Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

sexta-feira, 19 de abril de 2019

Via Crúcis: do Imaculado Coração de Maria à Caixa Econômica Federal, por Itárcio Ferreira



A internet é como aqueles antigos álbuns de fotografia, nos faz reviver o passado. Às vezes as lembranças são boas, outras, pesadelos.

Dia desses encontrei no YouTube a música "O homem de Nazaré", interpretada por Antônio Marcos.

A música me lembrou o tempo, terrível, em que estudei no Colégio Imaculado Coração de Maria, em Olinda, dos 12 aos 14 anos. 

Terrível porque naquela época, 1974/1976, eu era o cara mais tímido do mundo, de uma timidez doentia: eu era depressivo e não sabia. Só vim descobrir minha depressão aos 23 anos.

Imaginem uma pessoa, em sua essencial, alegre, brincalhão, criativo, aprisionado no corpo de um pré-adolescente, ainda por cima deficiente físico, que mal conseguia dar bom aos amigos, quando na verdade tinha vontade de abraça-los, sorri, brincar, beijar.

Não cometi suicídio por sorte, pois que nunca sofri bullying, ao contrário, apesar de super retraído e calado, haviam pessoas que gostavam de mim.

No Imaculado lembro de André, um garoto um ano mais novo do que eu, cabelos loiros, que no recreio sempre ficava em minha companhia. Para o meu azar, seu pai foi transferido, a trabalho, para o Rio de Janeiro, e eu fiquei sem amigos. Obrigado, André.

Havia também uma menina, Ana Paula Giffoni, linda, que gostava muito de mim e eu dela. Sempre conversávamos, e a companhia dela me fez atravessar aquele inferno com um pouco mais de alegria. Obrigado, Ana.

Havia, ainda, uma outra menina, Ana Virgínia, por quem sempre fui apaixonado, mas, claro, ela nunca soube de minha paixão, nem que eu a achava a menina mais linda do mundo.

Ah Antônio Marcos, era boa a lembrança da tua voz na canção "O homem de Nazaré", sempre tocada nas aulas de religião. Obrigado.

Aqueles tempos foram tão terríveis quantos os anos que passei trabalhando na Caixa Econômica Federal, na agência Marcos Freire, também em Olinda, entre novembro de 1989 a março de 1995. 

Dali, ao contrário do Imaculado - André, Ana Paula, Ana Virgínia, Antônio Marcos - não consigo ter nenhuma lembrança agradável.

Contratado para trabalhar seis horas diária, trabalhávamos dez, sem direito a horas extras ou folgas. 

Trabalhávamos por pressão, - hoje assédio moral - tudo tinha um horário limite: passar por telefone as aplicações do overnight; consertar os erros do sistema, na conta acerto, antes da agência abrir; etc.

Tudo sob pena de arcar financeiramente com os erros ou a demora em realizar procedimentos, o que, claro, pois sou humano e não máquina, vez por outra acontecia, e o desconto era feito no mesmo dia na minha conta corrente.

Óbvio que diante de tanto abuso a minha depressão voltou com força total. Vivia, e trabalhava, com a ajuda de medicamentos e uma grande dose de álcool.

Quem leu "Cartas na rua", de Charles Bukowski, sabe do que estou falando. E lá, na Caixa, não havia a voz de Antônio Marcos para me acalmar. Triste.

Itárcio Ferreira