Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

sábado, 2 de julho de 2016

Mobiliário Íntimo, poema de Jaci Bezerra


As paredes do sótão são ferida
e a noite em flor se agacha entre os seus muro:
é no sótão que o homem empilha a vida
e empilha o tempo que ficou maduro. 

No seu interior, por entre pilhas
de tempo e mundo, a saudade cresce 
ressuscitando no homem maravilhas
que exceto o homem, ninguém mais conhece. 

Às vezes o sótão geme e chora, opresso, 
hora em que o homem, voltando ao início,
sente, folheando o tempo nele impresso,
que o sótão respira feito um bicho. 

O homem habita o sótão que o habita
e no chão deixa a pátina dos seus passos,
sem saber explicar, quando o visita,
porque no sótão o tempo é sempre intacto. 

Nos dias em que o sótão cheira a azedo
e a memória do homem, inchando dói,
o homem, aninhado nos seus feudos,
quer falar mas não acha a sua voz. 

O sótão, como o homem, é uma imagem
feita de imagens, no tempo desdobrada:
o homem sabe onde nasce a sua imagem,
porém não sabe em que dia ela se apaga. 

Quando, para expurgar a sua angústia,
o homem abre o silêncio e o sótão se abre,
o tempo na memória é luz e música
e, no silêncio, o homem inteiro arde. 

A paz desse momento é alada e exata
e resplendendo, sem nódoa e sem ferrugem,
a ternura do homem se desata
e o sótão todo cheira a flor e nuvem.