Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

sexta-feira, 31 de março de 2017

A arte de Amit Shimoni










Via Amit Shimoni

Moral e Cívica II, poema de Alex Polari



Eu me lembro
usava calças curtas e ia ver as paradas
radiante de alegria.
Depois o tempo passou
eu caí em maio
mas em setembro tava pelaí
por esses quartéis
onde sempre havia solenidades cívicas
e o cara que me tinha torturado
horas antes,
o cara que me tinha dependurado
no pau-de-arara
injetado éter no meu saco
me enchido de porrada
e rodado prazeirosamente
a manivela do choque
tava lá – o filho da puta
segurando uma bandeira
e um monte de crianças,
emocionado feito o diabo
com o hino nacional.

Alex Polari

Pânico no sótão (terror)

Elis Regina - "Me deixas louca"

quinta-feira, 30 de março de 2017

Human Population Through Time (População humana através do tempo)




Levou 200 mil anos para nossa população humana atingir 1 bilhão - e apenas 200 anos para chegar a 7 bilhões. Mas o crescimento começou a desacelerar, com as mulheres tendo menos bebês, em média. Quando será nosso pico da população global? E como podemos minimizar nosso impacto sobre os recursos da Terra, mesmo quando nos aproximamos de 11 bilhões? (American Museum of Natural History)

O Navio Negreiro (Tragédia no mar)


V

Senhor Deus dos desgraçados! 
Dizei-me vós, Senhor Deus! 
Se é loucura... se é verdade 
Tanto horror perante os céus?! 
Ó mar, por que não apagas 
Co'a esponja de tuas vagas 
De teu manto este borrão?... 
Astros! noites! tempestades! 
Rolai das imensidades! 
Varrei os mares, tufão! 


Quem são estes desgraçados 
Que não encontram em vós 
Mais que o rir calmo da turba 
Que excita a fúria do algoz? 
Quem são? Se a estrela se cala, 
Se a vaga à pressa resvala 
Como um cúmplice fugaz, 
Perante a noite confusa... 
Dize-o tu, severa Musa, 
Musa libérrima, audaz!... 


São os filhos do deserto, 
Onde a terra esposa a luz. 
Onde vive em campo aberto 
A tribo dos homens nus... 
São os guerreiros ousados 
Que com os tigres mosqueados 
Combatem na solidão. 
Ontem simples, fortes, bravos. 
Hoje míseros escravos, 
Sem luz, sem ar, sem razão... 
(trecho)

Castro Alves

Para refletir sobre animais (1)

Alice Walker

"Os animais podem se comunicar muito bem. E eles fazem. E de um modo geral, eles são ignorados." 

(Alice Walker, escritora estado-unidense e ativista feminista)

The Skatalites - "Swing Easy"

quarta-feira, 29 de março de 2017

LIVRO DO DESEJO, poema de Leonard Cohen


Não consigo superar as colinas
O sistema foi abaixo
Vivo de comprimidos
Coisa que agradeço a D--s

Segui o trajecto
Do caos à arte
Desejo o cavalo
Depressão a carruagem

Naveguei como um cisne
Afundei-me como uma rocha
Mas o tempo passou há muito
Pelas minhas reservas de riso

A minha página era demasiado 
branca
A minha tinta era demasiado fina
O dia não quis escrever
Aquilo que a noite rabiscara

O meu animal uiva
O meu anjo aborreceu-se
Mas não me é permitida
Uma réstia de remorso

Pois alguém há-de utilizar
Aquilo que eu não soube ser
O meu coração será dela
De uma forma impessoal

Ela pisará o caminho
Perceberá a minha intenção
A minha vontade partida em duas
E a liberdade pelo meio

Por menos de um segundo
As nossas vidas colidirão
O interminável suspenso
A porta de par em par

Então ela há-de nascer
Para alguém como tu
O que nunca ninguém fez
Ela continuará a fazer

Sei que ela vem aí
Sei que ela irá olhar
E esse é o desejo
E este é o livro

Leonard Cohen

Tradução de Vasco Gato

Angela Ro Ro e Maria Bethânia - "Fogueira"

terça-feira, 28 de março de 2017

Antônio Abujamra - "Se os tubarões fossem homens" - (Bertolt Brecht)

Adeus a Meng Haoran, poema de Li T'ai Po


A oeste do pavilhão da Grua amarela,
          Despedimo-nos, velho amigo.
Entre as flores e a bruma de março
          desces rumo à aldeia de Yang.
A vaga silhueta de tua solitária vela
          desaparece no espaço esmeralda,
E só resta o Grande Rio
          Que corre para o infinito do céu.

