"Não tem porque interpretar um poema. O poema já é uma interpretação." (Mário Quintana)
Aos Mestres, com carinho!

Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos
terça-feira, 31 de março de 2015
segunda-feira, 30 de março de 2015
QUANDO ME TENS, AMADA
como me percebes?
Um símbolo freudiano
ou apenas teu homem
que bebes?
domingo, 29 de março de 2015
FUMO
Longe de ti são ermos
os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!
Meus olhos são dois
velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites
invernosas...
Abertos, sonham mãos
cariciosas,
Tuas mãos doces,
plenas de carinhos!
Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos
que descoram...
Há murmúrios dolentes
de segredos...
Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor,
pelos espaços,
Fumo leve que foge entre
os meus dedos!...
Florbela
Espanca
sábado, 28 de março de 2015
Poemas dos séculos 17 e 18 revelam a 'devassidão' de freiras

Livro mostra que nos conventos
do Brasil e Portugal se fazia
tanto sexo quanto se rezava
do Brasil e Portugal se fazia
tanto sexo quanto se rezava
A palavra “freirático” designa aquele que frequenta convento de freiras. Nos séculos 17 e 18 significava algo mais: homem que tinha relacionamento com freira, desde ao platonismo inocente a encontro caliente.
A descoberta dessa palavra foi para a escritora Ana Miranda uma porta de entrada para um período em que as freiras tinham amantes, algumas delas mais de um.
"Nunca tinha ouvido essa palavra", disse Ana Miranda, que estudou em colégio de religiosas dominicanas. "Para mim era inacreditável que em Portugal, no auge da Inquisição, pudesse ter havido algo assim."
Foi uma época em que nos conventos se fazia sexo tanto quando se rezava. “Celas e conventos eram ambientes de grande licenciosidade”, escreveu Miranda.
As pesquisas de Miranda sobre os freiráticos renderam o livro “Que Seja em Segredo” (L&PM, R$ 22, 125 páginas), que transcreve poemas escritos por freiras e para elas. O livro já tinha sido lançado em 1990, mas estava esgotado.
Freiras eram musas de poemas como estes |
Para os homens que desejam a emoção de sexo proibido, os conventos eram paraísos na Terra, porque para lá as famílias mandavam suas filhas tidas como problemáticas, como as rebeldes e contestadoras, as que só pensavam em sexo, as ninfomaníacas, as que perdiam a virgindade antes do casamento, as homossexuais e as bastardas.
"Todas as mulheres solteiras interessantes estavam nos conventos", disse Ana Miranda.
“Como poucas vezes, a interdição sexual teve a função de afrodisíaco. Era preciso degradar o fascínio do mal; espiritualizar o corpo e erotizar a alma. Para isso, nada como buscar o prazer na escuridão dos conventos."
Um dos freiráticos foi dom João 5º, rei de Portugal. Ele gostava que freiras sentadas em seu colo lessem poemas eróticos.
Havia uma passagem secreta entre o seu palácio em Odivelas e um convento, de modo que ele tivesse acesso ao seu “harém” de freiras sem chamar a atenção.
Outro frequentador assíduo de conventos foi o poeta Gregório de Matos. Ele escreveu depoimentos sobre seus encontros com as “cortesãs enclausuradas”.
Contou que uma vez a cama em que estava com uma freira pegou fogo. O acidente ocorreu provavelmente por causa de uma vela, mas na interpretação poética de Gregório o que desencadeou as chamas foi o “amor que queimava os corpos através dos espíritos”.
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Freiras eram frequentadas por pessoas de destaque na sociedade |
Trecho do livro
"De noite, portões se abriam para os amantes"
Mas nem sempre os freiráticos ficavam do lado de fora dos conventos. Mandavam presentes, imagens de santos, presépios, capelas aos que tinham as chaves das celas; subornavam abadessas, abriam suas bolsas aos padres, para desimpedir o caminho em direção ao objeto desejado. Havia padres residentes que usavam seu trânsito nos conventos a fim de levar e trazer a correspondência dos freiráticos, com os tratos ilícitos. De noite, portões se abriam para que os amantes entrassem furtivamente; muros eram escalados, fugas eram empreendidas com escândalo, abadessas que criassem obstáculos eram ameaçadas com facas. Alguns se disfarçavam em hábito feminino para se insinuar nos corredores em busca da eleita.
