Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Epiderme, poema de Carla Andrade


A primeira vez que vi um
sapato velho na fiação
entendi o abandono
de se ter uma alma

Preferia ter só asas
Assobio de pássaros.
Folhagem pisada.

Mas me colocaram uma alma
Dentro de um buraco,
Bem na hora que o mundo deu um soluço.

Depois do sapato velho na fiação,
não adiantou mais ver quitanda e
suas cores gentis.
Nem mão de moço no rosto de moça

Tudo parecia chuva
corroendo carroça
na contramão.
Vento de través.
Telhas encardidas
sem promessa de
aventura de criança.

Tentei adestrar as gotas das lágrimas.
Enlouqueci cada palavra do silêncio
até que elas curassem.
Sentei e ri da melancolia.
Não adiantou.

A alma e sua falta de carne
continuaram enterradas
em caverna
de mãos vazias...
Como uma canção
Sem sintonia
de um rádio
prestes a ser desligado
antes de dormir.