"Não tem porque interpretar um poema. O poema já é uma interpretação." (Mário Quintana)
Aos Mestres, com carinho!

Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos
sábado, 31 de dezembro de 2016
sexta-feira, 30 de dezembro de 2016
quinta-feira, 29 de dezembro de 2016
quarta-feira, 28 de dezembro de 2016
terça-feira, 27 de dezembro de 2016
segunda-feira, 26 de dezembro de 2016
domingo, 25 de dezembro de 2016
SOUSÂNDRADE 150 ANOS DEPOIS
Sousândrade pode, enfim, ter seu lugar entre os grandes nomes de sua arte na história
Via Obvious
Por Vitor
Uma homenagem a um dos maiores poetas de todos os tempos.
O
sol fendeu-me o dorso, como açoite
/ Da Providência, e amei p’ra
sempre o sol
“Carrega certo preciosismo, geralmente do pior efeito, com um pendor para termos difíceis que roça o mau gosto”. Desta forma definiu a poesia de Sousândrade o crítico literário mais notório do Brasil, Antonio Candido, em seu livro Formação da Literatura Brasileira, de meados de 1950. Aproximando-o da 2ª Geração do Romantismo brasileiro, porém colocando-o no subcapítulo “Os Menores”, Candido fez uma única ressalva acerca do autor das Harpas Selvagens, inspirada no também crítico Silvio Romero: “Decerto o mais inventivo destes poetas”.
Joaquim de Sousa Andrade nasceu no Maranhão, em 1832, e teve uma vida lotada de inquietudes: entre estudos na França, viagens pela América equatorial e América do Norte, o abandono pela esposa e pela filha e sua morte, foram anos de incompreensão artística e poética, que pareciam ter fadado a poesia do maranhense a uma procura infindável e, por fim, ao fracasso total. As leituras da obra do poeta em sua época eram carregadas de espanto e estranhamento, a começar já por seu nome artístico: Sousândrade, nome esdrúxulo e de pronúncia rara e pesada. Este estranhamento, seja na crítica ou no leitor comum, levava a avaliação do poeta ao lugar-comum da ininteligibilidade, que perdurou por anos sem se alterar.
Sousândrade é autor de três grandes poemas (além de Harpas de Ouro, posteriormente descoberto): Harpas Selvagens, O Guesa e Novo Éden. O primeiro apresenta um momento de apogeu do Romantismo brasileiro, e veio antes até das publicações de Casimiro de Abreu; os dois últimos transcendem qualquer rótulo que se possa dar, seja pela linguagem, seja pela estética, seja pela temática: sua poesia localiza-se entre o Romantismo, o Simbolismo e até o Modernismo. Considerando que Sousândrade morreu em 1902, é possível notar o grau de inventividade do seu produto poético.
Uma das provas da consciência do poeta acerca de sua condição “marginal” (muito distante do sentido que este termo tem hoje, mas talvez o parindo) está expressa justamente em seu maior poema, qualitativa e quantitativamente: O Guesa, que mostra a trajetória de um condenado ao flagelo (segundo uma lenda inca retirada de Humboldt) ao redor das Américas, sendo este a personificação do próprio autor, por lógica associação. Na introdução de um de seus cantos (edição de 1877), vê-se que, de fato, o poeta tinha lucidez sobre o cenário das artes em seu período, e sabia o que isso implicaria a ele:
Ouvi dizer já por duas vezes que ‘o Guesa Errante será lido cinquenta anos depois’. – Entristeci. Decepção de quem escreve cinquenta anos antes.
Sousândrade, de fato, morreu no ostracismo. Sua obra, contudo, ao lume do olhar moderno, demonstra uma força e um grau de novidade poucas vezes vistos na literatura mundial, antecipando a linha simbólica da independência da nossa poesia para meados de 1870. Este cenário, contudo, de junção da crítica aberta à poesia do maranhense, levou quase um século para ficar pronto, sobretudo graças aos esforços dos irmãos Campos.
E na obra, pois, nos deteremos doravante, principalmente no imenso poema O Guesa.
O Guesa Errante
Dividido em XIII cantos, mas inacabado, O Guesa foi durante 20 anos e apresenta a fase mais inventivo-apoteótica do poeta oitocentista, seja em suas temáticas, seja na sua forma. Nesta imensa obra se fundem fatores épicos, líricos e dramáticos em busca da melhor expressão do tema.
