Aos Mestres, com carinho!

Aos Mestres, com carinho!
Drummond, Vinícius, Bandeira, Quintana e Mendes Campos

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Robert Frank

Via Sarrabulhada


Charleston, South Carolina

Funeral, South Carolina

Trolley, New Orleans

 Parade, New Jersey

Political rally, Chicago 1

Political rally, Chicago 2

London, 1953


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

BEIJO 2348/73 (1990)




Encontrei no Sala Fério

A vida de um trabalhador (Chiquinho Brandão) vira de cabeça para baixo quando ele é flagrado beijando uma colega (Maitê Proença) durante o expediente. Ele é despedido por justa causa e enfrenta um processo trabalhista. O marido traído da colega beijada e a sua namorada ciumenta aceitam depor contra ele. No Festival de Cinema de Gramado de 1990, o filme recebeu os Kikitos de Melhor Fotografia e de Melhor Montagem. No mesmo ano, conquistou o prêmio de Melhor Filme no Festival de Cinema Brasileiro de Brasília.

Nota do blog:
Quem tiver mais de 50 anos, eu tenho, cuidado com a emoção (risos).

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A OFERENDA





Apenas sei o que me ensina o mestre. Embora nunca tenha visto o seu rosto, pois quando se apresenta em seus trajes brancos, cobrem-lhe as faces e os cabelos, capuz de mesma alvura, desconfio que o mestre seja vários, ou até um deus, que possa mudar-se em muitos. Às vezes noto-lhe a voz estranha, em outras ocasiões, reconheço uma que já ouvi antes, como um canto de pássaro sequestrado da infância. 

Mas esses pequenos detalhes, que servem para distrair-me, não são coisas que valham grandes preocupações de minha parte ou do meu povo; agradar aos deuses, esta é a nossa finalidade.  Embora eu seja um escolhido, a quem os homens devem respeito, admiração e têm ainda – e o digo sem medo de ser arrogante - inveja, apesar de tudo sou um servo, e é isto muito mais valioso do que um reino aqui nesta passagem terrena. Almejo os reinos de outros mundos, mais luxuosos, mais felizes, mais prazerosos. Meus reinos não são deste mundo! Digo sempre.  Por isso sirvo a espera das recompensas maiores.

O que mais sinto e incomoda-me, nesta minha vida de abnegação e entrega a favor do meu povo e em nome dos deuses, é a solidão. Sei que assim falando, vocês, na posteridade, – para quem escrevo – acharão que vivo só, enclausurado talvez em algum templo. Não, minha vida tem sido até cansativa, buscam-me muitos, os meus enamorados, em minha ilha, mas a única voz que ouço, a única pessoa com quem posso conversar é o meu mestre que tudo sabe que tudo me ensina e, apesar do seu saber, não está sempre comigo, e nestes momentos condenam-me, ou melhor, libertam-me, o meu destino e a minha iniciação, a calar-me, a guardar todo o meu saber, meu poder imaginativo, para o momento certo. É quando me sinto só, apesar de rodear-me um exército.

Todas as pessoas que me cercam têm por função o cuidado com o meu prazer corpóreo, com minha segurança, com a minha elevação espiritual, e são proibidas de falar-me, dirigir-me quaisquer palavras, pois meus ouvidos são apenas depositários do saber do mestre.  Não quer o mestre, e os mestres de meu mestre, que as suas falas, suas vozes, suas ideias e seus ensinamentos errôneos maculem o meu espírito puro e imaculado.  Por isso todos os servos são mudos. Entre aqueles que nascem mudos, e que são destinados pelos deuses e sua corte a servirem aos cordeiros – pois como sou cordeiro, outros já o foram e outros serão – são escolhidos os meus servos mais próximos, para as outras funções são selecionados, entre as famílias de meu povo, aqueles que voluntariamente terão as suas línguas cortadas, pois o mal é o que sai da boca dos servos, do povo.

Às vezes meu corpo sente a necessidade de prazeres e para acalmar o espírito demoníaco que habita as carnes e aprisiona o espírito da alma, é-me servido vinho, que bebo em grandes quantidades, misturado com água, como fazem os sábios helenos.

