Via Cinegnose
Por Wilson Roberto Vieira Ferreira
Desde que o filósofo e matemático Nick Bostron sugeriu em 2003 que o universo poderia ser uma simulação produzida algum supercomputador quântico alienígena, físicos, matemáticos e astrofísicos vem procurando evidências dessa hipótese. O “Cinegnose” vai resumir as atuais cinco principais evidências: O Princípio Antrópico e o Paradoxo de Fermi, Mecânica Quântica e Modelagem da Simulação, Universo Pixelado, Falhas na Matrix, Raios Cósmicos e a Grade da Simulação. Uma discussão à primeira vista delirante, mas que envolve lógica e números. E, claro, a inspiração do imaginário cinematográfico dos filmes gnósticos. Uma discussão que pode resultar em profundas consequências espirituais e religiosas nas nossas vidas.
Há milênios filósofos como Platão especulam que a vida como a conhecemos
talvez não seja real. Com o advento da era da computação, essa ideia ganhou um
novo impulso, principalmente quando a cultura pop passou a debruçar-se sobre o
tema chegando ao imaginário cinematográfico em filmes como A Origem, Dark
City, 13o Andar e a trilogia Matrix dos
Wachowski.
Em duas postagens anteriores o Cinegnose desenvolveu
esse argumento do Universo como simulação computacional finita a partir de
pesquisas da Universidade de Bonn, Alemanha, onde uma equipe de cientistas
tenta substituir a ideia de espaço-tempo contínuo pela busca de uma “assinatura
cósmica”: minúsculos espaços cúbicos parecidos com grades – pixels? – sobre
isso clique aqui.
Ao mesmo tempo, o pesquisador da NASA Richard Terrile, baseado na
chamada Lei de Moore (que sustenta que os computadores duplicam sua capacidade
a cada dois anos), leva a sério a possibilidade de que o Universo possa ser
alguma espécie de game em um computador cósmico. E a principal evidência é que
nós também procuramos repetir isso por meio de meta-simulações como games e
mundos virtuais como o Second Life.
Quem começou toda essa especulação filosófica nesse início de século foi
o filósofo e matemático da Universidade de Oxford, Nick Bostrom, que criou o
conceito de “substrato independente”: consciência e inteligência poderiam se
manifestar por meio de diversos suportes, entre eles um supercomputador
senciente que conteria toda a simulação cósmica. Em outras palavras, seríamos
todos partes de uma versão de um role-playing cósmico como um World of
Warcraft – sobre isso clique aqui.
Nos últimos anos essa hipótese vem sendo levada a sério em artigos de
revistas como a New Scientist e diversos blogues pessoais de
físicos, filósofos e cientistas. Em todos eles há uma tentativa de reunir
evidências para resolver mistérios e paradoxos a partir da analogia com o
funcionamento de um computador digital, seja no mundo da mecânica quântica,
seja nas nossas observações empíricas do dia-a-dia: realidade pixelada, os
paradoxos das ondas quânticas, falhas no contínuo da realidade (déjà vu,
fantasmas, fenômenos sobrenaturais), princípio antrópico, paradoxo de Fermi
etc.
O Cinegnose vai reunir cinco principais evidências que
reforçariam a hipótese de que o Universo poderia ser uma simulação
computacional. Evidências que parecem trazer de volta as milenares mitologias
gnósticas em torno da suspeita da ilusão da realidade.
Mas o Cinegnose vai além: quais as possíveis
implicações religiosas e espirituais se levarmos essas evidências às últimas
consequências?
1. O Princípio Antrópico e o
Paradoxo de Fermi
É surpreendente que existam seres humanos. Para que a vida começasse
nesse planeta foi necessário que todos os fatores resultassem em uma feliz
coincidência: a distância perfeita do Sol, a atmosfera com a composição correta
e a força da gravidade na medida exata.
Embora possa haver muitos outros planetas com essas condições, a
felicidade do surgimento da vida na Terra se torna ainda mais impressionante
ampliando a perspectiva para além do nosso planeta. Se algum fator cósmico como
a energia escura fosse um pouco mais forte, a vida não existiria.
Daí vem a questão do princípio antrópico: Por que essas condições
convergiram de forma tão perfeita para nós? A explicação lógica seria de que as
condições foram deliberadamente criadas com a intenção de dar-nos vida. Cada
fator teria sido convenientemente criada em algum vasto experimento. Os fatores
foram apenas programados no Universo e a simulação foi iniciada.