Como já dito, trata-se de um poema que retrata a viagem transamericana desta figura descrita por pelo explorador alemão Humboldt como “o Guesa “: um homem da tribo muísca (vertente dos incas) que era arrancado da casa paterna ainda jovem e condenado a vagar por cinco anos, segundo a lenda, até que, aos quinze, retornaria à sua aldeia natal para ser imolado em praça pública numa festa imensa; desta forma a aldeia poderia ter prosperidade por mais 185 luas, quando se elegeria um novo Guesa ao termo.
Sousândrade, pois, na lenda descrita parece ter encontrado a metáfora ideal para sua própria história: basta ver como as viagens traçadas no poema refletem as viagens reais feitas pelo poeta, que conheceu diversas tribos indígenas e morou nos EUA, por exemplo; ou como o maranhense passou toda sua vida como um legítimo condenado ao flagelo, sempre subentendido e a vagar. Neste caso, pode-se notar, são indissociáveis vida e obra.
O personagem de Sousândrade parte da Colômbia, seguindo rumo à Patagônia e, depois, indo até os Estados Unidos. Há ainda um canto incompleto onde se esboçou uma escala na África. Nota-se sobre esta diversidade de espaços sua utilização primorosa pelo poeta: as paisagens são destrinchadas, as pessoas são caracterizadas, as lendas são expostas, o vocabulário é alterado a depender do contexto. Não há, portanto, uma gratuidade em absolutamente nada neste imenso poema, o que evidencia sua inestimável qualidade.
Sob o pano da viagem, a obra ainda flerta com diversos outros temas, sobretudo com críticas às mais provincianas forças que atuavam no Brasil, demonstrando a insatisfação do maranhense com o país: diversas críticas ao escravismo, à exploração dos indígenas, ao catolicismo colonizador, à monarquia, ao capitalismo voraz, aos poetas de salão que formavam “o coro dos contentes”, e, sobretudo, a Dom Pedro II permeiam o Guesa. Este último, inclusive, é referido, por vezes, como “tatu”, assim como toda a nobreza:
Compra-tit’lo azeiteiro/ Conde-acende tatu:/ Todos ‘stão com inveja/ Da vieja/ Luiza-C’reca-Fi-Fu!
(O Guesa, Canto II, estrofe 34)
Neste trecho, uma clara crítica àqueles que compravam títulos de nobreza, “conde-a(s)cendendo” desta forma. Já nota-se neste pequeno excerto a linguagem inacreditavelmente inventiva do poeta, principalmente se comparado aos Românticos de seu período.
O Tatuturema e o Inferno de Wall Street
A linguagem mais inventiva e coloquial, contudo, não é o tom predominante no poema, mas aparece sobretudo nos trechos denominados O Tatuturema (canto II) e O Inferno de Wall Street (Canto X), nos quais nos deteremos. Não se pode falar em oscilação, no entanto: nada mais natural que, cercado pelo cânone Romântico, esta linguagem fosse a base de trabalho não só de Sousândrade, mas de qualquer poeta do período. O maranhense, contudo, foi o único a conseguir alterar sua dicção quando julgou mais oportuno. Assim, há momentos onde se lê:
Como
é doce ao luar a nossa amante/ Que entre outras vem, que passam e
vão rindo!/ Ouve-se o som da voz, aura fragrante/ Da flor das
laranjeiras desparzindo
.
(Canto
VII – excertos)
Mas
em outros se encontra:
-Que
indefeso caia o estrangeiro,/
Que a usura não paga, o pagão!/
= Orelha ursos tragam,/
Se afagam,/
Mammumma, mammumma, Mammão
Que a usura não paga, o pagão!/
= Orelha ursos tragam,/
Se afagam,/
Mammumma, mammumma, Mammão
(Canto X – estrofe 176)
Mas mesmo o mais Romântico em Sousândrade é destacável, pois os jogos de rima e som encontraram raros mestres de tanta destreza na nossa poesia. Hoje, inclusive, há ensaios apenas acerca da sonoridade n’O Guesa, assim como outros só sobre seus neologismos.
Os dois cantos aos quais já nos referimos aqui (II e X) apresentam uma espécie de apogeu estético do Guesa, por isso merecem mais atenção nesta brevíssima introdução. Que se veja o porquê.