Às mulheres e aos rapazes que me servem como amantes, não é permitido que vejam o meu corpo enquanto o satisfazem, pois através dos fluidos que ele emana, nos momentos de gozo, é possível, além de ver-se o futuro, conhecer segredos, mistérios, artes e mágicas que só aos sacerdotes, iniciados e feiticeiros reais são permitidos conhecer, pois há  o perigo de que pessoas estranhas e inescrupulosas, com a ciência desses mistérios, almejem poderes terrenos. Por isso essas mulheres e homens a quem escolho pelos corpos que mais me fazem enrijecer, têm os olhos furados. Não se pode confiar nas vendas que comumente são atadas aos mais íntimos, entre os quais os que me banham, e que têm a morte como castigo se ousarem observar-me.

Sou uma oferenda, e o meu destino é ser imolado quando se fizerem vinte e um, os ciclos de minha vida. Não temo a morte como os ignorantes, pois sou culto e iniciado nos ritos próprios aos homens de minha casta e nos ritos exclusivos para os que serão oferecidos em holocausto.

No dia de minha morte porei a vestimenta mais bonita, que ainda não possuo, mas que aos poucos indico aos artesões como desejo que seja confeccionada. Tenho diários sonhos, e um deus que não conheço aparece-me sempre. Meu mestre crê que seja a minha nova imagem, o mais novo deus da corte celeste que surgirá após a minha morte, após a oferenda: a minha forma divina. Mas ao despertar desses sonhos, apenas pequenos detalhes de suas vestes a mim são permitidos lembrar, e montando esse enigma terei a minha indumentária no grande dia. Procurarei sorrir quando a faca ritual penetrar em meu coração, não terei o horror estampado em minhas faces como as donzelas e os castos rapazes de tenra idade que são sacrificados anualmente a espera da grande oferenda.

Mas a minha vida não é só prazeres como possa parecer essas pequenas divagações ditadas a meus escribas, através lençóis, cortinas e outros adereços que nos separam. Antes de tudo os ritos, a iniciação, os conhecimentos. Quererão os deuses e suas hostes um ignorante? Dedico-me horas de estudo com meu mestre, horas cansativas de exercícios físicos, orações e pequenas ofertas. Todo o meu tempo é regrado, como as chuvas fertilizantes o são pelas estações. Se me detenho, em minhas crônicas, em frivolidades, prazeres e exóticas observações, é que não ouso revelar detalhes de minha preparação a incautos, interesseiros e aventureiros, que por ventura viessem a ter acesso a esses sagrados manuscritos, diversão de um futuro deus, dádiva de seu espírito alegre e bondoso aos seus adoradores.

Cansado, ordeno a meus escribas para imergir os seus trabalhos em banha protetora para que eles durem alguns anos a mais. Recolho-me aos meus aposentos onde me esperam o vinho, alguns rapazes e mulheres para compartilharem de minha potestade.
Após a orgia, vinho, sexo, gozo e cansaço. Com certeza já será noite, alta noite: durmo!


(Itárcio Ferreira)

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Outros contos de Itárcio Ferreira:

Da primeira fase (1988/1989):
Da segunda fase (após 2013):

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O teu riso



Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.



(Pablo Neruda)
 

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Zé Limeira, o poeta do absurdo

Livro de Orlando Tejo

Por Mouzar Benedito, via Blog do Boitempo
A primeira vez que ouvi falar de Zé Limeira foi quando fechávamos o número 1 do Versus, o jornal mais bonito (e certamente estava entre os de melhor qualidade) que a esquerda já teve, no Brasil.
Era final de 1975. O jornal foi lançado poucos dias depois do assassinato de Vladimir Herzog, o clima era tenso. Mas Versus foi lançado como “um jornal de ideias e cultura”. Assim mesmo algumas pessoas tiveram, se não medo, receio de que haveria repressão. Não houve.
Uma das matérias do número 1, de autoria de Mauro Barbosa de Almeida, revelava para muitos de nós um poeta inédito, irreverente, gozador e cativante.
Era um negro analfabeto nascido no final do século XIX, em Teixeira (Paraíba), que morreu em 1955. O também poeta Orlando Tejo foi o grande responsável pelo registro da poesia de Zé Limeira, cantador bom de viola, voz potente, que deixava perdidos os que ousavam desafiá-lo, soltando palavras que não existiam em nenhum dicionário, mas que o povo achava bonitas e aplaudia. Mas não eram só palavras inexistentes que ele usava, eram situações inexistentes também, juntando personalidades e fatos célebres que se passaram em séculos muito diferentes. Jesus Cristo, Getúlio Vargas, Napoleão Bonaparte, Tomé de Souza e outros vultos históricos aparecem às vezes convivendo nos mesmos versos, às vezes em situações absurdas, como Jesus Cristo “sentando praça na polícia”.
Orlando Tejo conheceu Zé Limeira e o ouviu pela primeira vez em 1940. Registrou seus versos e publicou o livro “Zé Limeira, poeta do absurdo”, cuja última edição, se não me engano, é do ano 2000. É possível encontrar esse livro em sebos, e quem tiver oportunidade não deve perder: adquira que vale a pena. Aliás, uma lembrança: muita gente acha que Zé Limeira não existiu, que é uma lenda criada por Orlando Tejo, pois não existem fotos dele.
Bom, eu que sempre apreciei cantadores de feira nordestinos, os cordéis, depois que li Zé Limeira, passei a achar todos eles secundários. O negro analfabeto paraibano não tem quem o iguale! Querem uma amostra dos versos dele? Lá vai.
A virgem Maria estava
Brigando com São José:
Você vendeu a jumenta
Me deixou andando a pé
Desta maneira eu termino
Voltando pra Nazaré!
 