Esse princípio se ligaria ao chamado Paradoxo de Fermi (o primeiro
físico a controlar a reação nuclear) que poderia ser resumido em uma simples
pergunta formulada pelo físico na década de 1960: “onde está todo mundo?” –
haveria uma contradição entre o nosso crescente conhecimento do Universo e a
ausência de contato com qualquer forma de vida existente em algum outro ponto
do cosmos.
Com bilhões de outras galáxias lá fora, muitas delas bilhões de anos
mais velhas que a nossa, pelos menos uma não poderia ter dominado as viagens
espaciais?
Uma resposta seria a possibilidade da existência de multiversos – sim,
haveria outras formas de vida, porém em outros universos paralelos, cada um
ignorando os demais. Um argumento que reforça a hipótese da simulação – o nosso
universo seria mais uma simulação dentro de outras simulações. Todas isoladas,
cada qual em sua prisão virtual. Será que o objetivo desses role play games
talvez fosse o de testar os efeitos do ego sobre a civilização?
2. Mecânica Quântica e a modelagem
da simulação
Um argumento contra a hipótese da simulação é que um computador com tal
capacidade de processamento e renderização da realidade seria impossível. Para
além do argumento de que os computadores atuais certamente seriam impensáveis
há 100 anos, existe uma solução mais interessante confirmada pela própria
mecânica quântica – o computador simula unicamente o que ele precisa. Isso é
algo que realmente acontece em games de computadores atuais.
Não seria necessário para esse supercomputador modelar toda a realidade
a um nível que a simulação fosse indistinguível da realidade. Apenas os
elementos observados precisam ser modelados a um nível de resolução que
coincida com as limitações da nossa observação ou aos nossos instrumentos de
medida. Um programa poderia fazer isso dinamicamente gerando resoluções
incrementais de vários componentes conforme fosse necessário, tal como quando
colocamos um objeto em um microscópio. Talvez a simulação cósmica seja muito
menor do que imaginamos.
Isso esclareceria alguns paradoxos da mecânica quântica como o
porquê do estado quântico ser digital, bem diferente da concepção contínua e
analógico do espaço-tempo. Ou ainda o chamado “efeito do observador” e a noção
de “entrelaçamento quântico”.
No paradoxo do observador, uma partícula subatômica é uma onda de
probabilidade onde diversas realidades ou alternativas coexistem
simultaneamente. Somente quando observamos a partícula ela “decai” (decoerência)
entrando em colapso a função de onda estabelecendo-se as propriedades do
objeto.
Em 2008 o Instituto de Ótica Quântica e Informação Quântica (IQOQI) em
Viena determinou a uma certeza de 80 ordens de grandeza que a realidade
objetiva não existiria por si só, passando somente a existir quando
conscientemente observada.
3. O universo pixelado
Se a simulação estiver sendo realizada nesse momento por um computador
quântico, o universo não seria contínuo e dotado de uma resolução infinita: ele
seria digital e fundamentalmente composto por informações.
Em 2008 o GEO 600, detector de ondas gravitacionais em Hannover,
Alemanha, captou um sinal anômalo sugerindo que o espaço-tempo é pixelado. É
exatamente o que seria esperado de um universo “holográfico” onde a realidade
3D é na verdade uma projeção de informação codificada na superfície dimensional
na fronteira do Universo (New Scientist, janeiro de 2009, p. 24).
Vivemos em um mundo real. Pensamos que aqui não há pixels e que podemos
nos mover de uma forma contínua de um ponto para outro. Não somos seres
digitalizados, pensamos: somos seres analógicos que vivem em um mundo fluido
sem a pixelização de uma tela de computador.
Mas a mecânica quântica parece comprovar o contrário na alta resolução
do mundo das partículas subatômicas. É como se nos movêssemos tão rápido em um
moderno game de computador que superássemos a capacidade da placa gráfica em
renderizar os cenários: confrontamo-nos com paradoxos, ondas pixeladas, pedaços
de quantum binários sim/não.
Para essa evidência, a capacidade de resolução de qualquer programa
seria análoga à resolução espacial da nossa realidade simulada, apenas em um
nível diferente.
4. Falhas na Matrix
Mas até mesmo simulações avançadas podem ter falhas, certo? Na clássica
trilogia Matrix dos Wachowski é apresentado um exemplo do déjà
vu como uma falha na simulação: quando algo parece inexplicavelmente familiar,
a simulação poderia estar “pulando”, como em um CD riscado. Matrix sugere
que essas falhas poderiam ser também representadas por insônias e desordens
mentais como a esquizofrenia.
Para essa teoria, elementos sobrenaturais como fantasmas ou milagres
também poderiam ser falhas. As pessoas realmente testemunhariam esses fenômenos
devido a erros no código da simulação.