O canto II, também chamado de Tatuturema, refere-se a uma festa inimaginável envolvendo indígenas, religiosos, nobres, poetas e outras personalidades, como até mesmo Pátroclo, da Ilíada de Homero. Uma espécie de ritual indígena, pois, mas que neste caso ganha um evidente caráter satírico com estes personagens envolvidos. Para caracterizar esta orgia, o poeta faz uso das mais diversas ferramentas: encurta o verso, acelera o ritmo, utiliza o tom irônico, encurta as estrofes, modifica o vocabulário, faz uso de mais rimas. Assim, pode-se ver, por exemplo:
(Vates
sumos)/ -Há-de o mundo curvar-se/ Ante a trina razão:/ Sol dos
Incas
pras
palmas/ Pras almas/ Jesus-Cristo e Platão.
(Tatuturema, estrofe 75)
Já no canto X, O Inferno de Wall Street, a sátira ganha outros contornos. O Guesa chega aos Estados Unidos e desce ao seu mais eminente inferno: a bolsa de valores. Neste cenário há a possibilidade de encontro das mais diversas figuras históricas (o uso de um glossário é imprescindível em obra tão complexa) em uma farândola de acusações, crimes, absolvições e críticas. Novas pedras são atiradas sutilmente ao governo de Dom Pedro II neste canto. Desta forma, por exemplo:
-Agora
o Brasil é república;/
O
Trono no Hevilius caiu.../
But
we picked it up!/
-Em
farrapo/
‘Bandeira
Estrelada’ se viu.
Explícito republicano, Sousândrade ironiza Dom Pedro II em um episódio ocorrido no navio Hevilius, que levava o imperador aos Estados Unidos: certo dia durante a viagem, o líder brasileiro caiu pateticamente de sua cadeira. O poeta maranhense não perdeu a deixa para associar esta queda a uma real “queda do trono”, ou seja, a República. Vale notar a mistura de idiomas nesta estrofe, algo raríssimo para a época, mas recorrente em Sousândrade.
Por que ler Sousândrade hoje?
Uma grande obra, ao ser lida, explica-se por si só no prazer que gera ao seu leitor. É o caso da obra deste poeta oitocentista. No entanto, há sempre algo a mais a se destacar.
O nosso olhar leitor-moderno tem uma dívida histórica com Sousândrade, e somente ele pode enfim destrinchar todos os méritos do poeta, consagrando-o como um dos maiores mestres de sua arte na história, sem ressalva alguma. Na obra do maranhense, por exemplo, há aspectos que só foram postos em pauta nas vanguardas do século XX:
- O equilíbrio em forma e conteúdo críticos/revolucionários, sempre postos como essenciais para Maiakóvski.
- O diálogo entre diversas línguas e tradições buscado por Ezra Pound ao longo dos seus Os Cantos, juntamente com o estilo “ideogrâmico” e sintético de poesia.
- Um envolvimento dialético entre tradição e último-presente digno da poesia concreta dos anos 50. Este diálogo também ocorre no âmbito centro-periferia que, no século XX, foi essencial para o surgimento da vanguarda no Brasil.
- A presença da América espanhola em uma obra nacional. Ou, ainda, uma obra que vê a América como um todo, assim como o Canto General de Pablo Neruda consagrou.
-O aparecimento do índio não como idealizado herói-cavaleiro, mas como ser real e ameaçado por pressões sociais, religiosas e econômicas. A própria história do Brasil.
- Em alguns momentos, a persona do Guesa é caracterizada como um anti-herói, como alguém que age independentemente de certo “caráter” bom. Este representação só aparece em Mário de Andrade no seu Macunaíma posteriormente.
Além de todo este valor estético e poético, O Guesa também apresenta um panorama muito amplo sobre as condições políticas do seu período, em relação ao Brasil e ao mundo desenvolvido. Aliás, este panorama sobre o mundo desenvolvido é gerado a partir de uma perspectiva oriunda do nosso subdesenvolvimento, algo raríssimo de ser encontrado neste período.
Sempre se deve ressaltar que suas obras têm um valor em-si e um valor extratextual, sendo que um amplifica e completa o outro: basta pensar que o Brasil onde vivia o poeta e os cânones em voga no seu período em nada favoreciam o nascimento de uma inventividade como esta.
Em suma,
Um dos grandes legados da obra de Sousândrade, sem dúvidas, é uma prova do que significa afinal ser moderno. Em um tempo onde parece não haver saídas e onde a vanguarda soa impossível, o poeta oitocentista nos mostra que a modernidade vai muito além de versos livres, frases impudicas e linguagem coloquial, como querem nos empurrar hoje. Ser moderno é usar com destreza as ferramentas que o presente nos entrega em prol de um sentindo, fugindo do lugar-comum, do convencionalismo. Ser moderno é, sobretudo, sempre buscar ser autêntico,ainda que isso cause o pouco entendimento e o ostracismo: à obra visionária, apenas o futuro dá respostas. Sousândrade edificou o moderno usando o metro e a rima: mais nada sobra ao atual mas eterno coro-dos-contentes que quer delimitar a forma da modernidade.
