"Não tem porque interpretar um poema. O poema já é uma interpretação." (Mário Quintana)
Aos Mestres, com carinho!

Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos
quarta-feira, 26 de dezembro de 2018
segunda-feira, 24 de dezembro de 2018
sábado, 22 de dezembro de 2018
MININO, poema de Itárcio Ferreira
(Autor?)
Eu
era tão belo e acreditava em anjos.
Lia
me cantava canções de ninar.
Feliz,
o céu era azul e a vida prateada.
Chutado
pela bunda e colhões conheci o mundo.
De
nada adiantava querer acordar.
As
horas passam, que canseira.
Espero
apenas o último tic-tac-ar.
Itárcio Ferreira
sexta-feira, 21 de dezembro de 2018
O SERMÃO DO FOGO, poema de T. S. Eliot
O dossel do rio se
rompeu: os derradeiros dedos das folhas
Agarram-se às
úmidas entranhas dos barrancos. Impressentido,
O vento cruza a
terra estiolada. As ninfas já partiram.
Doce Tâmisa, corre
suave, até que meu canto eu termine.
O rio não suporta
garrafas vazias, restos de comida,
Lenços de seda,
caixas de papelão, pontas de cigarro
E outros testemunhos
das noites de verão. As ninfas já partiram.
E seus amigos, os
ociosos herdeiros de magnatas municipais,
Partiram sem deixar
vestígios.
Às margens do Léman
sentei-me e lá chorei . . .
Doce Tâmisa, corre
suave, até que meu canto eu termine,
Doce Tâmisa, corre
suave, pois falarei baixinho e quase nada te direi.
Atrás de mim,
porém, numa rajada fria, escuto
O chocalhar dos
ossos, e um riso ressequido tangencia o rio.
Um rato rasteja
macio entre as ervas daninhas,
Arrastando seu
viscoso ventre sobre a margem
Enquanto eu pesco no
canal sombrio
Durante um
crepúsculo de inverno, rodeando por detrás o gasômetro,
A meditar sobre o
naufrágio do rei meu irmão
E sobre a morte do
rei meu pai que antes dele pereceu.
Brancos corpos nus
sobre úmidos solos pegajosos
E ossos dispersos
numa seca e estreita água-furtada,
Que apenas vez por
outra os pés dos ratos embaralham.
Atrás de mim,
porém, de quando em quando escuto
O rumor das buzinas
e motores, que trarão na primavera
Sweeney de volta aos
braços da Senhora Porter.
‘Ó a Lua que
luminosa brilha
Sobre a Senhora
Porter e sua filha, ambas
A banhar os pés em
borbulhante soda.’
Et O ces voix
d’enfants chantant dans la coupole!
(Trecho)
T. S. Eliot
Tradução de Ivan Junqueira
quinta-feira, 20 de dezembro de 2018
quarta-feira, 19 de dezembro de 2018
QUASE, poema de Mário de Sá-Carneiro
Um pouco mais de sol - eu era brasa,
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minhalma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar...
Um pouco mais de azul - eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num grande mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minhalma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou...
- Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templos aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa,
Um pouco mais de azul - e fora além.
Para atingir faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz
Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar...
Mário
de Sá-Carneiro
terça-feira, 18 de dezembro de 2018
segunda-feira, 17 de dezembro de 2018
quinta-feira, 13 de dezembro de 2018
quarta-feira, 12 de dezembro de 2018
ATÁVICA, poema de Adélia Prado
Minha mãe me dava o
peito e eu escutava,
o ouvido colado à
fonte dos seus suspiros:
‘Ô meu Deus, meu
Jesus, misericórdia’.
Comia leite e culpa
de estar alegre quando fico.
Se ficasse na roça
ia ser carpideira, puxadeira de terço,
cantadeira, o que na
vida é beleza sem esfuziamentos,
as tristezas
maravilhosas.
Mas eu vim pra
cidade fazer versos tão tristes
que dão gosto, meu
Jesus misericórdia.
Por prazer da
tristeza eu vivo alegre.
