.
Mas
com o nascimento do meu filho, a invenção do Viagra, meu apresado
casamento passou a ser uma tortura, a rotina deixava-me enlouquecido,
apenas meu bebê me trazia algum contentamento.
Não
passou muito tempo, arranjei uma amante. O sexo no meu casamento era
mais por obrigação do que por prazer, não só de minha parte, mas
de minha esposa também, apenas fingíamos estar tudo bem em prol da
manutenção da família.
Algo
deveria acontecer para que essa situação cessasse. Eu, por gratidão
e generosidade a minha esposa, nunca teria coragem de encerrar o
casamento.
Minha
esposa pela educação castradora que lhe foi imposta pela família,
e culpas impostas pelo cristianismo, de modo algum proporia acabar
nosso casamento.
E
o tempo passava. Clamávamos por liberdade. Minha amante aceitava o
seu papel na farsa, sentia-se bem como amante, livre, inclusive para
colocar mais alguém no jogo.
No
aniversário de quatro anos do meu filho, resolvi fazer uma loucura,
convidei Vanda, minha amante para a festa. Pedi a ela que fosse
acompanhada de alguém, um falso namorado, para não despertar,
imediatamente, nenhuma suspeita por parte de ninguém, principalmente
de Leda, minha esposa.
Na
festa, o pequeno Davi estava encantador, todo alinhado, riso fácil,
transitando de colo em colo, através de sua babá e de sua mãe,
quando me avistava sorria e chamava o meu nome, eu de pronto atendia
aos seus caprichos.
Para
meu assombro e medo, Vanda e Leda se deram muito bem. A minha
brincadeira ou loucura multiplicara-se por “n” vezes. A partir
daquela festa tornaram-se amigas: shopping, cinema, pediatra de Davi.
Pedi a Vanda que se afastasse de minha família. Mas nada. Cheguei a
falar mal de Vanda para minha esposa, fazer intriga: nada!
Bem. resumindo a história. Estou divorciado e bem solteiro, assim como
sempre desejei, e feliz. Davi continua um lindo garoto. Cinco anos,
saudável. Leda e Vanda formam um casal maravilhoso.
domingo, 20 de dezembro de 2015
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
Difícil fotografar o silêncio, poema de Manoel de Barros
Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta.
Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada, a minha aldeia estava morta.
Não se via ou ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas. Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã. Ia o silêncio pela rua carregando um bêbado. Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei
minha máquina de novo.
Tinha
um perfume de jasmim no beiral do sobrado.
Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Fotografei o perfume. Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi
ainda um azul-perdão no olho de um mendigo. Fotografei o
perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakoviski - seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa. Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre. Por fim eu enxerguei a nuvem de calça.
Representou pra mim que ela andava na aldeia de braços com Maiakoviski - seu criador.
Fotografei a nuvem de calça e o poeta. Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais justa para cobrir sua noiva.
A foto saiu legal.
Manoel de Barros
quinta-feira, 17 de dezembro de 2015
Poema do Menino Jesus, de Fernando Pessoa

Num
meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
(...)
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
(...)
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
(...)
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu no primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
(...)
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural.
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
(...)
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontado.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens
E ele sorri porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do Sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos dos muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam ?
Fonte: Memória das Pedras
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
Presságio, poema de Fernando Pessoa

O
AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
24/04/1928
Reflexo, poema de Pablo Neruda
Se
sou amado,
quanto
mais amado
mais correspondo ao amor.
Se sou esquecido,
devo esquecer também,
Pois amor é feito espelho:
-tem que ter reflexo.
mais correspondo ao amor.
Se sou esquecido,
devo esquecer também,
Pois amor é feito espelho:
-tem que ter reflexo.
terça-feira, 15 de dezembro de 2015
Serei Conde, Marquês e Deputado, poema de Luiz Gama

Pelas ruas vagava, em desatino,
Em busca do seu asno que fugira,
Um pobre paspalhão apatetado,
Que dizia chamar-se - Macambira.
