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sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

A prosa centenária de Carolina Maria de Jesus


por Ana Paula Santosespecial para o NR

“Estou escrevendo e pretendo escrever, continuar a escrever. Agora que eu estou encaixada dentro do meu ideal que é escrever” 

Carolina de Jesus


Dois mil e quatorze é um ano especial na história da literatura brasileira. Para a tradição literária negra, um marco garante ao ano corrente a imortalidade na memória coletiva de um povo. Há cem anos, completados em março, nasceu em Minas Gerais, a escritora Carolina Maria de Jesus. Dona de uma escrita sensível e poética, Carolina narrou na obra Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada(1960), as mazelas do cotidiano dos primeiros moradores de favela do Canindé em São Paulo. A autora, mãe de três filhos, além de escrever, trabalhava como doméstica e catadora de lixo. É neste contexto que nascem os seus escritos, transmitindo com voracidade as relações imbricadas das desigualdades de raça e classe e o peso de quem está na base que sustenta as estruturas de poder. Em uma escrita negra, feminina, favelada e em primeira pessoa, a obra da autora facilmente se enquadraria nas características do período realista da literatura brasileira. Mas Carolina jamais frequentou os círculos tradicionais dos escritores da época.

Quarto de Despejo sua primeira e mais famosa obra, vendeu mais de 50 mil exemplares no Brasil e no exterior, tornou-se best-seller na Europa sendo traduzido para 13 idiomas. A escritora ainda publicou mais quatro livros: Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de fome (1963), Provérbios (1963) e o Diário de Bitita (1982, póstumo). Carolina Maria de Jesus quebrou paradigmas no século 20 ao apresentar uma prática literária divergente com o padrão eurocêntrico comum a literatura brasileira.

Ela seguia os passos de outra preta, que talvez jamais ouvira falar, a maranhense Maria Firmina dos Reis. Firmina lançou em 1848 o romance Úrsula. Estas mulheres, por muita competência, conseguiram o extraordinário: romperam a barreira falocêntrica e racista do mercado editorial brasileiro, descortinaram o caminho para que outras negras, em seguida, imortalizassem na linguagem escrita a tradição literária preta, tão viva na tradição oral. Esmeralda Ribeiro, Conceição Evaristo, Cidinha da Silva (colunista do Nota de Rodapé) e Cristiane Sobral são algumas de muitas escritoras negras descendentes de Carolina.

“Carolina Maria de Jesus imprimiu uma rasura no cânone com seus escurecimentos necessários, sua escrita periférica em um tempo em que o ponto de vista dos excluídos não costumava ser apresentado no universo das letras. Sua visão particular reflete sobre questões de gênero, sobre a identidade negra, sobre a política, para citar alguns dos temas, em um tempo em que o próprio ambiente onde morava, a favela do Canindé, dificilmente era retratado além das páginas policiais”, disse certa vez a escritora Cristiane Sobral.

Seu legado inspirou estudos e grupos de pesquisas como o Etnicidadesno Instituto de letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Literafro da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Coletivo Carolinas ao ventoCentenária e Atemporal entre outras iniciativas que promovem reflexões sobre a escritora.

Carolina Maria de Jesus faleceu em 14 de agosto de 1977. Conforme cita em uma de suas obras: “não tenho força física, mas minhas palavras ferem mais do que espada”.


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Ana Paula Santos é soteropolitana, jornalista, radialista, produtora, apresentadora e repórter com formação em televisão. Colabora com o Jornal Brasil de Fato e edita o Blog Literatura Subversiva.

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