As religiosas do convento de Santa Ana de Vila de Viana tinham nas proximidades várias casinhas aonde iam, fora de clausura, com pretexto de estarem ocupadas a cozinhar, e recebiam ali homens que entravam e saíam de noite, denunciou em 1700 o rei, em Lisboa. Nas celas os catres rangiam, os corpos alvos das freiras suavam sob o calor dos nobres, estudantes, desembargadores, provinciais, infantes. Os gemidos eram abafados com beijos.
A doçura do amor e seus abismos Conventos de Portugal tomavam por modelo o de Odivelas, onde trezentas freiras belas e namoradeiras tinham, cada uma, um ou vários amantes, com os quais 12 se distraíam. Essas religiosas eram tidas como as amantes mais atraentes dos portugueses nobres, nas palavras do general Demaurier, em 1755. Moravam em celas luxuosas, com as paredes recobertas de seda, cortinados nas janelas, lençóis de cetim; tomavam chá em xícaras de porcelana, levavam uma vida ociosa em que se entretinham a ler, pôr alcunhas, namorar e fazer doces. Chamavam a si mesmas de Caramelo, Pimentinha, Muleirinha, Caçarola, Vigairinha, Márcia Bela. Pregavam no rosto sinais de tafetá, os ferretes do inferno, usavam rendas nas camisas, luvas, leques, toalha açafroada, em irrequietos ademanes de mulheres disponíveis. Como descreveu Gongora, “Vio una monja celebrada, tras la rexa el niño Amor, bien quebrada de color, y de amor bien requebrada”.
Em certas manhãs elas armavam, do lado de fora do convento, um bufete de doces e pratos especiais que continham bilhetes convidando seus admiradores. Sevados, moletes, argolinhas, melindres, canelões, bolinhos do bispo, loiros, sequilhos das maltesas de Estremoz enchiam as mesas. Naquele dia, as ruas ficavam intransitáveis; as portas dos conventos, repletas de estifas, seges, carruagens. Os portões se abriam e entravam os freiráticos. Descerravam-se as cortinas da grade de proteção e perante os homens apaixonados surgiam as religiosas, com as mãos escondidas nas mangas do hábito, sérias, pálidas, belas como são as mulheres desejadas. Aos poucos elas iam abandonando o ar grave, cruzavam as pernas, tocavam violas e harpas, recitavam versos provocantes, riam, divertiam-se, diante da clientela fascinada que se empanturrava de papos de anjo, suspiros, peitos de freiras. Os doces eram trocados por prendas: um resplendor, uma cabeleira para a comédia, um casal de pombos, um cãozinho de regaço, um frasco de água da rainha da Hungria.
Depois da grade de doces, os freiráticos podiam encontrar-se com suas musas nos locutórios, mas não a sós. Tinham de admitir a presença de uma gradeira com a missão de vigiar o que diziam e faziam. Antes do encontro, vinha uma monja confidenciar ao freirático que sua amada morria de paixão por ele. Depois entrava a desejada. Tocavam-se as pontas dos dedos; ele segurava-lhe o braço; ela mostrava-lhe o pé, o tornozelo ou, entre a alvura da toalha, desnudava o seio, que ele acariciava, sob o olhar descuidado da sentinela.
Dentro do caráter escarninho e maldizente da tradição portuguesa, surgiu a poesia do amor freirático, ora satírica, ora lírica, mas sempre passional, em cuja liturgia afrodisíaca a obscenidade desempenhava uma função mágica, assim como de desmistificação e profanação da santidade. A adesão a uma prática libertina se realizava por meio da cumplicidade que o riso estabelece. Essa poesia tinha, também, um caráter político, pois atacava um ponto vulnerável do poder monárquico, sustentado pela autoridade da Igreja inquisitorial. “Quando eu estive em vossa cela / Deitado na vossa cama / Chupando nas vossas tetas / Então foi que me lembrei / Linhas brancas, linhas pretas”, escreveu um poeta anônimo, sobre mote que lhe dera uma freira.
