Aos Mestres, com carinho!

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Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Recordações de Antônio Abujamra

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Hoje fui surpreendido com a triste notícia de que Antonio Abujamra havia partido, rumo à eternidade. O vazio deixado por ele no teatro, na televisão e na cultura de nosso país será imenso. E seu legado também.
Conheci Abu na época em que ele dirigia (juntamente com o uruguaio Hugo Rodas) uma peça de Leonid Andreiev, aqui em São Paulo, alguns anos atrás. Depois, fui convidado a participar do Provocações (o melhor programa de entrevistas da TV brasileira, juntamente com o Sangue Latinoapresentado pelo também genial jornalista Eric Nepomuceno). É verdade que poucas vezes nos encontramos (ainda que durante algum tempo trocássemos correspondência eletrônica com certa frequência). Apesar disso, a generosidade de Abu era tal que ele preparou, sem pestanejar, o prefácio de meu livro Cansaço, a longa estaçãopublicado em 2012, obra agora adaptada para os palcos por Rodas, com estreia marcada para a segunda metade de maio em Brasília (lembro-me que ele expressou grande satisfação ao saber que o romance seria transformado em peça e montado por ninguém menos que seu querido amigo e colaborador de longa data).
Em algumas ocasiões chegou a me escrever até mesmo para comentar, brevemente, as histórias do sapo Gonzalo! Quem diria! Aparentemente gostava do personagem…
Sabendo do interesse de Abu por Andreiev, fiz o esboço de uma adaptação para o teatro (ainda bastante crua e esquemática) de um texto do contista e dramaturgo russo. Certamente estava longe de ter a qualidade das realizações do mestre do tablado: era apenas a tentativa esforçada de trabalhar com uma linguagem nova para mim. Apesar de todas as imperfeições e lacunas do enredo, contudo, Abujamra leu e se entusiasmou com o material. Planejou, num impulso, uma leitura pública (já havia até mesmo escolhido que parte iria desempenhar na peça). Ao final, o projeto acabou não se concretizando (nem a leitura com atores foi realizada). Mesmo assim, isso mostra bem, e de forma inequívoca, seu total desprendimento e grandeza de espírito.
Polêmico, contestador, provocador. E muito mais. Um dos fundadores do grupo Decisão, participou de dezenas de espetáculos ao longo da vida, ganhou vários prêmios da crítica. E o reconhecimento do público, que sempre o aplaudiu de pé. Foi o rosto e a alma do TBC. Instigante, dono de um humor ácido, rompia tabus, colocava o dedo na ferida e nos estimulava a pensar. Antonio Abujamra fará falta, sem dúvida nenhuma. Aqui, reproduzo o prefácio escrito por ele para o romance Cansaço, a longa estação. Viva o velho Abu!
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Cansaço, a longa estação
Antonio Abujamra
É inacreditável que Luiz Bernardo Pericás não carregue o cansaço de séculos em suas costas, assimilando sem preconceitos tudo o que poderia atrair para o preconceito. Sua escrita revela uma originalidade que se compara a Ortega y Gasset, que analisou e recusou – talvez por cansaço – a aventura hiper-humana para escrever uma arte verdadeira, um caminho enlouquecedor para o homem.
A paixão pelas personagens de Punaré e Baraúna nos leva a uma atmosfera atordoante e quase masoquista de ler sem parar, querendo também pegar o cabo tosco da enxada enferrujada e fincar a pá de metal no chapadão batido.
Toda a literatura anterior de Pericás já nos deixava diante de um dos maiores do Brasil, e agora surge esse novo autor, para o qual tenho de segurar pelo menos uns vinte qualificativos elogiosos.
Punaré, Baraúna e os bois nunca mais deixarão de me angustiar como um personagem de Unamuno ou como ele mesmo indignado gritando para os fascistas na Universidade de Salamanca: “Aqui não! Aqui é uma casa de Cultura!”.
Pericás nos leva para um mundo de ética e estética e não tem nenhum temor da audácia de um De Profundis*, de um Francisco de Assis, de um Proust. Lendo Cansaço, a longa estação nunca mais teremos medo das tempestades nem de elementos selvagens que, mesmo jogando as maiores ondas em nossa cabeça, não conseguirão chegar até nós, pois estaremos tranqüilos como um Kierkegaard – e seremos um rei nos escolhos.
* Referência ao livro de Oscar Wilde. (N. E.)

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