Adélia Prado
terça-feira, 11 de dezembro de 2018
segunda-feira, 10 de dezembro de 2018
sábado, 8 de dezembro de 2018
A Babaquice de Deus, por André Carvalho
"Deus,
Supremo, Todo-Poderoso, Onipresente, Onividente, Onipotente,
Omni-Tripla-Ação, Omni3. Escolha como quer chamá-lo, se Jesus,
Jeová, IHVH, Buda Quetzalcoatl, Oxalá, Ormuz Masda, Osíris, Zeus,
Alá, Rá, Ishtar, Júpiter ou Chuck Norris. Tudo isso é a mesma
coisa e, no fundo, Deus é um grande troll. Sim, isso mesmo! Se todos
os crentes estão certos e realmente existir um deus, ele é a
criatura mais sádica, bandida, perversa, moleque e não tem o
direito de usar farda preta."
sexta-feira, 7 de dezembro de 2018
A CRIAÇÃO, por Eduardo Galeano
A mulher e o
homem sonhavam que Deus os estava sonhando.
Deus os sonhava
enquanto cantava e agitava suas maracas, envolvido em fumaça de tabaco, e se sentia
feliz e também estremecido pela dúvida e o mistério.
Os índios
makiritare sabem que se Deus sonha com comida, frutifica e dá de comer.
Se Deus sonha com
a vida, nasce e dá de nascer.
A mulher e o
homem sonhavam que no sonho de Deus aparecia um grande ovo brilhante.
Dentro do ovo,
eles cantavam e dançavam e faziam um grande alvoroço, porque estavam loucos de
vontade denascer.
Sonhavam que no
sonho de Deus a alegria era mais forte que a dúvida e o mistério; e Deus, sonhando,
os criava, e cantando dizia:
– Quebro este
ovo e nasce a mulher e nasce o homem. E juntos viverão e morrerão. Mas nascerão
novamente. Nascerão e tornarão a morrer e outra vez nascerão. E nunca deixarão de
nascer, porque a morte é mentira.
Eduardo Galeano
quinta-feira, 6 de dezembro de 2018
O mundo de Deus, por Mario Quintana
Aquele astronauta
americano que anunciou ter encontrado Deus na lua é no
fim de contas menos
simplório do que os primeiros astronautas russos, os quais
declararam, ao voltar,
não terem visto Deus no céu.
Porque, se Deus é paz
e paz é silêncio afinal, deve Ele estar mesmo muito mais
na lua do que nas
metrópoles terrenas.
E, pelo que me toca, a
verdade é que nunca pude esquecer estas palavras de um personagem de Balzac:
“O deserto é Deus sem
os homens.”
quarta-feira, 5 de dezembro de 2018
FALAS DE UNS, poema de Mia Couto
O caçador fala,
o marinheiro cala.
Um vive de morte emboscada,
outro se amarra em cais de partida.
O homem faz amor
para se sentir bem.
A mulher faz amor
quando se sente bem.
Uns falam.
Outros apenas fogem do silêncio.
Uns amam.
Outros de si mesmos escapam.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2018
quarta-feira, 7 de novembro de 2018
terça-feira, 30 de outubro de 2018
terça-feira, 23 de outubro de 2018
sexta-feira, 12 de outubro de 2018
quinta-feira, 4 de outubro de 2018
A LETRA "P", poema de Viviane Barroso
Na minha máquina de escrever faltava a letra ‘P’.
E eu ia
substituindo a letra ‘P’
Por ‘T’,
por ‘F’, por ‘V’.
O tempo
passava e tudo que existia com ‘P’
Se desfez na
minha máquina:
‘Paz’,
‘ponte’, ‘pássaro’.
No começo era
triste não haver ali ‘palhaço’,
‘Pipoca’,
‘picadeiro’.
Mas aos poucos
fui aprendendo a criar novas palavras
Me
aproveitando da ausência da letra ‘P’.
E com o passar
do tempo fui me sentindo um descobridor,
Um inventor,
um desbravador.
Às vezes
sim... Eu chorava a saudade da letra ‘P’.
(Chorava só
um pouco, nunca fui bom em longos diálogos com a Dor)
Fui crescendo
sem ‘pressa’.