Os poemas obscenos de amores freiráticos, onde aparece a repressão ascética e aviltante do sexo e da mulher, são inúmeros.
sexta-feira, 27 de março de 2015
Herberto Helder (1930-2015): o poema não é um objeto
(Foto: Alfredo Cunha/Porto Editora)
Considerado o maior poeta português da
atualidade, o madeirense Herberto Helder, morto aos 84 anos em Cascais, poderia
ser ainda mais conhecido no mundo não fosse por uma característica singular:
não dava entrevistas nem se deixava fotografar. A foto que acompanha este post
é uma das poucas imagens conhecidas de Helder, e uma das últimas, feita por
insistência de seu editor em fevereiro deste ano.
Zeloso de que sua obra se mostrasse por si mesma,
só se conhece uma entrevista do poeta, publicada em 1968 na extinta revista Luzes da Galiza. E era, na verdade, uma
auto-entrevista onde Helder falava sobretudo do ofício de escrever. Em 1994,
foi agraciado com o prêmio Pessoa, uma das mais importantes do país, mas
recusou. Seu último livro, A Morte Sem Mestre, de 2014, veio acompanhado
de um CD onde se pode ouvir a voz do poeta que amava viver anônimo.
Se um dia destes parar não sei se não morro logo,
disse Emília David, padeira,
não sei se fazer um poema não é fazer um pão
um pão que se tire do forno e se coma quente ainda por entre
as linhas,
um dia destes vejo que não vou parar nunca,
as mãos súbito cheias:
o mundo é só fogo e pão cozido,
e o fogo é o que dá ao mundo os fundamentos da forma,
pão comprido nas terras de França,
pão curto agora nestes reinos salgados,
se parar não sei se não caio logo ali redonda no chão frio
como se caísse fundo em mim mesma,
a mão dentro do pão para comê-lo
–disse ela.
Em 1960, foi fichado pela ditadura de Salazar
enquanto visitava uma biblioteca em Castro Verde como suspeito de ter
“características comunistas” e de ser “inimigo das instituições”. Helder chegou
a se filiar ao PCP (Partido Comunista Português), mas não militou. Seu filho, o
jornalista e político Daniel Oliveira, foi do PCP e mais tarde se tornou um dos
fundadores do Bloco de Esquerda.

Abaixo, trechos da auto-entrevista (íntegra aqui) e um poema onde Herberto Helder
define como é escrever. Boa leitura.
“Um objeto pode ser útil ou decorativo, e a
poesia não o pode ser nunca” (Herberto Helder)
Escreve-se um
poema devido à suspeita de que enquanto escrevemos algo vai acontecer, uma
coisa formidável, algo que nos transformará, que transformará tudo. Como na
infância, quando se fica à porta de um quarto obscuro e vazio. Fica-se durante
um minuto uma brisa levanta-se nos confins da obscuridade: um redemoinho no ar,
uma luz, uma iluminação talvez? Estamos prontos para o assentimento. Outro
minuto, cinco, dez, ali, diante do anúncio suspenso e ameaçador: não acontece
nada. Poder-se-ia esperar um dia inteiro, dias seguidos. Às vezes para-se no
meio de um parque ou de um jardim ou de uma avenida deserta. São variantes do
quarto. Acontece o mesmo, quero dizer: não acontece nada. A suspeita apenas de
que nos aguarda uma espécie de graça reticente, um dom reticente. Ou
contempla-se um rosto, alguém que se ama, um ser imediato; ou então um rosto
desconhecido, defendido. Pensamos: é uma vida nova, uma força nova e profunda,
é uma paisagem misteriosa, profunda e nova que se relaciona intimamente
conosco: vai revelar-se. E a outra pessoa olha para nós perdida nas
perspectivas inquietas da nossa contemplação. E recomeça-se. O mesmo, sempre.