Li T'ai Po

Stevie Wonder - "Superwoman"

segunda-feira, 27 de março de 2017

CARPINA, poema de Itárcio Ferreira


Carpina,
Rua de São José, número oitenta.

Primeiras e caras lembranças:
a cachorra Balalaica;
a máquina de costura de minha avó Lídia
           
(quantos mistérios a serem explorados!
Acho que foi o meu primeiro deslumbramento).

A Praça dos Leões
e seus pés de coração-de-negro.

A casa era grande
(ou a imaginação?),
da porta ao portão,
um longo corredor
de onde eu, menino,
observava a chuva
e sentia (resignado?)
a impossibilidade de correr
e me molhar.

Os próximos quadros
me levam ao bairro da Encruzilhada,
já em Recife.

A casa de Tia Clarisse, primeiro andar.

Os bombons jogados por Adalgisa para mim,
do quintal de sua casa
para a varanda do primeiro andar
do quarto onde eu dormia.

São minhas mais agradáveis lembranças.

Pontas de Pedra.

Lembro-me dos seus morcegos,
que atacavam as árvores frutíferas,
dos sapotizeiros, da igrejinha,
dos espantalhos que o Padre mandava fazer
(um dia recebi um de presente).

Lembro-me da festa do padroeiro.

As músicas da divulgadora local:
Cinderela, na voz de Ângela Maria;
O Trovador, na voz de Altemar Dutra;
A Praça, não sei se na voz de Chico
ou de Ronnie Von.

Do mar de Pontas de Pedra,
veio o meu primeiro amor: Emília.

Um dia, deitado na rede,
Emília me beijou na boca,
(um beijo de crianças).

O beijo mais sincero que já recebi.

Ainda hoje guardo um cartão
de feliz natal de 1966,
de Emília para mim.

(Onde estará Emília? Será feliz?)

Ah, o louco da cidade
e a sua mania pelos urubus
que sujavam os céus.

O resto são saudades:
saudades da inocência,
saudades da alienação
(como era belo e bom
o meu mundo),
saudades dos bombons de Adalgisa,
saudades dos carinhos de minha avó Lídia,
saudades de Emília, meu primeiro amor
(quando amarei de novo?).


Visitem o blog do poeta: Itárcio Ferreira, poemas


Para refletir (73)


Purahéi Trio - "Milonga 3 nações"

sábado, 25 de março de 2017

Desfecho, poema de Derek Walcott


Vivo nas águas,
solitário. Sem mulher nem filhos.
Atravessei todas as possibilidades
para chegar até aqui:
pequena casa em água cinza,
janelas sempre abertas
para o velho mar.  Não escolhemos o destino,
mas somos o que fizemos.
Sofremos, os anos passam,
lançamos a carga fora, mas não a necessidade
de obstáculos. O amor é uma pedra
no leito do mar
debaixo da água cinza.  Agora, nada mais quero
da poesia senão o coração.
Não quero a piedade nem a fama nem a cura. Silenciosa
esposa, contemplamos a água cinza,
e numa vida repleta
de mediocridade e lixo
vivemos como rocha.
Devo desaprender sentimentos,
esquecer meu dote.  Isto é maior
e mais difícil do que o que se entende por vida.

Derek Walcott

Tradução de Alberto Pucheu

A arte de Jimmy Craig








Via Jimmy Craig

Os Tincões - "Deixa a Gira girar"

quinta-feira, 23 de março de 2017

A classe média, por Antoine Rault

Allan Sieber



Vejam este diálogo de quase 400 anos.

O diálogo, da peça teatral "Le Diable Rouge", de Antoine Rault, entre os personagens Colbert e Mazarino, durante o reinado de Luís XIV, século XVIII que, apesar do tempo decorrido, é bem atual.

Atentem principalmente ao último trecho:

Colbert:
Para arranjar dinheiro, há um momento em que
enganar o contribuinte já não é possível.
Eu gostaria, Senhor Superintendente,
que me explicasse como é possível continuar a gastar
quando já se está endividado até o pescoço.

Mazarino:
Um simples mortal, claro, quando está coberto de dívidas
e não consegue honra-las, vai parar na prisão.
Mas o Estado é diferente!
Não se pode mandar o Estado para a prisão.
Então, ele continua a endividar-se.
Todos os Estados o fazem!

Colbert:
Ah, sim? Mas como faremos isso,
se já criamos todos os impostos imagináveis?
Mazarino:
Criando outros.

Colbert:
Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.

Mazarino:
Sim, é impossível.

Colbert:
E sobre os ricos?

Mazarino:
E os ricos também não.
Eles parariam de gastar.
E um rico que gasta, faz viver centenas de pobres.

Colbert:
Então, como faremos?

