Por Pablo Ortellado
Hoje completa sete anos da sua morte. Cheguei em casa naquele dia, ainda encantado com o nascimento do Pedro, e o Takahashi me deu a notícia. Foi um golpe duro. Liguei para o Miguel em Madri e chorei com ele. A tia da Lilian veio me consolar com o depoimento dos muitos companheiros que perdeu nos anos 1970 e foi com o contraste de horrores maiores que me resignei. Passados esses anos, ainda tento entender o que aconteceu com você — e tento entender também o que se passou com nós que sobrevivemos a você.
Uns dias antes da tarde fatal, você enviou um email que ainda estala na minha cabeça: “I’m not ready for this”. Lembro de você, um ano antes, chegando do nada, abrindo minha geladeira sem pedir licença e perguntando como podia ser útil. Lembro que falei da ocupação Sonho Real e você foi para lá, sem pensar, para ajudar os companheiros de Goiânia. Quem sabe alguém em Oaxaca tenha te indicado da mesma forma despretensiosa aquela barricada mortal?
O que mais me inquieta, na lembrança da sua morte, é que não sei porque só você foi para a Oaxaca. Depois que o movimento global acabou, você não esteve sozinho ao ir para Buenos Aires, Bolívia e Equador, nas revoltas antineoliberais. Eu e muitos outros te acompanhamos. Mas Oaxaca foi diferente. Não era só uma revolta — era uma revolução. E você disse, “eu não estou preparado para isso”. E era uma revolução como a gente dizia gostar, dizia esperar, com o povo armado e conselhos de base! Nosso amigo Pablo S. esteve na Alemanha e companheiros de lá lembraram que, na revolução da Nicarágua, 10 mil alemães se alistaram nas brigadas internacionais. Por que não fomos para Oaxaca da mesma maneira? Por que só você foi — e se sentiu sozinho e despreparado? Perdemos a coragem? Ou perdemos a esperança na revolução, essa catástrofe benfazeja, como a chamava Simone Weil? Será, que a despeito dos nossos discursos, não esperávamos mais que uma guerra fratricida pudesse por fim a todas as guerras e a todos os conflitos, como acreditavam os camaradas de outrora?
Quando olho para trás, não sei exatamente o que sinto: se te condeno pela ingenuidade de levar às ultimas consequências os nossos panfletos ou se te condeno pela coragem de viver nossa política até o fim. Nós, que sobrevivemos, carregamos as esperanças e os projetos parados no tempo de vocês, os mortos. Quando fechamos os olhos, no silêncio da noite, é sob a imagem e a lembrança do compromisso que assumimos com vocês que refletimos. Vocês, nossos companheiros, com quem dividimos em ruas e barricadas o risco da morte. E tentamos honrar esses compromissos e equilibrá-los com as novidades que o tempo traz. E quando essas novidades nos tiram do caminho, a lembrança persistente dos mortos e dos seus projetos passados vem nos assombrar.
Sete anos, camarada, e ainda passo as noites com o seu fantasma.
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