Discurso
do escritor Raduan Nassar, autor de Lavoura Arcaica (1975), Um Copo de Cólera (1978) e Menina a Caminha (1994), ao receber o Prêmio Camões Literatura
2016, a cerimônia foi realizada hoje, dia 17/02/2017:
"Excelentíssimo
Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.
Senhor
Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em exercício.
Senhora
Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.
Professor
Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.
Saudações
a todos os convidados.
Tive
dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo
voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro
ter sido contemplado no berço de nossa língua.
Estive
em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a
Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses,
fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios
acadêmicos lusitanos.
Portanto,
Sr. Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente,
nada é tão azul no nosso Brasil.
Vivemos
tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos
Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan
Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a
prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática
ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre
de Moraes.
Com
curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por
omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima
inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um
partidarismo exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua
fala. E é esta figura exótica a indicada agora para o Supremo
Tribunal Federal.
Os
fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor:
contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra
universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa
e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao
neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que
vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.
Mesmo
de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado
pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.
Prova
da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias,
quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas,
acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única
delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado,
a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio
superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes, por ter
barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas
medidas
É
esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com
seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a
reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então
presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o
processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto
popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.
O
golpe estava consumado!
Não
há como ficar calado.
Obrigado".