Talvez Antonio Candido tivesse razão em colocar Sousândrade como um Romântico menor: felizmente o era, afinal raramente se via a obra do maranhense neste lugar-comum. A obra do poeta sempre esteve além, muito além disso, seja rumo à ontologia ou ao sentido íntimo de seu tempo e dos tempos futuros.
E de 1850 vêm algumas das imagens mais lúcidas da modernidade, há de se reverenciar:
(General
Grant e Dom Pedro:)/
-
‘É causa o esférico da terra,/
De
o mais alto cada um se crer’;/
Quem
liberaliza,/
Escraviza.../
=Regicidas
reis querem ser.
(Este artigo não significa absolutamente nada perto da leitura de estudos mais apurados ou, principalmente, da própria obra do poeta: imprescindível, é sempre bom lembrar)
-Imagens e vídeo compartilhados publicamente na internet
Música de Caetano Veloso baseada em verso de Sousândrade.
sábado, 24 de dezembro de 2016
Oração ao deus nosso criador
Obrigado, Senhor, por
não interferir:
- quando milhares de
pessoas morrem de fome, de frio, de doenças e de maus tratos todos os dias no
mundo;
- nas guerras que já
mataram milhões em teu nome;
- nas catástrofes
naturais que exterminam os que não te veneram, juntamente com quem acredita em
ti e te ama, e confia que tu irá livrá-los do mal;
- na violência
desmedida contra os indefesos e humildes, que só têm a ti para pedir proteção;
- nas mortes, depois
de meses em agonia, dos que sofrem de doenças incuráveis (mesmo se tiverem
orado a ti para minorar sua dor, ou antecipar seu próprio fim);
- no abuso físico,
psicológico e sexual de inocentes por aqueles que usam teu nome para adquirir
poder e respeito entre os homens;
- e, finalmente,
obrigado, Senhor, por ter arquitetado essa “gincana” em que bilhões e bilhões
de seres humanos, durante milhões e milhões de anos, tiveram que superar todo
tipo de desafio — contra animais selvagens, contra o clima, contra as
catástrofes naturais, contra doenças, contra pragas, contra outros grupos
rivais — para poder sobreviver neste planeta, e isso apenas para o Senhor poder
escolher a quem premiar e a quem condenar no final.
Espero que o Senhor
esteja se divertindo bastante.
Amém!
Via Deusilusão
sexta-feira, 23 de dezembro de 2016
02 poemas de Chogyam Trungpa
Um Coração
Perdido e Encontrado
Se não há lua cheia no céu
Como é possível ver o reflexo no lago?
Se o tigre tem garras afiadas,
Como é possível não usá-las?
Como poderíamos assar nosso pão
Se não houvesse fogo?
Com a morte do Karmapa, nos tornamos mais sensíveis e devotos.
É verdade.
Aqueles que nunca choraram em suas vidas, chorem desta vez,
E suas lágrimas derramadas regarão a terra
Então poderemos produzir mais flores e verduras.
Como é possível ver o reflexo no lago?
Se o tigre tem garras afiadas,
Como é possível não usá-las?
Como poderíamos assar nosso pão
Se não houvesse fogo?
Com a morte do Karmapa, nos tornamos mais sensíveis e devotos.
É verdade.
Aqueles que nunca choraram em suas vidas, chorem desta vez,
E suas lágrimas derramadas regarão a terra
Então poderemos produzir mais flores e verduras.
*****
Uma flor sempre está feliz
Uma flor sempre está feliz porque é bonita.
Abelhas cantam suas canções de solidão e pranto.
Uma cachoeira está ocupada correndo pro oceano.
Um poeta é soprado pelo vento.
Abelhas cantam suas canções de solidão e pranto.
Uma cachoeira está ocupada correndo pro oceano.
Um poeta é soprado pelo vento.
Um amigo sem dentro ou fora
E uma rocha nem alegre nem triste
Estão vendo a lua crescente do inverno
Sofrendo com o vento afiado.
E uma rocha nem alegre nem triste
Estão vendo a lua crescente do inverno
Sofrendo com o vento afiado.