A todos perguntava se não viram
O bruto que era seu, e desertara;
Ele é sério (dizia), está ferrado,
E tem o branco focinho, é malacara.
Eis que encontra postado numa esquina,
Um esperto, ardiloso capadócio,
Dos que mofam da pobre humanidade,
Vivendo, por milagre, santo ócio.
Olá, senhor meu amo, lhe pergunta
O pobre do matuto, agoniado;
“Por aqui não passou o meu burrego
Que tem ruço o focinho, o pé calçado?”
Responde-lhe o tratante, em tom de mofa:
“O seu burro, Senhor, aqui passou,
Mas um guapo Ministro fê-lo presa,
E num parvo Barão o transformou!”
Ó Virgem Santa! (exclama o tabaréu,
Da cabeça tirando o seu chapéu)
Se me pilha o Ministro, neste estado,
Serei Conde, Marquês e Deputado!.
segunda-feira, 14 de dezembro de 2015
As 20 melhores utopias da literatura

Abraham Ortelius - Maris Pacifici (1589) |
A utopia no século XXI está, infelizmente, muito próxima do significado dos radicais gregos "não" e "lugar" que originaram a expressão "não-lugar" ou, mais precisamente, "lugar que não existe". A utopia representa portanto uma civilização ideal que possa realizar o sonho de uma sociedade sem diferenças, uma meta difícil de ser atingida em um mundo cada vez mais dividido pelos conflitos religiosos, econômicos e políticos. Quando Thomas More lançou Utopia em 1516, criando este ideal de mundo perfeito, a humanidade vivia sob o impacto das grandes descobertas e ainda parecia possível o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e humanista. De qualquer forma, o termo permaneceu até os nossos dias influenciando a criação de obras de filosofia, política, ou simplesmente ficção. Segue em ordem cronológica uma seleção das 20 melhores utopias imaginadas (mas nunca concretizadas) pelo homem na literatura.
(01) A República (380 a.c.) - Platão
A obra pode ser incluída como utopia por registrar os diálogos de Sócrates relativos à diversos temas filosóficos e sociais, assim como condutas políticas para administração de uma cidade, independente dos interesses particulares e visando o bem estar coletivo da sociedade (um tema ainda bem atual e que explica porque Sócrates acabou condenado à morte ao contrariar os governantes da época).
A obra pode ser incluída como utopia por registrar os diálogos de Sócrates relativos à diversos temas filosóficos e sociais, assim como condutas políticas para administração de uma cidade, independente dos interesses particulares e visando o bem estar coletivo da sociedade (um tema ainda bem atual e que explica porque Sócrates acabou condenado à morte ao contrariar os governantes da época).
(02) Utopia (1516) - Thomas More
Thomas More (1478 - 1535) imaginou uma ilha chamada Utopia, certamente influenciado por relatos sobre as descobertas da época no continente americano. Nesta ilha-reino habitaria uma sociedade sem propriedade privada, livre de imposições religiosas ou do Rei. Devido à sua defesa pelos ideais de liberdade, More foi condenado por traição e, mais tarde, à morte por se recusar a aceitar o novo matrimônio de Henrique VIII.
(03) A Cidade do Sol (1602) - Tommaso Campanella
Esta obra foi escrita durante o período de 27 anos em que o frei dominiciano Tommaso Campanella (1568 - 1639) esteve preso em Nápoles, sob a acusação de heresia. O autor foi certamente influenciado por obras como Utopia e A República ao descrever o que seria uma cidade ideal e o sonho utópico de uma sociedade justa.
Thomas More (1478 - 1535) imaginou uma ilha chamada Utopia, certamente influenciado por relatos sobre as descobertas da época no continente americano. Nesta ilha-reino habitaria uma sociedade sem propriedade privada, livre de imposições religiosas ou do Rei. Devido à sua defesa pelos ideais de liberdade, More foi condenado por traição e, mais tarde, à morte por se recusar a aceitar o novo matrimônio de Henrique VIII.