Mazarino:
Colbert! Tu pensas como um queijo, um penico de doente!
Há uma quantidade enorme de pessoas entre os ricos e os pobres: as que trabalham sonhando enriquecer e temendo empobrecer.
É sobre essas que devemos lançar mais  impostos, cada vez mais, sempre mais!
Quanto mais lhes tirarmos, mais elas trabalharão para compensar o que lhes tiramos.
Formam um reservatório inesgotável...
É a classe média!

Funkacid - "O Eterno Deus Mu-Dança"

quarta-feira, 22 de março de 2017

Site criado por professor da UNB disponibiliza obras de filósofos africanos em português




A predominância de autores europeus em estudos de filosofia nas universidades e escolas é tamanha que é como se simplesmente não existissem filósofos em outras regiões do mundo. E assim, riquezas culturais, críticas, intelectuais e de identidade simplesmente permanecem desconhecidas para o resto do mundo, diminuindo assim o próprio mundo – como é o caso da produção filosófica e crítica oriunda da África.

Parte desse problema começa na própria barreira da língua, e foi pensando nisso que Wanderson Flor do Nascimento, professor de filosofia da Universidade de Brasília, criou o site Filosofia Africana, oferecendo obras de filósofos do continente.

O próprio Wanderson se viu diante de tal dificuldade ao realizar um estudo. Segundo o professor, a maioria dos trabalhos só era oferecida em inglês e francês. Além de permitir o acesso às obras, o site pretende intensificar os estudos da cultura africana nas escolas e universidades brasileiras – dialogando as filosofias africanas com os currículos locais de estudos filosóficos.

Para Wanderson, a presença da filosofia africana não só aumenta o repertório dos alunos e professores – especialmente diante do tão pouco que sabemos sobre cultura africana de forma geral – como ajuda a entender esse legado. “Sobretudo, ajuda a desconstruir o racismo velado que paira em nossa sociedade”, ele diz.

Autores como o sul-africano Mogobe Ramose, o camaronês Jean-Godefroy Bidima, as epistemólogas e antropólogas nigerianas Oyèrónké Oyěwùmí e Ifi Amadiume, os moçambicanos José Paulino Castiano e Severino Ngoenha são os primeiros nomes indicados por Wanderson para se conhecer através do site. Em um país com a história que tem o Brasil, se debruçar sobre aspecto tão denso e significativo da cultura africana como a filosofia, e permitir o acesso de estudantes a esse material é também estudar o próprio Brasil e o mundo – real, e não só do ponto de vista eurocêntrico.

Poema sobre um Poema, de Raúl Fitipaldi



Quando Sílvio gritou
Triste era o 9 de outubro de 1967.
Clamou e o som se enredava nas sacadas
As rosas se erguiam e os pássaros pararam o trino
Escutaram
“A Era está parindo um coração,
Não pode mais, morre de dor.
Temos que acudir, está caindo o Porvir”, agonizava.
Urgente: Ordenou que fôssemos lá salvá-lo
E tivemos que deixar tudo para viver.
Foi um dia depois.
Lembro, coloquei roupas e sapatos velhos
Corri empurrado pelo Vento Sul de Montevidéu
Num pulo atravessei o Bairro Sul, afundei no Rio
Desemboquei na beira de Buenos Aires
Respirei gasolina da 9 de Julho e corri mais ainda
Subi desesperado entre as margens do Paraná e do Uruguai
Cai num hospital de São Paulo, estava sujo e lotado
Desci as escadas e quando abri os olhos, não sei…
Era a Panamericana ou a Transamazônica?
Não importa, quando cheguei a Barinas
Senti aroma de liberdade
Tinha pão novo no forno, cheiro doce.
Em qualquer selva ou rua, verde e cinza corria
Da minha boca labaredas de angústia eram combustível.
Atravessei a última rua de Cartagena,
Cheiro de chumbo no belo Panamá.
Virei à direita e senti que Superman ria de mi,
Eu escutei, ria! Vociferei dois palavrões
Do Tio Sam surgiram garras, não me tocaram no Mar Caribe
Com as pernas exaustas pisei Santiago de Cuba.
Chorei intensamente. Descansei um instante.
A força mineral-terra me levantou.
Abriu meus olhos. O horizonte!
Entre as canas o Porvir estava a ponto
De cair num fosso infinito.
Superman devolveu minhas imprecações,
Tio Sam escondeu-se numa esquina de Miami
Tremendo as mãos, estiquei os braços,
o Tempo parou
o Mundo parou
a Morte parou
Levantei o Coração, bem devagar,
O protegi do Sol com minha sombra
Reguei com lágrimas de prantos antigos
As marcas do parto
E calmo, acariciei a Terra devagar, muito devagar
A beijei, abracei o Coração
Pulsava em estrondo essa criança.
Criança livre, olhos fulgurantes,
A mãe morria no entardecer.
Caminhei com rumo Sul,
Vaguei por qualquer casa,
Comi pão, bebi água,
Descansei e acordei
Num sítio muito alto de La Paz,
O Coração crescido, sorridente me despediu,
Um abraço, um beijo, e com passo inquieto
Lançou-se à estrada com os filhos da Terra.
Anda por aí, falando centenas de línguas,
Abrindo Pátria, Semeando Coragem,
Sem Perder a Ternura.