Chogyam Trungpa
Tradução de Fábio Rocha
Fonte poema 1
Fonte poema 2
quinta-feira, 22 de dezembro de 2016
POEMA DO DESABAFO, poesia de Itárcio Ferreira
Reprodução / Via Twitter: @tomjobimok
Dedico este poema a todos que, como Vinícius
de Moraes, considerem o uísque o melhor amigo do homem.
Quando nasci em
Carpina, em 1962,
para uma vida de
merda,[1]
não havia nenhum anjo
safado de plantão,[2]
um bêbado, um louco e
um poeta[3] então me
disseram:
vai, Itárcio, se fode
na vida.[4]
Com um ano de idade,
a pólio me abraçou
como uma camisa de
força a um louco
e me deixou seqüelas
no corpo e na alma.
Aos dez anos me
descobri poeta,
mas não contei para
ninguém,
até hoje poucos me
sabem poeta
(ou poucos
me leem?).
Cresci, amei, casei,
tive filhos,
amei e casei, amei e
casei novamente,
depois amei, amei,
amei, amo
e continuarei a amar,
até o dia em que o
deus de Mário Quintana
canse da minha cara.
toquei contrabaixo com
meu primo Ítalo,
que me apresentou à
MPB:
Chico, Caetano,
Belchior, Ednardo.
Mesmo aleijado,
cursei a faculdade,
abandonei outros dois
cursos com os quais não me identifiquei,
abandonei também
algumas pessoas
outras me abandonaram,
e mais outras, e mais outras.
Tive a minha primeira
crise de depressão aos 23 anos de idade,
e ela nunca mais me
abandonou.
Para sobreviver,
fiz vários concursos públicos,
passei em vários,
trabalhei em cinco,
dos quais um de nível
superior.
Em outro de nível superior,
fui chamado, mas não quis,
Em outro, fui
preterido:
Meu mandado de
segurança durou doze anos para ser julgado,
parece-me que a
justiça é lenta
(Ou será impressão?
Serão meus óculos vencidos?)
Cursei uma
pós-graduação,
passei numa seleção de
mestrado,
o qual não concluí por falta de saco.
No meu emprego atual,
várias vezes fui premiado
(em quatro edições,
três prêmios)
por minha dedicação,
qualidade dos meus trabalhos,
produtividade etc.
Afinal, é de lá que
ganho para o gim das crianças[7].
Publiquei dois livros
de poesias,
(Se Não Canto Pelo
Menos Grito, 1983
E Apocalipse e Outros
Poemas, 1989)
publiquei um livro de
contos
(A Construção e
Outros Contos, 1991).
Estudei um pouco de
canto e gravei um CD
(Maracatu Pra Ela,
2003)[8].
Afora o que se refere
à arte e ao amor,
todo o resto que falei aí em cima,
para mim, é
merda,
só valendo como moeda nesta
sociedade capitalista
em que somos obrigados
a cumprir pena.
Mas, como no poema de
Drummond,
sempre nos etiquetam
um rótulo:
ladrão, bicha,
maconheiro[9], comunista,
cachaceiro,
menino do prozac,
ateu.
Enquanto isso,
os políticos de plantão negociam nosso país.
E, como na música do Rei:
“E que tudo mais vá
tomar no cu”[10].
Visitem o blog do poeta: Itárcio Ferreira, poemas
[1] Obrigado, Ferreira Gullar.
[2] Obrigado, Chico
Buarque.
[3] Obrigado,
Sebastião Vila Nova.
[4] Obrigado,
Drummond.
[5] Obrigado, Bandeira.
[6] Obrigado, Machado de
Assis.
[7] Obrigado, Belchior.
[8] Obrigado,
Adriel, Chico, Muriçoca, Climério e Ledjane Sara.
[9] Obrigado,
Cazuza.
[10] Obrigado, Jean
Genet.
A arte de escrever em OITO tópicos segundo um dos maiores estilistas da história: Schopenhauer.
‘A mente trivial é reconhecida pelo seu estilo afetado’
Via DCM
Por
Paulo Nogueira
Schoppenhauer
é um niilista brilhante. Foi fortemente influenciado pelo budismo e
sua visão de que a vida é sofrimento, sofrimento e ainda
sofrimento. O pensamento oriental o marcou tanto que ele deu a seu
poodle o nome de Atma – alma, em sânscrito. Sua frase clássica é
uma que diz:
“A pior coisa que pode acontecer a alguém é nascer”.