(03) A Cidade do Sol (1602) - Tommaso Campanella
Esta obra foi escrita durante o período de 27 anos em que o frei dominiciano Tommaso Campanella (1568 - 1639) esteve preso em Nápoles, sob a acusação de heresia. O autor foi certamente influenciado por obras como Utopia e A República ao descrever o que seria uma cidade ideal e o sonho utópico de uma sociedade justa.
(04) Nova Atlântida (1624) - Francis Bacon
Francis Bacon (1561 - 1626) atuou como político e filósofo, sendo considerado como o fundador da ciência moderna ao se dedicar à metodologia científica, norteada pelo raciocínio indutivo e o empirismo. Em Nova Atlântida, uma obra que ficou incompleta, é apresentada uma sociedade com direitos e deveres iguais e discutida a importância da natureza, um tema também muito atual.
(05) Cândido (1758) - Voltaire
Um dos trabalhos satíricos mais marcantes de todos os tempos onde Voltaire (1694 - 1778), um mestre do sarcasmo, critica com muito bom-humor as regalias da nobreza francesa da época e a perseguição religiosa através da Santa Inquisição. Em Cândido, o pobre protagonista segue a filosofia do fictício filósofo Pangloss que afirma que "todos os acontecimentos estão encadeados no melhor dos mundos possíveis" em uma utopia cega às avessas e um otimismo absurdo que logo pagaria o seu preço na iminente Revolução.
(06) Do Contrato Social (1762) - Jean Jacques Rousseau
Segundo a filosofia de Rousseau (1712 - 1778), o homem seria naturalmente bom, sendo a sociedade, comandada pela política (normalmente corrupta), a culpada pela "degeneração" dele. O contrato social deveria portanto nortear o acordo entre os indivíduos para se criar uma sociedade justa e equilibrada, e só então um Estado. O contrato deveria garantir um pacto e não um status de submissão do povo ao Governo.
Francis Bacon (1561 - 1626) atuou como político e filósofo, sendo considerado como o fundador da ciência moderna ao se dedicar à metodologia científica, norteada pelo raciocínio indutivo e o empirismo. Em Nova Atlântida, uma obra que ficou incompleta, é apresentada uma sociedade com direitos e deveres iguais e discutida a importância da natureza, um tema também muito atual.
(05) Cândido (1758) - Voltaire
Um dos trabalhos satíricos mais marcantes de todos os tempos onde Voltaire (1694 - 1778), um mestre do sarcasmo, critica com muito bom-humor as regalias da nobreza francesa da época e a perseguição religiosa através da Santa Inquisição. Em Cândido, o pobre protagonista segue a filosofia do fictício filósofo Pangloss que afirma que "todos os acontecimentos estão encadeados no melhor dos mundos possíveis" em uma utopia cega às avessas e um otimismo absurdo que logo pagaria o seu preço na iminente Revolução.
(06) Do Contrato Social (1762) - Jean Jacques Rousseau
Segundo a filosofia de Rousseau (1712 - 1778), o homem seria naturalmente bom, sendo a sociedade, comandada pela política (normalmente corrupta), a culpada pela "degeneração" dele. O contrato social deveria portanto nortear o acordo entre os indivíduos para se criar uma sociedade justa e equilibrada, e só então um Estado. O contrato deveria garantir um pacto e não um status de submissão do povo ao Governo.
(07) O Capital (1848) - Karl Marx
Uma obra importante de Karl Marx (1818 - 1883) e também incompreendida que originalmente pretendia denunciar a desigualdade social entre a burguesia e o proletariado devido à injusta política de produção capitalista, mas que, até hoje, não conseguiu realizar o sonho do socialismo utópico e o equilíbrio entre capital e trabalho assalariado.