E percebendo
que essa falta se apequenava
à medida em
que eu me transformava num grande mágico
De um circo só
meu!
Sempre sem
‘pessoas’,
sem ‘plateia’.
Então, depois
de muitos espetáculos mudos
realizados à
sombra da minha lona,
pude
finalmente compreender
que Poesia
sempre se escreveu com ‘S’:
‘S’
de sonho, de sozinho, de silêncio.
Viviane
Barroso
Este poema
é parte integrante da Coletânea Sarau da Boa Vista
Lançamento
da Coletânea Sarau da Boa Vista
Rua do Hospício, em frete ao
Teatro do Parque, Boa Vista, Recife – PE
Dia 27 de outubro, sábado,
às 19h
Mais
informações: Sarau
da Boa Vista no Facebook
sábado, 15 de setembro de 2018
sexta-feira, 14 de setembro de 2018
Vênus Anadiômene, poema de Arthur Rimbaud
Como de um verde túmulo em latão o
vulto
De uma mulher, cabelos brunos empastados,
De uma velha banheira emerge, lento e estulto,
Com delícias bastante mal dissimulados;
Do colo graxo e gris saltam as omoplatas
Amplas, o dorso curto que entra e sai no ar;
Sob a pele a gordura cai em folhas chatas,
E o redondo dos rins como a querer voar...
O dorso é avermelhado e em tudo há um sabor
Estranhamente horrível; notam-se, a rigor,
Particularidades que demandam lupa...
Nos rins dois nomes só gravados: CLARA VENUS;
- E todo o corpo move e estende a ampla garupa
Bela horrorosamente, uma úlcera no ânus.
De uma mulher, cabelos brunos empastados,
De uma velha banheira emerge, lento e estulto,
Com delícias bastante mal dissimulados;
Do colo graxo e gris saltam as omoplatas
Amplas, o dorso curto que entra e sai no ar;
Sob a pele a gordura cai em folhas chatas,
E o redondo dos rins como a querer voar...
O dorso é avermelhado e em tudo há um sabor
Estranhamente horrível; notam-se, a rigor,
Particularidades que demandam lupa...
Nos rins dois nomes só gravados: CLARA VENUS;
- E todo o corpo move e estende a ampla garupa
Bela horrorosamente, uma úlcera no ânus.
Arthur Rimbaud
Tradução de Augusto de Campos
quinta-feira, 13 de setembro de 2018
quarta-feira, 12 de setembro de 2018
domingo, 9 de setembro de 2018
Conceição Evaristo: a verdadeira imortal, por Dário Neto
Por
Dário Neto
Via
Jornal GGN
Eu
entendo e me solidarizo às manas indignadas com o fato de Conceição
Evaristo não ter sido eleita para a ABL. Contudo, toda vez que penso
nesse museu, me lembro de Antonio Candido por dois motivos: primeiro,
ele não compôs essa trupe. Enquanto Antonio Candido é presente
como um grande pensador, analista e crítico do Brasil, a ABL é
passado e depende exclusivamente da glória alheia - sobretudo a de
Machado de Assis; segundo, em "Literatura e Subdesenvolvimento",
Candido identifica esse movimento de fundar uma Academia aos moldes
dos países europeus uma prática colonialista que até hoje
vergonhosamente assassina a população negra e indígena no Brasil.
Com
isso, Candido nos lembra que se tornar imortal nada tem que ver com
esse colonialismo. Se o grande mestre Antonio Candido não coube na
ABL para vergonha dela mesma, quanto mais Conceição Evaristo, muito
maior que o mestre, pois tendo, semelhante a ele, a argúcia de ler o
mundo, o supera por conseguir transformar esta capacidade analítica
em poesia. Certamente Evaristo é muito grande para a ABL.