Fora
filosofar, Schoppenhauer foi, também, cultor do estilo. Escreveu um
livro chamado "A Arte de Escrever", lançado no Brasil pela LPM.
Selecionei alguns tópicos. Qualquer pessoas que escreva – ainda
que apenas emails – ganha lendo.
1)
Usar muitas palavras para comunicar poucos pensamentos é o sinal inconfundível da mediocridade. O homem inteligente resume, ao
contrário, muitos pensamentos em poucas palavras.
2)
Um bom cozinheiro pode dar gosto até a uma sola de sapato. Da mesma
forma, um bom escritor pode tornar interessante o assunto mais árido.
3)
Existem três classes de autores. Primeiro, aqueles que escrevem sem
pensar. Escrevem a partir da memória, de reminiscências, ou
diretamente a partir de livros alheios. Essa classe é a mais
numerosa. Em segundo lugar, há os que pensam para escrever. Eles
pensam justamente para escrever. São numerosos. Em terceiro lugar,
há os que pensaram antes de se pôr a escrever. Escrevem exatamente
porque pensaram. Estes são raros.
4)
Não há nenhum erro maior do que imaginar que a última palavra
usada é a melhor, que algo escrito mais recentemente constitui um
aprimoramento do que foi escrito antes, que toda mudança é um
progresso.
5)
Não há nada mais fácil do que escrever de maneira que ninguém
entenda. Em compensação, nada é tão difícil quanto expressar
pensamentos significativos de modo que todos os compreendam.
6)
Palavras ordinárias podem ser usadas para dizer coisas
extraordinárias.
7)
A mente trivial é reconhecida pelo seu estilo afetado.
8)
Como alguém que de tanto cavalgar desaprende de andar, alguns
eruditos de tanto ler livros se tornam burros.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2016
Elegia a uma pequena borboleta, poema de Cecília Meireles
Como
chegavas do casulo,
— inacabada seda viva —
tuas antenas — fios soltos
da trama de que eras tecida,
e teus olhos, dois grãos da noite
de onde o teu mistério surgia,
— inacabada seda viva —
tuas antenas — fios soltos
da trama de que eras tecida,
e teus olhos, dois grãos da noite
de onde o teu mistério surgia,
como
caíste sobre o mundo
inábil, na manhã tão clara,
sem mãe, sem guia, sem conselho,
e rolavas por uma escada
como papel, penugem, poeira,
com mais sonho e silêncio que asas,
inábil, na manhã tão clara,
sem mãe, sem guia, sem conselho,
e rolavas por uma escada
como papel, penugem, poeira,
com mais sonho e silêncio que asas,
minha
mão tosca te agarrou
com uma dura, inocente culpa,
e é cinza de lua teu corpo,
meus dedos, sua sepultura.
Já desfeita e ainda palpitante,
expiras sem noção nenhuma.
com uma dura, inocente culpa,
e é cinza de lua teu corpo,
meus dedos, sua sepultura.
Já desfeita e ainda palpitante,
expiras sem noção nenhuma.
Ó
bordado do véu do dia,
transparente anêmona aérea!
não leves meu rosto contigo:
leva o pranto que te celebra,
no olho precário em que te acabas,
meu remorso ajoelhado leva!
transparente anêmona aérea!
não leves meu rosto contigo:
leva o pranto que te celebra,
no olho precário em que te acabas,
meu remorso ajoelhado leva!
Choro
a tua forma violada,
miraculosa, alva, divina,
criatura de pólen, de aragem,
diáfana pétala da vida!
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame não pesaria.
miraculosa, alva, divina,
criatura de pólen, de aragem,
diáfana pétala da vida!
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame não pesaria.
Choro
esta humana insuficiência:
— a confusão dos nossos olhos
— o selvagem peso do gesto,
— cegueira — ignorância — remotos
instintos súbitos — violências
que o sonho e a graça prostram mortos
— a confusão dos nossos olhos
— o selvagem peso do gesto,
— cegueira — ignorância — remotos
instintos súbitos — violências
que o sonho e a graça prostram mortos
Pudesse
a etéreos paraísos
ascender teu leve fantasma,
e meu coração penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma,
por toda a eternidade escrava!
ascender teu leve fantasma,
e meu coração penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma,
por toda a eternidade escrava!
E
as lágrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos,
— os espelhos que refletissem
— voo e silêncio — os teus encantos,
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos!
fossem o orvalho desses campos,
— os espelhos que refletissem
— voo e silêncio — os teus encantos,
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos!
Cecília
Meireles
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