(08) Erewhon (1872) - Samuel Buttler
O inglês Samuel Buttler (1835 - 1902) publicou de forma anônima este romance que tem o nome de um país fictício descoberto pelo protagonista e é uma sátira à sociedade vitoriana da época. O autor trabalhou na Nova Zelândia como um criador de ovelhas e utilizou suas memórias para criar Erewhon, assim como também foi influenciado pelo trabalho de Jonathan Swift em As Viagens de Gulliver de 1726 (outra importante sátira utópica).
(09) Notícias de Lugar Nenhum (1890) - William Morris
William Morris (1834 - 1896) era pintor e escritor e foi um dos fundadores do movimento socialista na Inglaterra. Ele planejava desenvolver belos objetos a preços acessíveis, ou mesmo gratuitamente. Em Notícias de Lugar Nenhum ele descreve uma sociedade utópica em 2012 onde a natureza é preservada e todos trabalham para o bem comum.
(10) A Utopia Moderna (1905) - H. G. Wells
H. G. Wells (1866 - 1946) é conhecido como o pai da ficção científica e escreveu livros que foram exaustivamente adaptados para o cinema devido à sua originalidade, A Máquina do Tempo, O Homem Invisível e A Guerra dos Mundos são exemplos de romances que já fazem parte da nossa herança cultural popular. Neste livro, um distante planeta serve como propósito para uma utopia pós-moderna.
(11) Peter e Wendy (1911) - James Matthew Barrie
Não consigo imaginar utopia melhor do que a Terra do Nunca imaginada neste clássico da literatura infantil por James Matthew Barrie (1860 - 1937), um lugar onde Peter Pan e seus amigos podiam viver para sempre como crianças sem envelhecer jamais.
(12) Herland (1915) - Charlotte Perkins Gilman
Uma utopia essencialmente feminina onde a autora, Charlotte Perkins Gilman (1860 - 1935) imaginou uma sociedade isolada, composta somente por mulheres que se reproduziam através de um processo de partenogênese (reprodução assexuada). Como resultado uma sociedade ideal, livre de guerras, conflitos e dominação (difícil de acreditar, não é mesmo?). O livro só foi publicado em 1979.
(13) Horizonte Perdido (1933) - James Hilton
Uma das melhores representações de paraíso na terra criadas pela literatura por James Hilton (1900 - 1954). Um grupo de pessoas, fugindo da guerra, é sequestrado e mantido em uma distante montanha do Tibete, chamada de Shangri-lá. Mais um grande sucesso de adaptação, por duas vezes (1937 e 1973), para o cinema.
(14) Islandia (1946) - Austin Tappan Wright
Um país imaginário no qual Austin Tappan Wright (1883 - 1931) trabalhou durante toda a vida como passatempo. Após sua morte foi descoberta a detalhada história de Islandia com geografia, genealogia, língua e cultura próprias. O livro foi publicado por sua esposa e filha postumamente em 1946.
(15) O Fim da Infância (1953) - Arthur C. Clark
Um clássico da ficção científica escrito por Arthur C. Clark (1917 - 2008), autor também de 2001: uma Odisséia no Espaço. Em O Fim da Infância, ocorre uma invasão alienígena pacífica da Terra que passa a ser governada pelos misteriosos invasores. O planeta passa por um período de paz e prosperidade, será que a utopia vem do espaço?
(16) A Ilha (1962) - Aldous Huxley
Último livro de Aldous Huxley (1894 - 1963) tem como enredo a ilha fictícia de Pala onde vive uma sociedade isolada do mundo e controlada por uma seita formada por religiões orientais e ciência. Os habitantes desta sociedade tem uma existência feliz e integrada com a natureza, uma verdadeira utopia.
(17) Ecotopia (1975) - Ernest Callenbach
Ernest Callenbach (1929 - 2012) imaginou um romance descrito como uma das primeiras utopias ecológicas que influenciou os movimentos de contracultura e movimentos verdes em todo o mundo. O enredo é ambientado em 1999 (25 anos no futuro de 1974). O novo país Ecotopia é formado pela Carolina do Norte, Oregon e Washington.