Os
Acadêmicos tentaram várias vezes convencer Candido a se candidatar
e ele sempre rejeitou gentilmente. Quando o mestre e amigo de
Candido, Fernando Azevedo faleceu, o acadêmico Chico Barbosa
procurou-o durante o velório para convencê-lo a disputar a cadeira
vaga pela morte de seu mestre, o crítico alegou que não tinha
espírito associativo. Em 1993, a ABL homenageou Candido com o Prêmio
Machado de Assis, evidenciando a intenção de seduzi-lo a compor o
grupo e novamente, ele rejeitou. A grandeza que buscavam para si com
a associação deste grande crítico literário, certamente
alcançariam com Evaristo. E por que não foram atrás dela ao invés
de esperar que ela manifestasse interesse? E por que a rejeitaram
quando poderiam ter laureado a coroa enferrujada dessa Associação?
Pelo simples motivo de ela ser mulher e negra. Assim como aconteceu a
Conceição Evaristo, também essa gente que há séculos se acham
donas da Literatura Brasileira rejeitou a primeira romancista Maria
Firmina de Menezes, a primeira poeta modernista negra Gilka Machado,
rejeitaram Carolina de Jesus e tantas que ainda estamos descobrindo.
Isso só mostra o quanto esta Academia é pequena, muito pequena.
Dário
Neto é
Doutor em Literatura Brasileira pela USP com a tese "A pena do
cronista: a presença das crônicas nos romances machadianos",
Professor Colaborador em Teoria Literária na UNESPAR e autor do
livro de contos Candelabro.
sábado, 8 de setembro de 2018
Para refletir (103)
"Os animais
existem para os seus próprios propósitos. Não foram feitos para os humanos,
assim como os negros não foram feitos para os brancos nem as mulheres para os
homens." (Alice Walker)
sexta-feira, 7 de setembro de 2018
quarta-feira, 5 de setembro de 2018
Saudades demais, poema de Rose Bittencourt
Uma
pureza no cais
Relâmpago
e trompetes
Viro
de perna o cacete
Te
cubro todo de mel
Vem
perto que eu to pedindo
Faz
um sinal e me flerte…
Rose
Bittencourt
terça-feira, 4 de setembro de 2018
segunda-feira, 3 de setembro de 2018
A LUTA VALE A PENA, poema de Marcelo Mário de Melo
[A Hiran Pereira, homem de teatro e dirigente comunista em Pernambuco,
assassinado e desaparecido nos tempos da ditadura de 1964]
Vale a pena sim
remar contra a maré
pois muitos ainda
não têm pão
nem peixe
e estão unidos
os que atiram
as primeiras pedras.
remar contra a maré
pois muitos ainda
não têm pão
nem peixe
e estão unidos
os que atiram
as primeiras pedras.
Vale a pena sim
seguir a estrada
recuar
na trilha ameaçada
e voltar
pé ante pé
lançando
o sal e a semente.
seguir a estrada
recuar
na trilha ameaçada
e voltar
pé ante pé
lançando
o sal e a semente.
Vale a pena sim.
Enfrentar a intolerância
lutar por liberdade
são coisas
que só fazem bem
em toda idade.
Enfrentar a intolerância
lutar por liberdade
são coisas
que só fazem bem
em toda idade.
Vale a pena sim
vale a pena a nós
vale a pena a vós
vale a pena a mim.
vale a pena a nós
vale a pena a vós
vale a pena a mim.
Vale a pena sim!
Marcelo Mário de Melo
quinta-feira, 30 de agosto de 2018
Sarau da Boa Vista: cultura, inspiração e resistência no Centro do Recife
Via poraqui
Por Manuel Borges
É na calçada de uma das esquinas mais simbólicas para o segmento cultural do Recife que poetas e artistas se reúnem, sempre no último sábado do mês, para expressarem sentimentos, insatisfações ou, simplesmente, contemplar as possíveis linguagens das artes.
Criado em 2013, fruto da iniciativa provocativa do poeta Aldo Lins, o Sarau da Boa Vista acontece na Rua do Hospício, Centro do Recife, e é uma maneira de fomento cultural em um local tão representativo para a classe: em frente ao Teatro do Parque, equipamento fechado desde 2010.
