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sábado, 4 de junho de 2016

Paulista recluso e de obra modesta, Raduan Nassar ganha o Prêmio Camões de Língua Portuguesa

O escritor, vencedor do Prêmio Camões
O escritor, vencedor do Prêmio Camões


O escritor paulista Raduan Nassar foi o 12º brasileiro a ser contemplado com o Prêmio Camões, um dos mais importantes oferecidos a escritores de língua portuguesa, em sua 29ª premiação, na última segunda-feira (30/03). Com este feito, o Brasil se iguala a Portugal no número de escritores premiados – também 12. Outros países lusófonos já contemplados foram Angola, Moçambique e Cabo Verde.

Nomes respeitáveis da literatura brasileira e mundial, como José Saramago (Portugal), Mia Couto (Moçambique), Jorge Amado, Raquel de Queiroz, Rubem Fonseca e Lygia Fagundes Telles já receberam o prêmio. Infelizmente, dos vinte e nove premiados, apenas seis são mulheres.
Raduan Nassar tem uma história, no mínimo, inusitada: atualmente com oitenta anos de idade, lançou apenas três livros, sendo os dois mais conhecidos na década de 1970, ambos adaptados para o cinema: o romance Lavoura Arcaica (1975) e a novela Um copo de cólera (1978). Em 1997, publicou uma coletânea de contos intitulada Menina a caminho e outros textos.

Na década de 80, recolheu-se em sua fazenda, que posteriormente foi doada à Universidade Federal de São Carlos. Reservado e recluso, Raduan Nassar raramente aparece em público ou dá entrevistas. Em uma incomum aparição, no dia 30 de março, Raduan Nassar defendeu a presidenta Dilma Roussef“Os que tentam promover a saída de Dilma arrogam-se hoje, sem pudor, como detentores da ética mas serão execrados amanhã”, afirmou.

O júri que lhe concedeu o Prêmio Camões, no valor de 100 mil euros, destacou “a extraordinária qualidade da sua linguagem” e a “força poética da sua prosa”.  De fato, a prosa extremamente poética é um traço marcante na exígua obra de Raduan Nassar.

Lavoura Arcaica conta a história de André, que escapa da fazenda da família, conservadora, revoltando-se contra as tradições ruralistas e patriarcais. Mais do que a história, o que prende é a escrita embriagante e quase selvagem de Raduan Nassar. As frases, longas, arrastadas, requerem concentração e muito, muito fôlego, como no extrato que se segue. “(…) e ele falou que estando a casa de pé, cada um de nós estaria também de pé, e que para manter a casa erguida era preciso fortalecer o sentimento do dever, venerando os nossos laços de sangue, não nos afastando da nossa porta, respondendo ao pai quando ele perguntasse, não escondendo nossos olhos ao irmão que necessitasse deles, participando do trabalho da família, trazendo os frutos para casa, ajudando a prover a mesa comum, e que dentro da austeridade do nosso modo de vida sempre haveria lugar para muitas alegrias, a começar pelo cumprimento das tarefas que nos fossem atribuídas, pois se condenava a um fardo terrível aquele que se subtraísse às exigências sagradas do dever.”

O mesmo se pode dizer da novela Um copo de cólera: uma trama que se passa em poucas horas; um homem e uma mulher, sem nomes nem características físicas definidos que, após uma intensa relação sexual, têm um acesso de cólera e passam a insultar-se mutuamente. Mais uma vez, a marca são as frases longas e entremeadas de ideias, imagens e devaneios – cada capítulo é composto de um parágrafo, de uma só frase, do narrador introspectivo. “sabe o que penso de mim, comparados um com o outro? (…) confesso que em certos momentos viro um fascista, viro e sei que virei, mas você também vira fascista, exatamente como eu, só que você vira e não sabe que virou; essa é a única diferença, apenas essa: e você só não sabe que virou porque – sem ser propriamente uma novidade – não há nada que esteja mais em moda hoje em dia do que ser fascista em nome da razão.”

O prêmio Camões é dado anualmente a “um autor de língua portuguesa que tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural da língua comum”, segundo seu regulamento. Apesar da obra parca, o prêmio atribuído a Raduan Nassar foi mais do que merecido. Ele já nos presenteou com sua maneira inusitada de escrever em nossa língua.