Mas mesmo para um supercomputador cósmico, memória, velocidade de
modelagem da realidade e a resolução poderiam ser cruciais. Sem falar na
possibilidade de podermos descobrir a natureza simulada do universo, já que
ingressamos na era da meta-simulação com os games e os diversos mundos
simulados oferecidos online na Internet.
Por isso o esquecimento e a morte seriam cruciais para a simulação –
permitiria a reinicialização de cada “personagem” da simulação garantido sempre
espaço para novas memórias – religiões chamam isso de “reencarnação”.
Mas, assim como nos computadores onde os arquivos nunca são deletados
completamente do HD permanecendo rastros por um certo tempo, as memórias
passadas podem retornar, criando déjà vus. Em vida, o sono cumpriria esse papel:
o do esquecimento. E a insônia seria a luta do “personagem” da simulação contra
esse recorrente mal estar.
Além de Matrix, filmes gnósticos como Dark City exploraram
esse tema: em um mundo simulado criado por demiurgos alienígenas, durante o
sono dos humanos a simulação é reparada e as identidades são trocadas mantendo
todos em um perpétuo estado de esquecimento. Até o protagonista despertar no
meio de uma dessas trocas e descobrir uma sinistra realidade.
5. Raios Cósmicos e a grade da
simulação
Se estamos vivendo em um simulador, esperaríamos encontrar evidencias da
existência de bordas do universo observável. Pelo menos é o que a equipe de
Silas Beane da Universidade de Bonn procuram encontrar em seu cálculos
publicados em um artigo publicado na arXiv.org – Cornell
University Library -"Contraints on the Universe as a Numerical Simulation".
As partículas cósmicas voam através do Universo, perdem a energia e
mudam de direção e se espalham através de um espectro de valores de energia. Há
um limite conhecido para a quantidade de energia que essas partículas possuem,
porém Beane e sua equipe calcularam que essa queda no espectro de energia é
consistente com a ideia de uma espécie de limite do Universo.
A investigação sobre a forma de dispersão dessas partículas poderia
revelar não somente as fronteiras da simulação mas também a estrutura da
simulação em grade ou “treliça”.
Como a hipótese da simulação afeta
nossas vidas
a) Deus é um programador? – Deus é um programador de óculos debruçado sobre um teclado? Será
que o Divino Programador codificou dentro de nós o desejo de adorá-lo, parte
fundamental nas religiões? Certamente essa concepção digital de Deus
aproxima-se da noção de Demiurgo do Gnosticismo – de um lado quer que o
adoremos, mas do outro esconde a verdadeira natureza do fenômeno religioso:
esquecimento da simulação que nos aprisiona.
b) O que há fora da simulação? – mais um ponto de contato com o Gnosticismo. Há milênios os
gnósticos rejeitam esse mundo como “falso” por ser uma “cópia imperfeita do
Pleroma”, a Plenitude que existiria fora dos limites desse Cosmos. Porém, a
hipótese da simulação esquece de um elemento vital da concepção humana
gnóstica: se por um lado temos algo que nos codifica e aprisiona, por outro
temos a “fagulha de Luz”, impulso espiritual ouviria o chamado lá de fora da
simulação.
Algo como o impulso de Truman em fugir de Seaheaven em Truman
Show ou das entidades sencientes em 13o Andar que
constroem meta-simulações até descobrirem que eles próprios estão vivendo em
uma espécie de cebola cósmica, com diversos mundos simulados sobrepondo-se.
c) Reinterpretação dos fenômenos espirituais, religiosos e psíquicos
– Se
aceitarmos a hipótese da simulação, fenômenos espirituais e religiosos como a
crença em um Deus Divino como um bondoso criador e os fenômenos espirituais
como metapsíquicos ou etéreos deverão ser reconsiderados. Como sintomas de
falhas na Matrix poderiam ser rastros de memórias deletadas nos seguindo, sejam
fantasmas, arquétipos ou, na psicanálise, traumas.
Fala-se na Parapsicologia que fantasmas poderiam ser projeções de certos
ambientes saturados de energia psíquica que dada a certas condições
“materializam-se” de forma efêmera.
O fato é que as religiões e crenças esotéricas poderiam ser
racionalizações codificadas na simulação para promover o esquecimento, tornando
a simulação menos “pesada” em termos de informações.
d) Não persiga coisa materiais – pode parecer piegas, mas não fique tão obcecado por dinheiro e
riqueza. Em primeiro lugar, nem mesmo são coisas materiais. Você está vivendo
em uma simulação tão irreal quanto aquele velho jogo de computador de 8 bits do
Atari. A obsessão em ganhar dinheiro nessa simulação seria tão insensato quanto
coletar moedas de ouro em um role-playing game qualquer de computador.