Matéria completa AQUI
*****
Lançamento da Coletânea Sarau da Boa Vista
Rua do Hospício, em frete ao Teatro do Parque, Boa Vista, Recife – PE
Dia 29 de setembro, sábado, às 19h
Mais informações: Sarau da Boa Vista no Facebook
terça-feira, 28 de agosto de 2018
segunda-feira, 27 de agosto de 2018
segunda-feira, 20 de agosto de 2018
Socorro, não consigo mais ler livros
Via UpdateorDie.com
Por WAGNER BRENNER
Sou um leitor, desde que me entendo por gente. Sempre li muito. E continuo lendo. Mas de uns anos para cá, me alimentar compulsivamente de internet tem causado um efeito colateral que ainda não consigo explicar muito bem.
Só sei que agora, toda vez que pego um livro nas mãos, não consigo ler, canso rápido. Se o texto não “embala” logo, preciso de muito esforço para continuar com a leitura. E não é só com o livro de papel. A mesma coisa acontece com o livro digital. Não tem nada a ver com o tipo de apoio. Tem a ver com a extensão do texto.
Essa situação tem me deixado angustiado. Será que desaprendi a ler? Será que fiquei preguiçoso? Será que agora só consigo ler coisas curtinhas e, de preferência, com uns links? Acho que não. Na verdade, nunca li tanto como agora. Passo o dia inteiro lendo. Mas leio cacos, fragmentos.
Sim, o efeito é conhecido e foi previsto anos atrás.
Sai o disco, entra a música.
Sai o filme, entra a série.
Sai a série, entra o curta do Youtube.
Sai a mesa de bar, entra o Facebook.
Sai o livro, entra o post, o artigo.
Tudo o que era consumido em pacote-família, em tabletão, agora é consumido em formato M&M’s.
A gente já sabia que isso acontecer, faz tempo. Mas o que eu ainda não tinha sentido na pele é que esse fenômeno do snack culture iria me TIRAR algo e me IMPEDIR de ler textos longos. Porque uma coisa é você perceber que existe uma nova maneira de ler (circular e não linear) e passar a usá-la.
Outra coisa é você perder sua capacidade de concentração.
Eu queria adicionar o jeito novo, mas não queria perder o jeito velho.
A internet causou em mim, e talvez em você, uma diminuição na atenção, um efeito similar ao do Transtorno do Déficit de Atenção (TDAH). Não que essa dificuldade de concentração seja um TDAH (que é neuro-biológico e tem causas genéticas), mas tem essa característica em comum. Aliás, os próprios parâmetros de diagnóstico de TDAH tem sido frequentemente revistos justamente por conta dessa alteração de comportamento, especialmente em escolas.
Já tentei de tudo, busquei aquelas ficções bacanas, cheias de escapismo, com viagens para lugares distantes, coisas que eu devorava durante a adolescência…mas 10 minutos depois o que escapa é minha atenção mesmo.
Fico voltando para o começo do parágrafo, sabe? Nem a biografia do Steve Jobs eu consegui terminar.
Fico repetindo para o autor “vai, já entendi, conta logo, pára de enrolar”.
Esse é outro sintoma: fiquei mais factual e perco fácil a paciência com aquela fase de contextualização e envolvimento com os personagens.
Meu kindle tem, neste exato momento, a ridícula marca de 18 livros iniciados.
Estou fazendo com eles a mesma coisa que faço com as músicas no meu iPhone, que fatalmente acabam tomando uma “skipada” depois de alguns segundos (tirando as do Zappa, que felizmente ainda ouço cada nota com prazer até o fim). Pô, eu ouvia aqueles álbuns inteiros do Pink Floyd… agora isso seria inimaginável.
Sei que isso tudo soa como algo ruim, mas nem isso eu tenho certeza.
A civilização humana já passou por isso muito antes da internet, por exemplo quando passamos da comunicação exclusivamente oral e acrescentamos a escrita. Colocar conteúdo por escrito livrou nossa memória e permitiu textos bem mais longos e precisos. Agora estamos de volta aos conteúdos curtos, mas ainda mais precisos. E, se um dia desenvolvermos a telepatia, certamente as palavras vão nos parecer ineficientes demais. Formas diferentes de trocar conteúdos, histórias.
Enfim, um post pouco conclusivo, mais desabafo mesmo, para ver se tem mais gente nesse barco.
Estou assustado por não conseguir mais ler um livro inteiro.
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