(18) A Geração da Utopia (1992) - Pepetela
Neste caso, apesar do título, não podemos considerar o livro como uma utopia uma vez que Pepetela descreve a realidade de Angola pós-independência, confrontando os valores revolucionários originais com o que foi efetivamente construído após a vitória do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) sobre Portugal. Uma prova de que o nosso mundo atual é formado muito mais por distopias do que utopias.
(19) White Mars (1999) - Brian Aldiss
Descrito como uma utopia do século XXI, este clássico da ficção científica de Brian Aldiss apresenta, em um futuro não muito distante, a colonização de Marte. Pessoas visionárias tentam impedir que os interesses políticos e das grandes corporações transformem Marte no mesmo ambiente de destruição que chegamos no Planeta Terra.
(20) Hominids (2002) - Robert J. Sawyer
O canadense Robert J. Sawyer é um premiado escritor especializado em ficção científica e autor da trilogiaNeanderthal Parallax (não traduzida no Brasil) formada por Hominids (2002), Humans (2003) e Hybrids (2003). O enredo trata de dois mundos paralelos, o nosso mundo conhecido e outro onde os Neandertais se tornaram a raça dominante.
domingo, 13 de dezembro de 2015
Morte por água, poema de T. S. Eliot
Esqueceu o grito das gaivotas e o marulho das vagas
E os lucros e os prejuízos.
Uma corrente submarina
Roeu-lhe os ossos em surdina. Enquanto subia e descia
Ele evocava as cenas de sua maturidade e juventude
Até que ao torvelinho sucumbiu.
Gentio ou judeu
Ó tu que o leme giras e avistas onde o
vento se origina,
Considera a Flebas, que foi um dia alto e belo como tu
Considera a Flebas, que foi um dia alto e belo como tu
Tradução de Ivan Junqueira
sábado, 12 de dezembro de 2015
Os Rubaiyat, poema de Omar Khayyam

Nunca murmurei uma prece,
nem escondi os meus pecados.
Ignoro se existe uma Justiça,
ou Misericórdia;
mas não desespero: sou um
homem sincero.
O que vale mais? Meditar numa
taverna,
ou prosternado na mesquita
implorar o Céu?
Não sei se temos um Senhor,
nem que destino me reservou.
Olha com indulgência aqueles
que se embriagam;
os teus defeitos não são
menores.
Se queres paz e serenidade,
lembra-te
da dor de tantos outros, e te
julgarás feliz.
Que o teu saber não humilhe o
teu próximo.
Cuidado, não deixes que a ira
te domine.
Se esperas a paz, sorri ao
destino que te fere;
não firas ninguém.
(trecho)
Omar Khayyam
Tradução de Alfredo Braga
Para ler o poema completo: Os Rubaiyat, de Omar Khayyam
sexta-feira, 11 de dezembro de 2015
Angústia, poema de Stéphane Mallarmé
Não
vim domar teu corpo esta noite, ó cadela
Que encerras os pecados de um povo, ou cavar
Em teus cabelos torpes a triste procela
No incurável fastio em meu beijo a vazar:
Que encerras os pecados de um povo, ou cavar
Em teus cabelos torpes a triste procela
No incurável fastio em meu beijo a vazar:
Busco
em teu leito o sono atroz sem devaneios
Pairando sob ignotas telas do remorso,
E que possas gozar após negros enleios,
Tu que acima do nada sabes mais que os mortos:
Pairando sob ignotas telas do remorso,
E que possas gozar após negros enleios,
Tu que acima do nada sabes mais que os mortos:
Pois
o Vício, a roer minha nata nobreza,
Tal como a ti marcou-me de esterilidade,
Mas enquanto teu seio de pedra é cidade.
Tal como a ti marcou-me de esterilidade,
Mas enquanto teu seio de pedra é cidade.
De
um coração que crime algum fere com presas,
Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário,
Com medo de morrer pois durmo solitário.
Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário,
Com medo de morrer pois durmo solitário.
Stéphane Mallarmé
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