Por Antonio Prata
Senti o alerta de mensagem vibrar, levei a mão ao bolso da calça e
percebi que estava sem o celular. "Céus", pensei -não sem um ligeiro
terror, desses que nos acometem nos sonhos um segundo antes de virarem
pesadelo- "minha coxa teve uma alucinação".
Faz sentido. De uma hora pra outra, depois de 300 mil anos exercendo
sobre a Terra a única função de nos levar de cá pra lá, as coxas viraram um
receptor tátil de todas as tranqueiras que, com uma vibraçãozinha, surgem no
nosso telefone.
"Chegando em cinco", escreve um amigo (que chegará em 25) no
WhatsApp: brrrrrr. "Dentista amanhã, 16:30", avisa o Google Agenda:
brrrrrr. "Acordado?", escreve por SMS, no meio da madrugada, o(a)
ex-namorado(a): brrrrrr. "21 provas de que Zeca Pagodinho é a pessoa mais
legal do Brasil", postam no Facebook, tagueando, sabe-se lá porque, o seu
nome: brrrrrr.
Nada mais justo que esses 72,54 cm2 de pele (se você tiver um iPhone;
caso tenha um Samsung Galaxy, são 91,12 cm2), até então praticamente
surdos-mudos, entrassem em parafuso ao serem subitamente alçados à categoria de
telex da epiderme. É mais ou menos como pegar, sei lá, o Maguila e dizer: a
partir de agora você é o âncora do "Jornal Nacional".
Imagino o rebu lá no cérebro, assim que telefones passaram a vibrar no
bolso. Os neurônios responsáveis pela sensibilidade das coxas deviam estar
todos deitados em redes, fumando no narguilé e assoviando Bob Marley.
Só eram convocados ao trabalho quando você dava um colo ou usava o
laptop. Mesmo nessas horas, era o emprego mais fácil do mundo, bastava gritarem
lá pra dentro: "Aí, galera, avisa que deitou alguém!", "Aí,
galera, tá rolando laptop! Tá meio quente!" e voltar pra pasmaceira. Então
surgiram os celulares e esses neurônios obesos se viram obrigados a saltar do
coxilo pro Iron Man -sem escalas.
Agora mesmo, enquanto você lê esta crônica, uma revolução acontece na
sua massa cinzenta. Há anúncios em todas as páginas da "Gazeta do
Córtex": "Coxa contrata neurônios. Áreas: epiderme, terminações
nervosas, medula, cérebro". Novos escritórios estão sendo construídos,
baias são abertas, faixas de ônibus e de bicicleta são pintadas nos nervos,
para que as células consigam chegar mais rápido ao novo emprego. Já há quem
arrisque, no Twitter do lobo frontal: "A coxa é o novo olho".
Fico imaginando o que acontecerá com esses centímetros quadrados do
nosso corpo em uns cem mil anos. Ficarão mais sensíveis do que as pontas dos
dedos, os mamilos, o clitóris e a glande? E a parte do cérebro responsável por
eles, de pequena choupana cheia de redes se transformará num ABC Paulista
neuronal? Seremos capazes de ler braile com as coxas? Gozar com as coxas?
Prever a chuva, dar a temperatura, dizer "tô sentindo que cê não tá legal
hoje" com as coxas?
Sei lá. O que sei é que enquanto nada disso acontece, numa tarde abafada
de 2014, sobrecarregada, estafada, zumbi, minha coxa alucina, recebendo sinais
do além. Ou talvez seja só o cérebro, chefe pentelho, conferindo:
"Acordada?".
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