Raúl Fitipaldi

Animação com Papelão, de Michaël Bolufer

Silvio Rodriguez - "La era está pariendo un corazón"

terça-feira, 21 de março de 2017

SARAU DA BOA VISTA – 4º ANO DO SARAU DA RESISTÊNCIA


A Inquisição queimava livros.

Os nazistas queimavam livros.

Nos Estados Unidos, Trump pretende cancelar investimentos nas artes, além de cortes em recursos para rádios e televisão.

"O que é arte? Subsidiamos a produção de soja, mas, pelo menos, se pode dizer o que é um grão de soja". Disse uma colunista do Washington Post.

O desgoverno golpista do Brasil acabou com Ministério da Cultura, transformando-o em uma Secretaria, uma prova do descaso com a cultura.

Em Pernambuco e em Recife a história se repete.

O descaso da Prefeitura com o Teatro do Parque é uma grande prova do que representa a cultura para o prefeito Geraldo Júlio e o governador Paulo Câmara, seu aliado.

(Em tempo: não votei em nenhum dois nas últimas eleições.)

Enquanto permitem a construção de prédios privados cada vez mais em espaços públicos, vide o Cais Estelita, não têm interesse na reforma de um templo da cultura.

Uma troça de carnaval que critica a ambos teve suas fantasias apreendidas pela Polícia Militar no sábado do Galo da Madrugada.

Apesar de tudo O Sarau da Boa Vista sobrevive, e apaixona, e agora em março completa quatro anos de existência e resistência.

O responsável por essa proeza hercúlea é o poeta Aldo Lins, paraibano, mas radicado em Recife há quase 25 anos.

Aldo Lins, autor de “Alma de Vidro” e de “O Grito”, este último, em breve, no prelo, luta diariamente para que o Sarau aconteça a cada último sábado de cada mês.

A cada dia, a cada semana que antecedem as edições do Sarau, Aldo, como quem mata um leão a unha, busca patrocínio para que o evento aconteça.

Diante de tanta resistência, o Sarau da Boa Vista e seu idealizador e produtor, Aldo Lins, estão de parabéns por esta grande vitória.

Sábado, dia 25/03/2017, no Bar Maremoto, na Rua do Hospício, em frente ao Teatro do Parque, comemoraremos o seu quarto aniversário, quando serão homenageados a poeta Pollyanne Carlos e o músico Cinval Cadena.

Esperamos todos por lá, no Sarau da resistência.



Itárcio Ferreira

Angela Ro Ro - "Só Nos Resta Viver"

segunda-feira, 20 de março de 2017

Ninguém me canta como você, poema de Alice Ruiz


ninguém me canta
como você
ninguém me encanta
como você
nem me vê
do jeito
que só você
de que adianta
ter olhos
e não saber ver
ter voz
mas não não ter o que dizer
digam o que disserem
façam o que quiserem
ninguém diz
ninguém vê
ninguém faz
como você
ninguém me canta
ninguém me encanta
como você

Alice Ruiz

A “alegoria das colheres longas”

Purahéi Trio - "Pé de cedro"

sábado, 18 de março de 2017

Invenção de Orfeu, poema de Jorge de Lima



2.
A ilha ninguém achou
porque todos o sabíamos.
Mesmo nos olhos havia
uma clara geografia.
Mesmo nesse fim de mar
qualquer ilha se encontrava,
mesmo sem mar e sem fim,
mesmo sem terra e sem mim.
Mesmo sem naus e sem rumos,
mesmo sem vagas e areias,
há sempre um copo de mar
para um homem navegar.
Nem achada e nem não vista
nem descrita nem viagem,
há aventuras de partidas
porém nunca acontecidas.
Chegados nunca chegamos
eu e a ilha movediça.
Móvel terra, céu incerto,
mundo jamais descoberto.
Indícios de canibais,
sinais de céu e sargaços,
aqui um mundo escondido
geme num búzio perdido.
Rosa-de-ventos na testa,
maré rasa, aljofre, pérolas,
domingos de pascoelas.
E esse veleiro sem velas!
Afinal: ilha de praias.
Quereis outros achamentos
além dessas ventanias
tão tristes, tão alegrias?
(trecho)

Jorge de Lima