Por Elaine Tavares
Ele
me chegou sem eu nem querer. Vinha da rádio, num cálido dia de
abril, por esses caminhos de areia que o Campeche ainda tem. Então o
vi, no portão de uma casa. Chorava um chorinho miúdo, olhando pra
dentro do pátio, agoniado. Era um pedacinho minúsculo de vida, todo
pretinho. Estaquei diante da cena. Era de doer. Fiquei parada em
frente à casa, esperando que alguém saísse para pegar o pequenino.
Nada. Uma mulher finalmente assomou na janela. “Tá querendo
entrar”, falei, penalizada. Ela redarguiu, seca: “Não é nosso”,
e fechou a janela.
O
bichinho seguiu com seu chorinho e fui andando com o coração aos
pedaços. Entrei num caminho e continuei a ouvir o choro. Olhei pra
trás e lá estava ele, agora olhando na minha direção. A súplica
era para mim. Olhei para um lado e para outro. Ninguém. “Foda-se,
vou pegar”. Voltei às pressas e peguei a bolinha preta.
Aconcheguei ao coração, bem apertado. Ele cessou o choro e se
apertou de encontro a mim. Vim pelos caminhos conversando e fazendo
carinho. Pensava nos gatos em casa, o que achariam?
Quando
cheguei e o tirei do colo a blusa estava tomada de carrapatos. Ele
mesmo estava cheio dos bichinhos. Provavelmente fora abandonado há
um ou dois dias, era muito bebê. Então, lá fui eu comprar remédio
e comidinha de cachorro. Como já tinha um gato preto de nome Zumbi,
o batizei com o nome do grande lutador sul-africano, Steve Biko. Por
conta dos carrapatos ele ficou com uma sequela, uma tremurinha na
perna. Mas, o demais, tudo bem. Tem sido uma adorável companhia
desde então. Nove anos. Adquiriu inúmeros modos dos gatos,
família que o acolheu. Dorme em cima da mesa, com a cabeça
pendente, igual aos irmãos felinos. E escala o muro tal e qual.
Hoje
cheguei do mercado e ele estava ali, na rua, como sempre. Fica
olhando, bem paradinho, até que me reconhece, então vem pulando,
balançando o rabinho. Tem nove anos, mas é um galgo. Pula o muro
quantas vezes bem quer, adora a rua. Agora, que ela está calçada,
virou uma perigosa armadinha. Mas, como prendê-lo? Impossível. O
coração fica apertado quando ele alça o pulo e se vai. Faz um
salseiro na rua, acendendo toda a cachorrada, e passa pra lá e pra
cá no portão, olhando pra dentro de casa, como a dizer: ó, to
aqui.
Depois,
pula o muro de volta e vem esfregar a bundinha na gente, olhando com
aqueles mesmos olhos doces que tinha quando o encontrei no caminho.
Essas criaturinhas nos enchem de ternura.