Com certeza, no
Brasil, uma grande maioria da população, ao abrir a geladeira, só encontrará
luz e água, pois, vivemos num país em que a desigualdade social é uma
verdadeira guerra, um câncer.
Pensando nisso,
amparado por uma situação financeira estável, - mais por sorte, por estar no
lugar certo, do que por talento ou mérito, - resolvo dar uma olhada no interior
da minha geladeira, já com cinco anos de uso e alguns pontos de ferrugem.
No pequeno
compartimento que é o congelador encontro sorvete de açaí e cupuaçu, frutas
típicas do Norte do país. O açaí, vermelho, chegou primeiro aqui em Recife,
cidade onde moro, abrindo caminhos para o cupuaçu, de cor amarela-branca para
bege, ambas já me ajudaram a curar algumas ressacas, sou grato.
Afora as frutas
em forma de sorvete, caçambas de gelo para uísque ou coca cola para curar
ressaca; embutidos, tipo presunto, salame – meu xodó – e mortadela, esta última
mais por opção ideológica.
Logo abaixo do
congelador, no corpo da geladeira, algumas marmitas com 300 gramas de comida
cada, para o meu filho que gosta de malhar e quer virar o Hulk. Cada marmita
contém arroz ou macarrão ou batata doce, acompanhados de carne de frango ou
peixe. Como almoço no trabalho, raramente ataco uma das marmitas.
Um resto de
pudim, um pedaço de melancia, uma guarnição de sopa completa o corpo da
geladeira.
Logo abaixo, a
bandeja de guardar verduras e frutas. Vejo: coentro, alho, alface, limão e um
pedaço de gengibre para fazer um chazinho.
Da “auditoria”
verifico que preciso comprar mais carne de frango e peixe; verifico que sou um
privilegiado num país onde ainda existe fome, pobreza e miséria; verifico que o
gelo já está no ponto para uma dose de uísque que esquentará o meu corpo e
sedará a minha revolta que não consigo transformar em algo revolucionário.