Outro dia me perguntaram qual era meu poema preferido
Não pude responder
Ninguém ousaria entender
Não pude responder
Ninguém ousaria entender
Já li Camões, Fernando Pessoa
Cora Coralina, Vinícius de Moraes
Hilda Hilst, minha conterrânea
Augusto dos Anjos, Paulo Leminski
Manuel Bandeira, Drummond
Gonçalves Dias, Olavo Bilac
Cora Coralina, Vinícius de Moraes
Hilda Hilst, minha conterrânea
Augusto dos Anjos, Paulo Leminski
Manuel Bandeira, Drummond
Gonçalves Dias, Olavo Bilac
Mas meu poema preferido não é de nenhum desses autores
E não está em nenhum livro
E não está em nenhum livro
Meu poema preferido está fora dos padrões literários
É um poema escrito em linhas tortas
Sem métrica, sem regras
Sem ritmo, sem melodia
É um poema escrito em linhas tortas
Sem métrica, sem regras
Sem ritmo, sem melodia
Meu poema preferido não precisa rimar pra ser bonito
Ele não tem estrofes
Tão pouco um título
Ele não tem estrofes
Tão pouco um título
Meu poema preferido é poema só por existir
E não tem um dia sequer que eu não o recite
E não tem um dia sequer que eu não o recite
Meu poema preferido é composto por boas lembranças
Muitos sentimentos
É de carne e osso
E vive em meus pensamentos
Muitos sentimentos
É de carne e osso
E vive em meus pensamentos
Meu poema preferido é livre
Tem sobrenome, endereço, RG
E um par de olhos negros
Que eu não consigo me esquecer
Tem sobrenome, endereço, RG
E um par de olhos negros
Que eu não consigo me esquecer
Pudera eu declama-lo pra todo mundo ouvir
Gritaria em alto e bom tom:
“Esse poema é meu, só meu e de mais ninguém!”
Mas esse poema é tão dele
Que prefiro lê-lo sozinho
E interpretar cada verso
Com a certeza de que ele é único nesse universo
Gritaria em alto e bom tom:
“Esse poema é meu, só meu e de mais ninguém!”
Mas esse poema é tão dele
Que prefiro lê-lo sozinho
E interpretar cada verso
Com a certeza de que ele é único nesse universo
Carlos Drummond de Andrade