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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Bronca com apê de Chico Buarque em Paris expõe intolerância e ressentimento

Pra quem odeia, o que dói mais é o sorriso – Foto Luciana Whitaker/Folhapress
Por Mario Magalhães, em seu blog
Pingos nos is: na essência, o que houve no Leblon na noite da segunda-feira não foi bate-boca.
E sim intimidação e provocação de um grupo de jovens adultos contra Chico Buarque, 71, e amigos com quem o artista passeava, depois de jantar.
Chico estava na dele.
O ato hostil decorre do que na cachola de intolerantes constitui delito de opinião.
A, B ou C? É o de menos. Poderia ser qualquer uma. O crime é ter e expressar opinião diversa.
“Você gravou um vídeo apoiando a Dilma'', disse em tom acusatório um dos participantes do cerco.
Diante da agressividade, Chico tentou esgrimir ideias. Pode-se concordar ou divergir dele. O inaceitável é levar uma dura por acreditar nisso ou naquilo.
O compositor que criou uma canção falando “no tempo da delicadeza'' escreveu sobre um porvir que parece cada vez mais alucinação utópica.
“Você é um merda'', berrou um sujeito para ele.
A desqualificação do interlocutor é característica autoritária. O mal não é apenas o que o outro pensa, mas o outro. No fundo, trai a indigência de argumentos.
“Vai correr daqui já?'', urrou um valentão de ópera-bufa.
Como Chico é Chico, enquanto rostos vincados pelo ódio o miravam, ele reagia com sorrisos. Para quem odeia, o que dói mais é o sorriso.
Retrato do Brasil, os insultos no Leblon são herança de nossas raízes.
Não somos a terra de gente cordial, mas onde a escravidão foi mais longeva, onde a desigualdade obscena campeia, onde depois de vencidos adversários são decapitados (de Canudos ao Araguaia, passando pelo cangaço).
Os intolerantes de anteontem aparentemente não querem cortar a cabeça de ninguém.
Talvez somente arrancar as cordas vocais. Pensar até pode. Falar seria prerrogativa de quem pensa igual.
O surto na noite do Rio têm outras ascendências. Na Alemanha da década de 1930, os nazistas perseguiam também quem ousava dizer não.
Os intolerantes da segunda-feira formam no que um protagonista do Brasil republicano ironizava como “a turma do Jockey''. Núcleos de grã-finos que pretendem impor a qualquer preço ideias e interesses.
Outro traço distintivo é a vulgaridade de certa elite, como contemplado no vídeo que nasceu como documento histórico e antropológico (para assisti-lo, é só clicar aqui).
Já de início a abordagem a Chico Buarque foi vulgar, tomando árvores pela floresta: “Todo mundo era seu fã, Chico''.
Um dos intolerantes, Alvaro Garnero Filho, é rebento do empresário Alvaro Garnero. O pai “confirmou a presença do filho no episódio'' e disse que teve de explicar a Alvarinho quem era Chico Buarque.
Quer vulgaridade e ignorância maiores que um marmanjo com acesso à educação e à cultura precisar de explicação, no século 21, sobre quem é Chico Buarque?
O milionário Alvaro Garnero é um dos herdeiros do grupo Monteiro Aranha.
A nau da intolerância guarda lugar para os ressentidos.
O mesmo indivíduo que chamou Chico Buarque de “merda'' falou: “Para quem mora em Paris, é fácil''.
Vacilou: “Você mora em Paris, não mora?''
Chico mora ali pertinho, no Leblon.
Logo outro provocador emendou “Tem um apartamento lá em Paris. É gostoso Paris, né?''
A bronca com o apê de Chico em Paris é o vômito dos ressentidos.
No Marais ou na Île Saint-Louis, o autor de “Vai trabalhar, vagabundo'' o comprou com dinheiro ganho honestamente.
Ao contrário de alguns brasileiros donos de imóveis na Europa, não recebeu de herança seu apartamento. E se tivesse?
Adquiriu-o com a grana suada do seu trabalho.
Qual o problema? Os fascistoides agora viraram partidários da propriedade coletiva?
De uma parte deles, Chico é alvo do ressentimento comum a determinada classe média que abomina pobre e inveja rico.
Nesse caso, merda é a inveja.
Para os ricos-ricos, Chico é um traidor. Traidor de classe.
Como pode um cidadão que vive no Leblon e tem apê na França não votar como a esmagadora maioria dos endinheirados?
Soa como exigência de fidelidade de classe. A diferença equivale a traição.
O silêncio sobre o comportamento primitivo e intolerante é conivente.
Vale o clichê: quem cala consente.
Não está em jogo, enfatizo, o mérito das opiniões de Chico Buarque, mas o direito democrático de manifestação dele e de todos os brasileiros.
Muita gente ralou para que opinar não resultasse mais em cana e castigo.
Só o que faltava era um bando furioso de intolerantes e ressentidos levar a melhor em sua cruzada obscurantista, rancorosa e vulgar.

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