Nisso gritou São José
Maria, deixa de asneira!
Vou comprar outra jumenta
Do jeitinho da primeira,
Quando ouviram uma zuada
No descer duma ladeira
 
Era um caminhão de feira
Que vinha da Galileia.
São José disse eu vou ver
Se tem canto na boleia
Que possa levar nós três
Até perto da Judeia!
 
São José deu com a mão,
O motorista parou.
Tem três canto pra nós três?
Jesus foi quem perguntou.
Disse o motorista tem,
Jesus respondeu eu vou!
 
E foram subindo os três.
Disse o motorista: para!
A gasolina subiu
A passagem é muito cara.
Vocês estarão pensando
Que meu carro é pau-de-arara?
 
São José puxou da faca
Pra furar os pneus.
Jesus já muito amarelo
Disse assim quando desceu:
Valha-me Nossa Senhora,
Que diabo fizemos eu?!


Vultos históricos
Getúlio foi home bom,
Fazia carnificina.
Gostava de comer fava
Misturada com resina
Sofreu mas ainda foi
Delegado de Campina
 
Pedro Álvares Cabral,
Invento do telefone,
Começou a tocá trombone
Na volta de Zé Leal
Mas como tocava mal
Arranjou dois instrumento
Daí chegou um sargento
Querendo enrabar os três.
Quem tem razão é o freguês
Diz o Novo Testamento.
 
Quando Dom Pedro Segundo
Governava a Palestina
E Dona Leopoldina
Devia a Deus e ao mundo,
O poeta Zé Raimundo
Começou a castrar jumento.
Teve um dia um pensamento:
Aquilo tudo é boato
Oito noves fora quatro
Diz o Novo Testamento.

Filosomia, pilogamia…
A santa filosomia
Descreve os peixes do mar
As sereia do sertão
Mula preta e mangangá
Muié de saia rendada
Moça branca misturada
Carro de boi Jatobá.
 
Tudo que eu dixé agora,
Vocês note no caderno:
A feme o pato é pata,
O macho de perna é perno.
Seu Heleno me arresponda
Qual é o macho de onda,
Qual é a feme de inverno!
 
Um dia o Rei Salamão
Dormiu de noite e de dia.
Convidou Napoleão
Pra cantá pilogamia.
Viva a Princesa Isabé,
Que já moro em Supé
No tempo da monarquia.

Tomé de Souza
Quando Tomé de Souza
Era governador da Bahia,
Casou-se e no mesmo dia
Passou a pica na esposa.
Ele fez que nem raposa,
Comeu a frente e atrás,
Chegou na beira do cais
Aonde o navio trafega,
Comeu o Padre Nóbrega,
Os tempos não voltam mais!
 
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Mouzar Benedito, jornalista, nasceu em Nova Resende (MG) em 1946, o quinto entre dez filhos de um barbeiro. Trabalhou em vários jornais alternativos (Versus, Pasquim, Em Tempo, Movimento, Jornal dos Bairros – MG, Brasil Mulher). Estudou Geografia na USP e Jornalismo na Cásper Líbero, em São Paulo. É autor de muitos livros, dentre os quais, publicados pela Boitempo,Ousar Lutar (2000), em co-autoria com José Roberto Rezende, Pequena enciclopédia sanitária (1996) e Meneghetti – O gato dos telhados (2010, Coleção Pauliceia). Colabora com o Blog da Boitempo quinzenalmente, às terças.