Nada.
Escrevi para
fornecer uma forma legível e apaziguadora para os momentos na porta do quarto,
no parque, na rua vazia, defronte do rosto aparecido. Escrevi para trás numa
espécie de engolfamento memorial. Não consegui nada, foi continuar no quarto,
no jardim, à frente das caras súbitas. Mas conheço agora a existência de uma
pergunta inesgotável que se formula, se assim posso dizer, pela objetivação dos
arredores evasivos, das alusões, dos sinais remotos.
Não se coloca o
tema da utilidade, porque, pergunto: em que âmbito é útil seja o que for? Interessa-me
este resultado: o de que em mim, expressando-se em gramática, em pauta, há uma
expectativa ardente, uma ardente pergunta sem resposta, uma perplexidade
ardente que me concedem um centro, um ponto de vista sobre a debandada das
coisas, coisas centrífugas para diante, nos dias, no caos dos dias, centrífugas
para trás, nos instantes mais densos da memória, átomos fosforecendo no caótico
fluxo da memória. E então eu sei: respiro nessa pergunta, respiro na escrita
dessa pergunta. Qualquer resposta seria um erro. Como eu próprio sugeri
algures: um erro das musas distraídas…
Quero eu dizer que
qualquer resposta seria uma arrogância, um erro para os resultados da ação. O
conceito célebre, o celebérrimo, de que um poema é um objeto –bom, tornou-se um
lugar comum, já nem sequer se pensa nisso, di-lo toda gente: os poemas são
objetos–, ora este conceito estabeleceu-se num terreno móvel, movediço, sim
objetos, mas como paramentos, ornamentos e instrumentos: as máscaras, os
tecidos, as peles e tábuas pintadas, os bastões, as plumas, as armas, as pedras
mágicas. É prático o uso que deles sempre se faz, uma resposta necessária ao
desafio das coisas ou à sua resistência e inércia. No entanto, repare, ou
atuamos nas zonas do quotidiano de onde não foi afugentado o maravilhoso ou
existem outras zonas, um quotidiano da maravilha, e então o poema é um objeto
carregado de poderes magníficos, terríficos: posto no sítio certo, no instante
certo, segundo a regra certa, promove uma desordem e uma ordem que situam o
mundo num ponto extremo: o mundo acaba e começa. Aliás não é exatamente um
objeto, o poema, mas um utensílio: de fora parece um objeto, tem suas
qualidades tangíveis, não é porém nada para ser visto mas para manejar.
Manejamo-lo. Ação, temos aquela ferramenta. A ação é a nossa pergunta à
realidade; e a resposta, encontramo-la aí: na repentina desordem luminosa em
volta, na ordem da ação respondida por uma espécie de motim, um deslocamento de
tudo: o mundo torna-se um fato novo no poema, por virtude do poema –uma
realidade nova. Quando apenas se diz que o poema é um objeto, confunde-se,
simplifica-se; parece realmente um objeto, sim, mas porque o mundo, pela ação
dessa forma cheia de poderes, se encontra nela inscrito; é registo e resultado
dos poderes. E temos essa forma: a forma que vemos, ei-la: respira, pulsa,
move-se –é o mundo transformado em poder da palavra, em palavra objetiva
inventada, em irrealidade objetiva. Se dizemos simplesmente: é um objeto
–inserimos no elenco de emblemas que nos rodeia um equívoco melindroso, porque
um objeto pode ser útil ou decorativo, e a poesia não o pode ser nunca. É
irreal, e vive.
***
Sobre um poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
***
LIVROS DO AUTOR PUBLICADOS NO BRASIL: O Corpo O Luxo A Obra (Iluminuras), Os Passos em Volta (Azougue) e Ou o Poema Contínuo (Girafa).
quinta-feira, 26 de março de 2015
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